(*) extraído do JN (2009-09-06 Joana Amorim, JAMORIM@JN.PT)
Rui Moreira dispara em todas as direcções no livro "Uma questão de carácter". Sempre contra os que "maltratam" o Porto, portuenses incluídos.
Um amigo perguntou-lhe se tinha a noção do acto suicida que estava a cometer. Rui Moreira sabe-o, assume-o e não teme retaliações. O livro "Uma questão de carácter" já está nas bancas, questiona o Porto e os portuenses, os políticos e as políticas, o Estado central e a submissão perante o Terreiro do Paço e tem tudo para gerar inimizades.
Para muitos será outro livro com os queixumes típicos e rancorosos de um portuense perante a capital. Para o autor, burguês típico que não renega as suas origens, é a oportunidade única de, em vésperas de eleições, colocar a cidade no mapa e "exigir alguns compromissos". Porque, explica em conversa com o JN, o Porto, "que não pode querer ser tudo", "não pode perder mais nada". "O que temos são já os mínimos do que precisamos".
Deliberadamente um "Grito de Ipiranga", teme que o Porto já tenha perdido o seu carácter, essa característica tão única e intransmissível que inspirou poetas. "Fomos demasiado contemplativos". Especificando: "Nunca fomos capazes de lutar de acordo com os interesses regionais, de exigir aos nossos representantes no Parlamento que prestassem contas, temos tolerado tudo..."
E porque - e será, provavelmente, uma das frases-chave do seu livro - "todos se submetem a uma lógica que todos contestam", o Porto põe-se, de facto, a jeito. "Culpa do nosso individualismo. Queremos levar a nossa liberdade tão longe que muitas vezes não queremos amarras nem peias".
"Mea culpa" feita - em sentido lato, porque Rui Moreira recusa culpas na radiografia que faz à cidade - apontam-se espingardas. "Somos tão maltratados", desabafa. E não é preciso recuar muito no tempo para o comprovar. "Antes, os chefes de Estado quando vinham a Portugal entravam por Lisboa e vinham terminar as suas visitas ao Porto. Desde que Cavaco Silva está na Presidência da República essa tradição acabou. E não tenho dúvidas que é deliberado. O presidente da República acha que o Porto é irrelevante". Bom, recordámos nós, no seu primeiro ano enquanto presidente da República Cavaco Silva escolheu o Porto para palco das comemorações oficiais do 10 de Junho, Dia de Portugal. "O 10 de Junho é para consumo doméstico", dispara Rui Moreira.
Mas a constatação não é de agora. "Durante o Cavaquismo, o Norte foi a grande vítima do modelo de reconcentração do poder económico privado". E eis que chegamos ao cerne da questão - o dinheiro. O autor refere-se concretamente ao caso do Banco Português do Atlântico, que o então primeiro-ministro quis reprivatizar. Entre o Banco Comercial Português e um grupo de empresários do Norte (onde se incluía o também incómodo Belmiro de Azevedo) o governo vendeu-o ao BCP, que o engoliu enquanto marca e identidade.
E se é certo que a indústria do Norte "ainda não encontrou o seu canivete suíço", também é certo que quando ousa Lisboa esta lhe corta as pernas. Como aconteceu ainda há bem pouco tempo quando a Sonae quis comprar a PT. Mas aí, sublinha, ficou provado "o enorme défice mediático do Porto". Tudo porque, para espanto de muitos, a conferência de imprensa onde o grupo de Belmiro de Azevedo anunciou o lançamento da OPA teve lugar em Lisboa. E mais recentemente com a Unicer, sublinha, que "depois de ter perdido a liderança do mercado nacional está a passar o seu centro de decisão e muitas das suas principais actividades para Lisboa".
E muitos já se terão então questionado. E então o F.C. Porto? E a Câmara do Porto? Por partes. "A portofobia tem, como alvo favorito, o Futebol Clube do Porto". Portista ferrenho, fala da "vergonha em que participam muitas pessoas com grandes responsabilidades que não se conformam com o facto de haver um clube do Porto que ganha consecutivamente aos de Lisboa". E não compreende "que os portistas que vivem fora do Porto não entendam por vezes que o clube, que é considerado um símbolo ilegítimo do poder por contrariar o princípio e a sacrossanta lógica da centralidade, e a cidade que lhe deu o nome fazem parte do mesmo alvo.
