Nos últimos dias, Luís Filipe Vieira veio informar-nos que, afinal, «o Benfica concluiu que era importante a permanência de Simão. Estamos felizes e ele também»…
Tanta felicidade faz lembrar a alegria inicial com que o presidente do Benfica acolheu a dupla Loureiro/Loureiro na Liga de Futebol Profissional. Recorde-se que Valentim Loureiro cedeu a sair da presidência da Liga mas impôs a sua permanência na liderança da assembleia geral — gesto que mereceu rasgados elogios de Filipe Vieira: «Depois de tudo o que o major passou só tenho de lhe dar os parabéns. Demonstrou que não está agarrado ao poder. Esta atitude define o carácter daquele homem». E Hermínio Loureiro, presidente de Valentim, «terá o apoio e o voto do Benfica» para liderar a Liga, prometeu então Vieira. Mal passaram duas semanas e eis que, para o presidente benfiquista, Hermínio Loureiro «não é homem que irá impor-se a nada e, se calhar, é o parceiro ideal para esconder o Apito Dourado!», no qual Valentim Loureiro é um dos mais conhecidos implicados…
Quando falha rotundamente a estratégia de gestão na sempre adiada venda do activo mais importante do plantel da Luz (nem 20 milhões, nem 15 milhões, nem Liverpool, nem Chelsea, nem sequer Valência…), quando falha a estratégia política dos tão celebrados equilíbrios de poderes e influências do Benfica e seus rivais na Liga, quando tudo falha chega, inevitavelmente, dos actuais responsáveis encarnados, a estratégia dos decibéis.
Falar alto, falar grosso e soltar algumas frases chocantes enquanto se vira o bico ao prego — eis, basicamente, a estratégia dirigista e comunicacional do Benfica nesta era Luís Filipe Vieira/José Veiga.
Se Hermínio Loureiro vai esconder o Apito Dourado, também os responsáveis nacionais pelo controlo antidoping «mentiram descaradamente» com a complacência do secretário de Estado do Desporto (no caso do doping de Nuno Assis, que Vieira tentou desresponsabilizar) e o Benfica até já tem «dúvidas, nomeadamente se os resultados do Campeonato vão ser, ou não, falseados». Eis ao que chega o delírio da irresponsabilidade.
Que, no jornal do clube, assume foros de paranóia: na última semana, surgiu nas bancas com uma primeira página bombástica anunciando «Revolução ou morte» em parangonas e textos de teor radical-extremista exigindo «rigor e transparência no futebol português», ilustrados com sugestivas fotos do 25 de Abril. Tudo a propósito de um manifesto programático benfiquista para a LPFP cheio de lugares comuns e propostas tão vagas como as que Hermínio Loureiro apresentou, até agora, para a Liga e para o futebol nacional .
A verdade é que nem Loureiro nem o manifesto de Vieira parecem muito preocupados com as inscrições de clubes e SAD na I e II Ligas que mantêm salários em atraso, dívidas de milhões ao fisco e à segurança social disfarçadas sob a capa de moratórias e outros expedientes, receitas irrisórias para os orçamentos que apresentam, verbas de transmissões televisivas já recebidas antecipadamente por largos anos, etc., etc.. Nem com os estádios quase vazios na esmagadora maioria dos jogos que não envolvam os grandes, com os salários incomportáveis dos jogadores para a dimensão do mercado português, com o endividamento galopante junto da banca e outras entidades, com as falências crescentes, de ano para ano, de clubes e SAD um pouco por todo o país.
Desde que Cunha Leal saiu da Liga e Luís Guilherme da Arbitragem, Luís Filipe Vieira sentiu uma imperiosa e desconhecida necessidade de «rigor e transparência» no futebol e na Liga de clubes.
Talvez não fosse má ideia começar por praticar o rigor e a transparência com a situação permissiva e opaca que José Veiga ocupa na SAD do Benfica: Já tomou formalmente posse? Os processos e dívidas ao fisco abrangem os seus vencimentos na SAD? Pode o Benfica ter como responsável da SAD alguém com acções fiscais, processos, penhoras, credores à perna? E a quem, numa das várias execuções fiscais em curso, acabam agora de penhorar 42 mil acções… do Sporting?
Há discurso moralizador e justiceiro que resista a tais hipocrisias e contradições?
Enquanto Simão via gorar-se, mais uma vez, a ambicionada transferência para os grandes palcos europeus, Luís Filipe Vieira recebia, com menos de três anos na presidência e um passado de associado do FC Porto e do Sporting, a Águia de Ouro do Benfica, distinção máxima do clube.
Foram poucos, ao longo da história benfiquista, os presidentes cujos méritos justificaram, na avaliação dos sócios, que recebessem tal galardão. E menos ainda os que não tiveram pruridos e se acharam merecedores de recebê-lo em pleno exercício de funções. Vieira é um deles.
Quando falham as estratégias básicas, quando a credibilidade e a respeitabilidade se rarefazem, cresce a tendência para estes gestos forçados e formalmente legitimadores da autoridade e do culto do líder. É um clássico de todas as épocas. E de todos os quadrantes.
(*) excelente artigo de José António Lima, na rubrica Canto Directo, inserida na edição de 23 de Agosto no jornal A Bola
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