Acabei de receber de um amigo um artigo de opinião de Jorge Fiel publicado no Expresso, caderno Economia & Internacional, em 13-08-2005.
Trata-se de opinar sobre as diferenças entre lisboetas e portuenses e -mais importante do que isso-, a diferente percepção que o poder político e a opinião pública em geral têm dos desaires que ocorrem em cada uma das cidades.
Por outras palavras, o que em Lisboa passa despercebido, no Porto ganha auras de escândalo intolerável.
Achei-o impecável; aqui vai ele:
Lisboa a arder
«As cidades são diferentes, mas ainda mais diferentes são as pessoas que as habitam.»
Amo o Porto, mas esta paixão deixa-me espaço para gostar muito de Lisboa.
Depois de um fim de tarde no miradouro da Graça, ninguém no seu perfeito juízo pode negar que Lisboa é uma das mais belas cidades do mundo. São cidades diferentes. É fácil gostar de Lisboa logo à primeira vista. O Porto tem de se aprender a gostar.
As cidades são diferentes, mas ainda mais diferentes são as pessoas que as habitam.
No Premier, o «health club» que frequentava no Porto, quem chega solta um sonoro bom-dia, logo correspondido pelos que lá estão.
As pessoas circulam nuas pelo balneário e conversam umas com as outras, sobre tudo e nada - a bola, a bolsa, os casos do dia.
Toda a gente se conhece pelo nome e profissão.
Ficámos todos satisfeitos e orgulhosos quando a recepcionista Conceição acabou o curso de Direito.
Trouxe para Lisboa as maneiras do Porto, mas tive de me adaptar, porque não gosto de dar nas vistas - prefiro disfarçar-me na paisagem.
Deixei de dar os bons-dias à chegada ao Holmes Place, porque me fartei deles fazerem ricochete nos armários - ninguém mos devolvia.
E para evitar olhares desaprovadores ando pelo balneário com a toalha enrolada à cintura.
Gosto muito de Lisboa mas não gosto de algumas pessoas que a habitam.
Não gosto das pessoas que mal sabem que sou do Porto desatam a tentar imitar de uma forma grotesca a pronúncia do Norte, entremeando uns caragos com uns ditongos ditos à moda galaico-portuguesa.
Abomino a ignorância dos que se julgam sem sotaque e tomam a sua adocicada e arredondada pronúncia lisboeta como o cânone da língua, que deve parte da sua riqueza às diferentes maneiras como é falada nas mais variadas latitudes e longitudes.
Gosto muito de Lisboa mas não gosto de alguns políticos que a habitam.
Não gosto de um Jorge Sampaio, cujas regras de educação lhe permitiram usar o discurso de inauguração da Casa da Música para criticar os «atrasos da obra» e a «derrapagem dos custos».
Não me lembro de alguém ter criticado os «atrasos na obra» e a «derrapagem nos custos» nos discursos de inauguração do magnífico Centro Cultural de Belém ou da fantástica Expo-98.
Não gosto de um ministro Mário Lino, cujo código de boas maneiras lhe permitiu usar o discurso de inauguração de uma nova linha do Metro do Porto para ameaçar congelar a expansão da rede, devido aos «atrasos na obra» e à «derrapagem dos custos».
Não me lembro de alguém ter ameaçado congelar a expansão do Metro de Lisboa na sequência dos escandalosos «atrasos na obra» do Metro no Terreiro do Paço ou da enorme «derrapagem nos custos» da estação Baixa/Chiado.
Não gosto de um ministro Manuel Pinho, cujos princípios éticos são largos ao ponto de abençoar um Prime que habilmente permite o uso de fundos comunitários em Lisboa, a mais rica de todas as regiões ibéricas (o Porto está em 27º lugar), de acordo com a UE.
É por causa de atitudes como estas que Portugal continua a parecer um bilhar que descai sempre para um só buraco - a capital.
O grito de raiva «Nós só queremos Lisboa a arder» é a expressão (grosseira) da revolta de quem se sente discriminado.
