Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

Aventura de três estudantes pela Europa... só um ficou para contar a história

Três jovens partiram de Lisboa com a ideia de percorreram a Europa a pé. Ao fim de um ano só um regressou para contar a história horrível de uma viagem destinada a alargar os horizontes mas que acabou mal. Foi precisamente há 117 anos, quando o país se preparava para transformar um dia monárquico no dia mais importante da jovem República.
Alberto, Inácio e Luís, estudantes, queriam conhecer o mundo e partiram, a pé pela Europa fora. Só Alberto voltou, depois de ver os amigos morrerem na Albânia, oito meses após terem deixado Lisboa, a 22 de dezembro de 1909. Foram "na ânsia de viver aventuras, na sede do imprevisto", para satisfazerem "os impulsos do seu temperamento meridional, da sua juventude irrequieta e alegre", como se lê num jornal da época. O único sobrevivente da odisseia apareceu um ano depois, preparado para comemorar a implantação da República... no dia 1 de dezembro.
Quando chegou à capital portuguesa, vindo de Madrid, de comboio, na madrugada de 29 de novembro de 1910, a primeira coisa que Alberto Carlos de Miranda Carvalho fez foi deslocar-se à redação do jornal "O Mundo". Pelas três horas, o jornalista viu entrar "um rapaz alto, corretamente vestido, com um brilho estranho no olhar e uma expressão singular de tristeza na fisionomia" e, saberia daí a nada, que trazia uma história incrível para contar, a de "uma catástrofe longínqua" que o deixara só, à mercê de desconhecidos e das intempéries.
Alberto, de 24 anos, vira os dois amigos morrerem à sua frente sem que nada pudesse fazer; andara a pedir esmola e a dormir na rua até ser internado num manicómio grego. Até à altura em que os companheiros sucumbiram "em circunstâncias trágicas", tinham passado oito meses de viagem, bem vividos, apenas com uns pequenos incidentes.
Quando partiram de Lisboa, em 1909, rumaram ao Alentejo, atravessaram a Beira Baixa, de onde passaram a Espanha. Ao longo do mês de janeiro percorreram o reino de Afonso XII e entraram em França, escalando a cordilheira dos Pirinéus. "Dois metros de neve, era em fevereiro e o frio cortava... A primeira étape em França foi S. Jean de Pied-de-Port. Dali passámos a Tarbes, depois a Lourdes...", contou Alberto.
Na cidade francesa, marcada pela história de Bernadette Soubirous, que em 1858 disse ter visto a Virgem Maria na Gruta de Massabielle, transformando Lourdes no primeiro centro mundial de peregrinação do século XXI, o trio de viajantes enfrentou o primeiro revés físico e moral. "Ao pé de uma fonte lia-se certa inscrição que prometia insidiosamente a saúde a quem dela bebesse. Bebemos confiados no enganoso dístico... Pois nunca em minha vida senti uma cólica tão atroz..."
Alberto fala a sorrir, o caso não passou de um mau quarto de hora. Os rapazes prosseguiram a viagem aplicando uma tática que ainda hoje se usa: "Quando chegávamos a qualquer grande cidade, entravamos num café concorrido e tomávamos lugar a uma mesa. Em seguida, um de nós distribuía bilhetes postais pelos frequentadores, que liam curiosamente o fim da nossa viagem, escrito na língua do país [levavam escritos em alemão, francês e italiano] e nos enchiam de dádivas. Quando era preciso, mostrávamos o nosso livro de viagem com todas as étapes bem autenticadas..."
E, assim, de França seguiram para a Suíça, enveredando pelas montanhas, onde novo percalço os sobressaltou. "Perdemo-nos na solidão dos Alpes... Valeram-nos nessa ocasião os tradicionais cães de S. Bernardo, que traziam ao pescoço um barrilinho de licor... Oh! que delicioso licor aquele! Digo-lhe que o cordial nos reanimou de tal forma que um dos meus companheiros, quando chegámos ao convento, ia já um pouco alegre demais..."
Foram então abrigados pelos religiosos no hospício de S. Bernardo - "Que admirável instituição aquela. O frade que nos recebeu e o único que vimos não nos fez perguntas impertinentes e limitou-se a inquirir quanto tempo queríamos ficar no convento. Inscrevemos os nossos nomes num grande livro e dois dias depois partíamos de novo, sem sequer nos ter sido apresentada a conta da excelente hospedagem que tivemos..."