A Rui Rio - cuja popularidade, diz, não deriva apenas de ter enfrentado Pinto da Costa, mas também de ter enfrentado o Governo no polémico dossiê do Metro do Porto - reconhece-lhe um segundo mandato com uma "visão mais alargada e abrangente, por contraste com um primeiro mandato em que as políticas da cidade eram pensadas como se o Porto fosse um enclave, delimitado pelo rio Douro, pelo mar e pela Circunvalação".
E se o "peso político da cidade continua a ser uma miragem", outras explicações haverá para além dos problemas endógenos. "Não se sabe, por certo, se foi coincidência, mas, por norma, as cores que governaram o Porto não coincidiram com as que governaram a nação. Ora, estas rebeldias pagam-se caro, nas democracias indigentes como a nossa..."
Sobrevivência. Hoje, a regionalização é, acima de tudo, uma questão de sobrevivência se o Porto não se quer "conimbrizar". Porque, lembra, todas as promessas de descentralização ficaram na gaveta. E recorda Mário Soares. "É lapidar". E para não ser acusado de "vira-casacas", explica a priori: "Se há dez anos fiz parte da maioria que rejeitou a regionalização no referendo, devo dizer que hoje sou um regionalista. É que já não acredito que, de outra forma, o país possa crescer de modo harmonioso. E porque tenho que aceitar que ela é melhor do que o indisfarçado e insuportável centralismo em que vivemos". Só assim a apelidada Invicta sairá do marasmo.
Mas não é a solução para todos os problemas. Porque o Porto "precisa de um discurso novo", de mobilizar "os seus talentos", de trabalhar em "rede", de ser mais "exigente", mais reivindicativo, "mais liberal", essa condição quase inata que a História se encarrega de explicar. Para que, assim, "o Porto fale a Lisboa pelo resto do País".
Rui Moreira dispara em todas as direcções no livro "Uma questão de carácter". Sempre contra os que "maltratam" o Porto, portuenses incluídos.
Um amigo perguntou-lhe se tinha a noção do acto suicida que estava a cometer. Rui Moreira sabe-o, assume-o e não teme retaliações. O livro "Uma questão de carácter" já está nas bancas, questiona o Porto e os portuenses, os políticos e as políticas, o Estado central e a submissão perante o Terreiro do Paço e tem tudo para gerar inimizades.
Para muitos será outro livro com os queixumes típicos e rancorosos de um portuense perante a capital. Para o autor, burguês típico que não renega as suas origens, é a oportunidade única de, em vésperas de eleições, colocar a cidade no mapa e "exigir alguns compromissos". Porque, explica em conversa com o JN, o Porto, "que não pode querer ser tudo", "não pode perder mais nada". "O que temos são já os mínimos do que precisamos".
Deliberadamente um "Grito de Ipiranga", teme que o Porto já tenha perdido o seu carácter, essa característica tão única e intransmissível que inspirou poetas. "Fomos demasiado contemplativos". Especificando: "Nunca fomos capazes de lutar de acordo com os interesses regionais, de exigir aos nossos representantes no Parlamento que prestassem contas, temos tolerado tudo..."
E porque - e será, provavelmente, uma das frases-chave do seu livro - "todos se submetem a uma lógica que todos contestam", o Porto põe-se, de facto, a jeito. "Culpa do nosso individualismo. Queremos levar a nossa liberdade tão longe que muitas vezes não queremos amarras nem peias".
"Mea culpa" feita - em sentido lato, porque Rui Moreira recusa culpas na radiografia que faz à cidade - apontam-se espingardas. "Somos tão maltratados", desabafa. E não é preciso recuar muito no tempo para o comprovar. "Antes, os chefes de Estado quando vinham a Portugal entravam por Lisboa e vinham terminar as suas visitas ao Porto. Desde que Cavaco Silva está na Presidência da República essa tradição acabou. E não tenho dúvidas que é deliberado. O presidente da República acha que o Porto é irrelevante". Bom, recordámos nós, no seu primeiro ano enquanto presidente da República Cavaco Silva escolheu o Porto para palco das comemorações oficiais do 10 de Junho, Dia de Portugal. "O 10 de Junho é para consumo doméstico", dispara Rui Moreira.
