A austeridade foi sempre o fim do socialismo, mesmo sem o euro e as suas regras: porque nenhuma sociedade alguma vez criou mais riqueza quando o poder político ameaça quem investe, trabalha e poupa.
O mundo é mesmo feito de mudança. Não foi há séculos, mas há uns meses que António Costa nos persuadia de que fazer crescer a economia era mais importante do que tratar das contas públicas. Ei-lo agora a exigir ser julgado unicamente com base na meta do défice negociada com Bruxelas. Também não foi há séculos, mas há uns meses, que Costa e os seus mentores nos ensinavam que o verdadeiro caminho da prosperidade era o consumo doméstico. Ei-los agora a falar de exportações. É a governação em zig-zag, com uma doutrina que muda conforme os relatórios do INE.
Para muitos, tudo isto é boa notícia. Receavam a ideologia, afinal chegou o pragmatismo. Mas por favor, não gastem os foguetes. Este pragmatismo é falso: tem como ponto de partida a defesa cínica, à custa da maioria da população, das posições adquiridas por alguns, e há-de ficar caríssimo ao país. Também não justifica nenhuma surpresa. A flexibilidade das maiorias do tipo da que António Costa formou não é novidade. Na Grécia, o Syriza mostrou o ano passado um virtuosismo ainda maior. Mas foi a União da Esquerda em França, na década de 1980, que deu o exemplo clássico das reviravoltas. Em 1981, o governo da União da Esquerda arrancou com nacionalizações e um projecto de “relançamento pelo consumo”. Em Março de 1983, depois de dois anos de inflação, fuga de capitais e desvalorização do franco, teve de substituir o “programa comum” pelo célebre “tournant de la rigueur”, com privatizações e muita austeridade. A austeridade foi sempre o fim do socialismo. Não só na Grécia ou em Portugal, mas em toda a parte, mesmo sem o euro e as suas regras: porque nenhuma sociedade alguma vez criou mais riqueza quando o poder político não respeita limites e ameaça quem investe, trabalha e poupa.
Há mesmo assim quem se congratule com a conversão silenciosa do BE e do PCP a tudo o que é obediência às regras europeias. Não é um sinal de que o sentido da responsabilidade alastrou no parlamento? Não é. O BE e o PCP demonstram apenas que as suas “causas”, da defesa dos pobres ao zelo pelos serviços públicos, são totalmente secundárias em relação ao objectivo de infiltrar o Estado, e que por este objectivo estão disponíveis para tudo. Mas há ainda quem argumente que a nova austeridade é diferente. É, sem dúvida. Esta não é a austeridade temporária de um programa de ajustamento, mas a austeridade permanente de uma política clientelar: é o custo imposto à sociedade para manter as regalias daqueles que o governo julga serem os seus clientes e eleitores. Não é uma austeridade que corta despesas, mas que aumenta receitas para compensar o aumento das despesas. É uma austeridade que veio para ficar.
Mas posto isto, é um facto que uma parte da oligarquia, para além da maioria social-comunista, parece desesperada por descobrir na actual situação uma nova “normalidade”. Não estão completamente errados. Afinal, o laboratório açoriano do socialismo nacional prova que é exequível governar com o voto das clientelas, contando com a desistência política do resto da população (nos Açores, a abstenção chegou nas eleições regionais deste domingo a quase 60%, e está acima de 50% há muitos anos, o que permite ao PS ter uma maioria absoluta com o voto de 18,9% dos inscritos). Acontece, porém, que estamos num país dependente do BCE e de uma agência de rating. É portanto possível que algo aconteça. E por isso, talvez as actuais oposições sejam tentadas a esperar simplesmente que os acontecimentos lhes deem razão. Seria um erro. Este é o momento de explicarem ao país como se propõem fazer a economia crescer e viabilizar o Estado social. Antes de a população desistir, como já aconteceu nos Açores. [Rui Ramos, aqui]
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