© Albinfo, Wikipédia Aventura de três estudantes pela Europa... só um ficou para contar a história

Dali atravessaram a garganta do Grande S. Bernardo e pisaram solo italiano. Relatou o viajante que estiveram em Veneza, de onde passaram a Trieste, e percorreram a Costa do Adriático "através de uma paisagem de sonho", chegando "ao minúsculo principado do Montenegro...". "Atualmente reino", acrescenta o repórter, desconhecendo ainda o episódio que o deixaria bastante admirado: "Nem mais nem menos que uma palestra com o monarca montegrino".
Alberto acolhe a emenda, salienta que "já então se falava muito nas festas da coroação, que iam realizar-se algum tempo depois", de facto a 28 de agosto, o príncipe Nicolau será coroado rei, o único que a atual pequena República das Balcãs conta na sua História.
"Recebeu-nos [em Cetinhe, a capital] com surpreendente amabilidade, dizendo-nos em puro espanhol: Yo hablo siete lenguas, hablen ustedes la que quieran... Contamos-lhe as nossas aventuras, que ele ouviu com visível interesse. Quando lhe narrámos a passagem de S. Bernardo, perguntou-nos se seria fácil arranjar um cão do Hospício. Lembrámos-lhe que escrevesse aos frades e ele abanou então a cabeça, declarando que tinha poucas relações com essa gente..."
De Montenegro, que será um reino apenas durante oito anos, passaram à Turquia. "Longe de nós a ideia de que ia findar ali a nossa viagem singular, tão cheia de imprevisto, tão recordada de pitoresco..." Alberto conta primeiro que, em terras turcas (à data a Albânia pertencia ao império Otomano, só declarará a independência em 1912), foram sempre acompanhados de um polícia, para os proteger e servir de guia.
"O desastre deu-se no dia de setembro na Albânia, entre Peklin e Elbasan. Fazia um calor terrível e o sol queimava-nos a fronte. À beira do Scoumi, ou Skumbi [rio Shkumbi], como lá lhe chamam, decidimos tomar um banho. O gendarme dormia a sesta. Depois da merenda, o Inácio [Manuel dos Santos] despiu-se e atirou-se à água. Momentos depois ia o Luís Fernandes. Já não ouvi senão os seus gritos aflitivos 'acudam-me, acudam-me'. Atirei-me por minha vez ao rio e logo senti que o lodo começava a tolher-me os movimentos. O gendarme, que acudiu entretanto, socorreu-me com a baioneta, puxando-me para a margem. Que horrível cena aquela! Tiraram depois os dois cadáveres e o povo estúpido obrigou-me a abrir-lhes as sepulturas, despedaçando uma singela crus de pau que tentei colocar-lhes sobre a última morada."
Nessa altura, Alberto resolveu fugir. Andou pelas montanhas, perdido. Sobrevivia pedindo esmola, "dormindo ao relento e à chuva, passando inclemências terríveis... Tratavam-me como um cão leproso. Por fim, em Salonica, onde cheguei a 14 de outubro, o cônsul hospedou-me num hotel. Mas a minha pobre cabeça não podia não podia mais. Pratiquei desatinos, quebrei coisas, e os homens, tomando-me por doido, internaram-me num manicómio...".
"Nessa ocasião deram-me jornais e eu li, com intenso júbilo, que fora reclamada a República em Portugal. Entretanto, o cônsul visitava-me e convencia-se de que eu estava em meu juízo. Foi então que, de consulado em consulado, efetuei o meu regresso à pátria. Cheguei há 20 minutos. Agora, tudo isto me parece um sonho". À pergunta do jornalista se se arrependia de se ter metido na aventura, Alberto hesitou, mas acabou por afirmar abanando a cabeça: Não. Vi muita coisa, vivi muito... Mas posso jurar-lhe que não recomeçarei outra viagem assim".

E o 1.º de Dezembro é o Dia da República

Alberto Carlos foi, na certa, uma das "milhares e milhares de pessoas" que, dois dias depois, se dirigiram para a Avenida da Liberdade e, "mesmo debaixo de água e a pé firme, ali aguardaram a realização da manifestação e a passagem do cortejo em que se incorporavam "centenas e centenas de pessoas", como conta o "Diário de Notícias" do dia 3 de dezembro de 1910, na reportagem sobre as comemorações de um dia que a monarquia gosta de celebrar e que a República transformou no seu dia, decretando pela primeira vez que se gozasse feriado no primeiro de Dezembro.
"Era por vezes curioso o aspeto dessa enorme multidão, assemelhando uma compacta floresta de cogumelos movediços, os milhares e milhares de guarda-chuvas que se agitavam em diferentes direções. E se o elemento masculino era numeroso, o sexo frágil também não recusou aventurar-se naquele chuvoso dia e... umbrelas abertas, aguardar a manifestação. Não só durante o dia mas durante a noite, o movimento foi realmente extraordinário de transeuntes e... de chuva", conta ainda o diário no relato sobre aquele que também ficou na História como Dia da Bandeira.
"Dois séculos passados, a nacionalidade encontrava-se a saque por quadrilhas políticas e por castas privilegiadas. Não era uma pátria, era uma gamela; não era um Estado, era um chiqueiro. O primeiro dezembro, pois, passava despercebido. As luminárias, os foguetes, os trechos musicais das charangas serviam unicamente para um desabafo popular, para uma noitada de passeio pelas ruas, à moda do Santo António e do S. João", escrevia em editorial o jornal "O Mundo", no próprio dia 1.
No ano seguinte, Alberto Carlos de Miranda Carvalho já se encontra em Londres a trabalhar na "Fry, Miers and Co", de onde enviou uma carta de felicitações a Gomes Teixeira, que acabava de ser eleito Presidente da República Portuguesa. E por lá ficou, casando em 1916 com a londrina Volga Eleanor Spoel, com quem teve três filhos, e morrendo em janeiro de 1949, em Kingston Hill.

0 comentários: