Rainha do Deserto”, de Werner Herzog, com Nicole Kidman no papel da aventureira inglesa Gertrude Bell, a que alguém chamou “a versão feminina de Lawrence da Arábia”.
Herzog gosta de filmar ficções e documentários em paisagens inóspitas e nunca ou muito pouco frequentadas pelo homem, desde as selvas peruanas do citado “Aguirre” até à Antártida de “The Wild Blue Yonder” e “Encounters at the End of the World”, passando por algumas das mais mortíferas montanhas do planeta em “Grito de Pedra”, embora em “Rainha do Deserto” se tenha ficado pelos muito visitados e abundantemente filmados desertos de Marrocos e da Jordânia. Esta é a primeira vez que uma mulher é a heroína de um filme do cineasta alemão. O que acontece decerto porque Gertrude Bell tinha a personalidade destemida e anti-convencional – sobretudo para a sua época — que agrada a Herzog. Os seus filmes estão repletos de aventureiros, combatentes, exploradores, cientistas e excêntricos ficcionais e reais que querem ir onde ninguém foi, fazer o que nunca foi feito, revelar o que jamais foi revelado.
Aristocrata inteligente, independente e decidida, Gertrude Bell (1868-1926) era uma mulher singular para o seu tempo. Formou-se em História em Oxford e viajou pelo mundo, em especial pelo Médio Oriente, que a fascinou profundamente. Fazia montanhismo e falava arábico, persa, turco, italiano francês e alemão. Escritora, viajante, exploradora, arqueóloga, fotógrafa e espia, Gertrude Bell conhecia como muito poucos ocidentais os povos e as tribos do deserto, que tinham por ela um enorme respeito e consideração. Esteve, na companhia de Lawrence da Arábia, e sob as ordens de Winston Churchill, oficialmente envolvida nas movimentações geopolíticas da Inglaterra imperial no Médio Oriente durante e após a I Guerra Mundial, tendo ficado ligada à criação dos reinos do Iraque e da Jordânia.
Embora lhe falte a respiração ao mesmo tempo épica e intimista de “Lawrence da Arábia”, o filme de David Lean está obviamente evocado e citado um pouco por toda a parte em “Rainha do Deserto”, onde Lawrence também aparece, embora desastrosamente personificado por um Robert Pattinson que nem sequer sabe simular um sotaque inglês. A sua interpretação de T.E. Lawrence roça o insulto à de Peter O’Toole na fita de Lean. Nicole Kidman, que substituiu Naomi Watts, a primeira escolha de Werner Herzog para o papel, compõe com afinco uma Gertrude Bell tão refinada e culta como determinada e audaz, mas está limitada pela caracterização pouco ambiciosa, em termos dramáticos e psicológicos, que o realizador fez de uma tão invulgar e rica personagem.
Herzog parece não querer explorar em profundidade a figura de Gertrude Bell. Fica-se por arranhar a superfície da sua personalidade, caracterizando-a em meia dúzia de pinceladas, sugerindo que o seu amor pelo deserto e suas tribos serviu de substituto e de compensação aos seus percalços sentimentais (James Franco e Damien Lewis interpretam, respetivamente, um pretendente vetado pela família e um apaixonado preso ao seu casamento) e depois juntando diligentemente pelos pontinhos as viagens, missões e sucessos de Bell no Médio Oriente, realçando a todo o pé de passada a sua empatia com os beduínos. “Rainha do Deserto” é uma deceção. Poderia ter sido um filme biográfico entusiástico e trepidante, mas contenta-se em ser um retrato competente e solenemente maçudo de uma mulher fora do vulgar. Com boa fotografia e paisagens bonitas. [daqui]
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