diz João Pereira Coutinho
"A hipocrisia é o meu vício preferido. Basta olhar para o "caso chinês", a poucos meses dos Jogos Olímpicos de Pequim: do presidente do Parlamento Europeu ao ministro dos Negócios Estrangeiros francês, sem esquecer a sra. Nancy Pelosi em visita ao Dalai Lama, não faltam por aí almas beneméritas que tencionam boicotar o circo ou, no mínimo, não pôr os pés na cerimónia de abertura. Coisa bizarra. Primeiro, porque ninguém está seriamente interessado em arranjar sarilhos com Pequim, um parceiro comercial considerável. E, depois, porque as patifarias do regime não começaram bruscamente na semana passada. A China é uma ditadura há seis décadas. A ocupação do Tibete já dura há meio século. E se o problema é o Darfur, ou seja, a venda de armas do regime chinês a Cartum e o bloqueio permanente nas Nações Unidas que impede qualquer sanção contumaz sobre o Sudão, o cenário também não começou ao pequeno-almoço: desde a década de 90 do século passado que a China, a troco de petróleo, fecha os olhos às matanças africanas. Sem falar do resto: os milhões de seres humanos que Pequim enfiou em "campos de trabalho". E, já agora, os milhares que fuzila todos os anos por "delito de opinião", esse crime admirável que, pelos vistos, nunca tirou o sono aos humanistas.
A indignação é hipócrita e, naturalmente, tardia. A existir, ela devia ter sido ouvida quando o Comité Olímpico Internacional resolveu premiar uma ditadura com os Jogos. Não que o caso seja absolutamente inédito: se esquecermos, por motivos grotescos, a Alemanha nazi de 1936, teremos sempre Moscovo, em 1980, que celebrava o espírito humanista do barão de Coubertin ao mesmo tempo que marchava pelo Afeganistão adentro. E quando, em Munique, 11 atletas israelitas eram massacrados pelo terrorismo palestiniano, não passou pela cabeça de ninguém desmontar a tenda. O que valem 11 judeus?
As páginas olímpicas são páginas de vergonha moral. Não começaram agora. Não vão acabar agora. Tanto barulho para quê?"