A única vacina eficaz contra esta raiva é corrigir as assimetrias que desequilibram o país.
Trata-se de opinar sobre as diferenças entre lisboetas e portuenses e -mais importante do que isso-, a diferente percepção que o poder político e a opinião pública em geral têm dos desaires que ocorrem em cada uma das cidades.
Por outras palavras, o que em Lisboa passa despercebido, no Porto ganha auras de escândalo intolerável.
Achei-o impecável; aqui vai ele:
Lisboa a arder
«As cidades são diferentes, mas ainda mais diferentes são as pessoas que as habitam.»
Amo o Porto, mas esta paixão deixa-me espaço para gostar muito de Lisboa.
Depois de um fim de tarde no miradouro da Graça, ninguém no seu perfeito juízo pode negar que Lisboa é uma das mais belas cidades do mundo. São cidades diferentes. É fácil gostar de Lisboa logo à primeira vista. O Porto tem de se aprender a gostar.
As cidades são diferentes, mas ainda mais diferentes são as pessoas que as habitam.
No Premier, o «health club» que frequentava no Porto, quem chega solta um sonoro bom-dia, logo correspondido pelos que lá estão.
As pessoas circulam nuas pelo balneário e conversam umas com as outras, sobre tudo e nada - a bola, a bolsa, os casos do dia.
Toda a gente se conhece pelo nome e profissão.
Ficámos todos satisfeitos e orgulhosos quando a recepcionista Conceição acabou o curso de Direito.
Trouxe para Lisboa as maneiras do Porto, mas tive de me adaptar, porque não gosto de dar nas vistas - prefiro disfarçar-me na paisagem.
Deixei de dar os bons-dias à chegada ao Holmes Place, porque me fartei deles fazerem ricochete nos armários - ninguém mos devolvia.
E para evitar olhares desaprovadores ando pelo balneário com a toalha enrolada à cintura.
Gosto muito de Lisboa mas não gosto de algumas pessoas que a habitam.
Não gosto das pessoas que mal sabem que sou do Porto desatam a tentar imitar de uma forma grotesca a pronúncia do Norte, entremeando uns caragos com uns ditongos ditos à moda galaico-portuguesa.
Abomino a ignorância dos que se julgam sem sotaque e tomam a sua adocicada e arredondada pronúncia lisboeta como o cânone da língua, que deve parte da sua riqueza às diferentes maneiras como é falada nas mais variadas latitudes e longitudes.
Gosto muito de Lisboa mas não gosto de alguns políticos que a habitam.
Não gosto de um Jorge Sampaio, cujas regras de educação lhe permitiram usar o discurso de inauguração da Casa da Música para criticar os «atrasos da obra» e a «derrapagem dos custos».
Não me lembro de alguém ter criticado os «atrasos na obra» e a «derrapagem nos custos» nos discursos de inauguração do magnífico Centro Cultural de Belém ou da fantástica Expo-98.
Não gosto de um ministro Mário Lino, cujo código de boas maneiras lhe permitiu usar o discurso de inauguração de uma nova linha do Metro do Porto para ameaçar congelar a expansão da rede, devido aos «atrasos na obra» e à «derrapagem dos custos».
Não me lembro de alguém ter ameaçado congelar a expansão do Metro de Lisboa na sequência dos escandalosos «atrasos na obra» do Metro no Terreiro do Paço ou da enorme «derrapagem nos custos» da estação Baixa/Chiado.
Não gosto de um ministro Manuel Pinho, cujos princípios éticos são largos ao ponto de abençoar um Prime que habilmente permite o uso de fundos comunitários em Lisboa, a mais rica de todas as regiões ibéricas (o Porto está em 27º lugar), de acordo com a UE.
É por causa de atitudes como estas que Portugal continua a parecer um bilhar que descai sempre para um só buraco - a capital.
O grito de raiva «Nós só queremos Lisboa a arder» é a expressão (grosseira) da revolta de quem se sente discriminado.
A única vacina eficaz contra esta raiva é corrigir as assimetrias que desequilibram o país.
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