Mas a constatação não é de agora. "Durante o Cavaquismo, o Norte foi a grande vítima do modelo de reconcentração do poder económico privado". E eis que chegamos ao cerne da questão - o dinheiro. O autor refere-se concretamente ao caso do Banco Português do Atlântico, que o então primeiro-ministro quis reprivatizar. Entre o Banco Comercial Português e um grupo de empresários do Norte (onde se incluía o também incómodo Belmiro de Azevedo) o governo vendeu-o ao BCP, que o engoliu enquanto marca e identidade.
E se é certo que a indústria do Norte "ainda não encontrou o seu canivete suíço", também é certo que quando ousa Lisboa esta lhe corta as pernas. Como aconteceu ainda há bem pouco tempo quando a Sonae quis comprar a PT. Mas aí, sublinha, ficou provado "o enorme défice mediático do Porto". Tudo porque, para espanto de muitos, a conferência de imprensa onde o grupo de Belmiro de Azevedo anunciou o lançamento da OPA teve lugar em Lisboa. E mais recentemente com a Unicer, sublinha, que "depois de ter perdido a liderança do mercado nacional está a passar o seu centro de decisão e muitas das suas principais actividades para Lisboa".
E muitos já se terão então questionado. E então o F.C. Porto? E a Câmara do Porto? Por partes. "A portofobia tem, como alvo favorito, o Futebol Clube do Porto". Portista ferrenho, fala da "vergonha em que participam muitas pessoas com grandes responsabilidades que não se conformam com o facto de haver um clube do Porto que ganha consecutivamente aos de Lisboa". E não compreende "que os portistas que vivem fora do Porto não entendam por vezes que o clube, que é considerado um símbolo ilegítimo do poder por contrariar o princípio e a sacrossanta lógica da centralidade, e a cidade que lhe deu o nome fazem parte do mesmo alvo.
A Rui Rio - cuja popularidade, diz, não deriva apenas de ter enfrentado Pinto da Costa, mas também de ter enfrentado o Governo no polémico dossiê do Metro do Porto - reconhece-lhe um segundo mandato com uma "visão mais alargada e abrangente, por contraste com um primeiro mandato em que as políticas da cidade eram pensadas como se o Porto fosse um enclave, delimitado pelo rio Douro, pelo mar e pela Circunvalação".
E se o "peso político da cidade continua a ser uma miragem", outras explicações haverá para além dos problemas endógenos. "Não se sabe, por certo, se foi coincidência, mas, por norma, as cores que governaram o Porto não coincidiram com as que governaram a nação. Ora, estas rebeldias pagam-se caro, nas democracias indigentes como a nossa..."
Sobrevivência. Hoje, a regionalização é, acima de tudo, uma questão de sobrevivência se o Porto não se quer "conimbrizar". Porque, lembra, todas as promessas de descentralização ficaram na gaveta. E recorda Mário Soares. "É lapidar". E para não ser acusado de "vira-casacas", explica a priori: "Se há dez anos fiz parte da maioria que rejeitou a regionalização no referendo, devo dizer que hoje sou um regionalista. É que já não acredito que, de outra forma, o país possa crescer de modo harmonioso. E porque tenho que aceitar que ela é melhor do que o indisfarçado e insuportável centralismo em que vivemos". Só assim a apelidada Invicta sairá do marasmo.
Mas não é a solução para todos os problemas. Porque o Porto "precisa de um discurso novo", de mobilizar "os seus talentos", de trabalhar em "rede", de ser mais "exigente", mais reivindicativo, "mais liberal", essa condição quase inata que a História se encarrega de explicar. Para que, assim, "o Porto fale a Lisboa pelo resto do País".
0 comentários:
Enviar um comentário