O discurso de Mário Soares aproxima-se, finalmente, da dramatização. A sua guerra pessoal contra Cavaco transformou-se, aos poucos, numa coisa doentia, recorrente, repetitiva, monótona e desagradável. Mais do que isso, com aquela marca de ressentimento que vem sempre colada ao anúncio das tragédias (e que esteve prestes a anunciar no debate com Manuel Alegre). Na entrevista de ontem na Antena Um, Soares repetiu a expressão «seria uma tragédia», quer em relação a assuntos europeus, quer, no fundo, em relação à eleição de Cavaco. Essa ideia de «seria uma tragédia» («seria uma tragédia» não ser eleito), de qualquer modo, vai tendo teve inflexões e desmentidos (Cavaco, afinal, já não é um papão apesar de lhe poder vir a tirar o sono) porque não é possível mantê-la em regime permanente. O que a candidatura de Cavaco (para temor de soaristas e de cavaquistas) vem fazer, no fundo, independentemente de si mesmo, é interromper um ciclo conservador onde o republicanismo se sobrepõe aos valores republicanos.
Por outro lado, a ideia de tragédia na política é sempre populista; a sua dramatização assenta em coisas vagas, num discurso sem referente. Na verdade, Cavaco, o gajo, é uma peça menor neste tabuleiro -- o que assusta, agora, é o fim do ciclo político em que não se podia questionar o seu lugar sacerdotal (daí o seu despeito em relação a Alegre, a quem acusa de estar impreparado -- como se a única preparação para exercer o cargo viesse do facto de o ter já exercido, o que resultaria numa espécie de casta republicana que só viveria na sua órbita). Até em coisas banais Soares deixa esse sinal, repetindo nos debates e entrevistas a expressão «não é disso que eu quero falar» ou «eu quero falar é de».
Esta campanha veio trazer um Soares que não merecia ser visto desta maneira, dada a sua importância para o quadro geral da República: obrigado a desmentir-se a si mesmo (em relação a Sócrates, que odiava; em relação à qualidade dos políticos; em relação a África; em relação a Guterres, sobre quem diz coisas ditirâmbicas, a propósito da «estratégia de Lisboa»; em relação ao PS), a falar do que não quer e do que o enfastia, defendido por Jorge Coelho com a ideia absurda da desistência dos outros candidatos de esquerda. Mas a procissão de coisas absurdas vai continuar.
(*) copy+paste da ‘Origem das Espécies”, de Francisco J. Viegas
Por outro lado, a ideia de tragédia na política é sempre populista; a sua dramatização assenta em coisas vagas, num discurso sem referente. Na verdade, Cavaco, o gajo, é uma peça menor neste tabuleiro -- o que assusta, agora, é o fim do ciclo político em que não se podia questionar o seu lugar sacerdotal (daí o seu despeito em relação a Alegre, a quem acusa de estar impreparado -- como se a única preparação para exercer o cargo viesse do facto de o ter já exercido, o que resultaria numa espécie de casta republicana que só viveria na sua órbita). Até em coisas banais Soares deixa esse sinal, repetindo nos debates e entrevistas a expressão «não é disso que eu quero falar» ou «eu quero falar é de».
Esta campanha veio trazer um Soares que não merecia ser visto desta maneira, dada a sua importância para o quadro geral da República: obrigado a desmentir-se a si mesmo (em relação a Sócrates, que odiava; em relação à qualidade dos políticos; em relação a África; em relação a Guterres, sobre quem diz coisas ditirâmbicas, a propósito da «estratégia de Lisboa»; em relação ao PS), a falar do que não quer e do que o enfastia, defendido por Jorge Coelho com a ideia absurda da desistência dos outros candidatos de esquerda. Mas a procissão de coisas absurdas vai continuar.
(*) copy+paste da ‘Origem das Espécies”, de Francisco J. Viegas
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