Tribunal de Contas, essa polícia política
Para que serve uma Câmara Municipal com boas contas e um orçamento equilibrado? Para nada. Qual a vantagem de se lançar um debate público na cidade, procurando consensos em torno de um projeto vital para uma área profundamente deprimida e eternamente adiada? Nenhuma.
O que vale a iniciativa, o arrojo e o escrupuloso respeito pela legalidade? Muito pouco. Ao lado da prepotência e da arrogância do Tribunal de Contas, a revitalização de Campanhã fica, se não enterrada, pelo menos adiada. Venham depois queixar-se dos populismos.
O Tribunal de Contas, expoente máximo do centralismo lisboeta, andou meio ano a gozar com o Porto. Fez centenas de perguntas sobre o Matadouro de Campanhã, para depois aplicar um chumbo sumário ao projeto para a sua reconversão. O que ia ser uma nova centralidade, um centro artístico e cultural, um polo empresarial e o detonador da modernização naquela freguesia - um investimento de 40 milhões de euros totalmente financiado por um privado, a Mota-Engil (apenas e só a maior construtora portuguesa) -, não mereceu a bênção da polícia política da contabilidade pública, sita ao Campo Pequeno.
O Tribunal de Contas tem mais de 415 funcionários. Funcionários esses, pagos por todos nós, que auferem um ordenado médio de 2412 euros mensais (dados de 2016). Pois essas quatro centenas de almas que custam mais de 20 milhões de euros por ano ao erário público não conseguiram ao longo de seis meses perceber que a cedência temporária dos direitos do Matadouro de Campanhã não iria custar um cêntimo que fosse aos cofres do município.
A legalidade é um princípio elementar do Estado de Direito. A Câmara do Porto cumpriu a lei. O Tribunal de Contas decidiu fazer política. Com o seu veto, condena a zona oriental da segunda cidade do país a um novo ciclo de pobreza, atraso e depressão. Podem porém apostar que a reabilitação do chamado Parque Tejo, que Lisboa fará à boleia das Jornadas Mundiais da Juventude (evento extraordinário, cujo interesse não é discutível), não só vai custar muito dinheiro a todos os portugueses, como não será objecto da censura do Tribunal de Contas.
Venham agora falar-nos em descentralização e prometer-nos alguns trocos e migalhas. Voltem a tentar enganar-nos com a ilusão de uma regionalização e persistam no erro de ignorar o interior. Continuem a proibir candidaturas independentes ao Parlamento e a eleger deputados que não representam os eleitores dos seus distritos mas apenas os diretórios dos partidos. Alertem-nos para os perigos do populismo e para os riscos das assimetrias regionais. Adoramos ser enganados. Sabem que sim. Até um dia.
*Nuno Botelho, empresário e presidente da Associação Comercial do Porto
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