Miguel Guedes hoje no JN
Não me espanta, não me indigna, não me enfada porque já não espero verdadeiramente outra coisa. A forma coloquial como o secretário de Estado do Turismo, Adolfo Mesquita Nunes, convoca para si os louros do crescimento do turismo no Porto e no Norte do país não mais é do que um sinal desse subdesenvolvimento menor e tacanho que faz com que o provincianismo cresça, invernoso, em algumas mentes iluminadas do poder na capital do país. Essa noção tão pequena de que fora do centro do Mundo nada e de que para o centro do Mundo tudo, até a firmeza e a responsabilidade das suas gorjetas. Nunca assumindo o pecado original. O centralismo que António Costa recolocou em cima da mesa como argumento a favor da regionalização pode ter em Adolfo Nunes um bravo porta-voz turístico, aquele que anuncia as paragens regionais e os números da consagração da província. O Norte já é visitado, interpretado e revisto. E tudo graças à visão da sua política regeneradora. O secretário de Estado do Turismo devia aparecer na província mais vezes. Perceberia a coragem e o esforço de quem lá vive, aqueles que não se vangloriam pela descoberta do mapa da mina. Tudo o que verdadeiramente vale e faz crescer está nas pessoas que recortam os seus dias sem olhar as outras pessoas de lado ou por cima dos ombros. Olhos nos olhos com o destino. Neste caso, turístico.É uma questão de aparecer. Quando o secretário de Estado afirma, sem se rir, que "o turismo no Porto e no Norte estava a estagnar e, de repente, disparou a partir do ano de 2013, depois de termos iniciado esta nossa estratégia", a gargalhada só pode ser geral na província. Note-se, "de repente"... É uma questão de aparecer mais vezes para se rir connosco, Sr. Secretário de Estado. Rui Moreira caracterizou-o com a frase "palavras para quê, é um artista português" mas, como é óbvio, o presidente da Câmara do Porto tem os artistas em bem melhor conta como se pode perceber pela política cultural camarária. O seu a seu dono: Adolfo Nunes decepou os subsídios a eventos para "direccionar os apoios para aquilo que efectivamente tem possibilidades de atrair turistas". Uma espécie de caça às moscas, portanto. Menos mal, erradicou o subsídio para o evento dos popós no Circuito da Boavista, prestando um bom serviço - porventura, sem o saber, ao munícipe portuense. Se essa foi a sua estratégia, muitos parabéns. Se bem que desconfio que o verdadeiro motivo residiu na barulheira dos escapes. Aposto que até se ouvia em Lisboa, um horror.
O centralismo, do qual Adolfo Nunes é agora jactante cabeça de proa, faz surf na maionese. Sem pensar se mete água, refere que o essencial para o sucesso do nosso destino turístico tem sido "o dinamismo do sector privado do surf". Sem negar as nossas habilidades com prancha e a valorização deste sector como referência, convém lembrar que o turismo que mais tem crescido em Portugal é o de cidade, o da cultura, do lazer e do monumental. Os indicadores para 2014 anunciam um recorde de dormidas de estrangeiros na Região Norte. A cidade do Porto foi o destino mais procurado pelos portugueses na passagem de ano (e quem lá esteve assegura que a Torre de Babel foi uma das realidades da noite, não me parecendo que todos os portugueses sejam assumidamente poliglotas especialistas ou sobreviventes ao dilúvio retratado no livro de Gênesis).
O Porto foi considerado o melhor destino europeu de 2014 e Rui Moreira fez capa do "New York Times", assim como páginas do "El País", do "Libération" e de publicações especificamente relacionadas com o turismo e o seu desenvolvimento. A importância e multivalência do Douro Vinhateiro cresce a cada dia, com redes de aproximação entre focos de lazer, conhecimento e cultura. Mas Adolfo Mesquita Nunes surfa na sua estratégia "repentina" do ano transacto para, até aqui, nos ensinar como fazer as coisas bem, feitas em pouco tempo ou até... de repente.
O crescimento do turismo em Portugal, ao ponto de recebermos mais turistas por ano do que a nossa população real, é um esforço de todos. É uma questão de estratégia, de esforço, de visão. Do saber, da nossa cultura, do saber receber. "Dar e receber", como um dos álbuns de António Variações. Esse sim, um artista português (entre o Minho e New York, como gostava de se descrever). Essa visão cosmopolita, mundividente, essa razão pela qual somos um país feito de pessoas que não se revêem na visão estratégica e nas esmolas do pensamento único do poder central. Um país com regiões que surfam, obviamente. Mas que têm a sua onda."
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