Costinha: “No Porto, ia entrar numa discoteca quando o porteiro me pôs a mão no peito: 'Isto não são horas para beber, amanhã há treino'”
Como é que se dá a sua ida para o FCP? É através do Jorge Mendes?
A primeira abordagem que tive foi do Benfica. Do Vilarinho, salvo erro. O Jorge fala comigo e eu perguntei se não havia mais nenhum clube, se só havia o Benfica, e ele “O Benfica quer fazer uma proposta. Mas o FCP também quer”. O FCP tem um modus operandi muito mais letal, ou seja, eu reúno com o presidente Jorge Nuno Pinto da Costa e só saio junto dele quando disser que sim. Ao passo que nos outros clubes “Fica para amanhã, amanhã vemos, amanhã continuamos”, com ele não. Falamos, discutimos valores, o FCP andava atrás de reconquistar o campeonato, seguramente para os adeptos do FCP eu não era um jogador que eles quisessem, porque estava lá o Paredes, mas o presidente queria que eu fosse. E depois apareceu o Sporting.
Também o queriam?
Na altura era o Carlos Freitas que estava como diretor desportivo do Sporting. Perguntaram ao Jorge mas ele disse-lhes “O Costinha já deu a palavra ao Jorge Nuno Pinto da Costa, por isso acabou, nem vale a pena chegar perto”.
Como é que foi mudar de armas e bagagens para o Porto?
Tinha outros clubes interessados, o dilema era: vou para Portugal ou fico no Mónaco, que me oferecia um contrato de mais 6 anos com valores muito acima daquilo que o FCP me pagava? Só que eu estava há 4 anos no Mónaco e a minha mulher já tinha manifestado vontade de voltar às origens. Na altura, também tinha o interesse do Inter de Milão e do Valência que já me tinham deixado ir embora e queriam que voltasse. Ainda por cima tinha feito o Europeu, tinha sido campeão com o Mónaco. Mas voltar para o Porto não foi difícil.
Muitas diferenças entre FCP e Mónaco?
Sim. A nível de clubes o FCP é muito maior que o Mónaco, nem se compara. O FCP tem um historial que o Mónaco não tem, tem muito mais do que o Mónaco. A Liga pode não ser tão forte, tão famosa e tão conhecida como a Liga francesa, mas o FCP está muitos patamares acima do Mónaco. Fui campeão europeu no FCP. Mas, claro, ao princípio não foi fácil, eu sentia desconfiança por parte das pessoas, dos adeptos e disse: “Não se preocupem que eu vou dar luta. Vocês podem gostar mais do Paredes, não tem problema nenhum”. Lembro-me do Chainho dizer-me: “Então como vai ser esta época?”. “Vou ser titular”. “Titular? Estás maluco, está este e este...”. “E depois, isso é um problema deles, não é meu. Não vim para aqui para ser suplente”. “Fogo tu és ambicioso”. “Não sou ambicioso, amigo. Se eu quisesse estar cómodo ficava lá no Mónaco. Vim para aqui para jogar. Agora se vou jogar ou não, o treinador vai decidir”.
Começou logo a jogar com o Otávio Machado.
Sim. Depois houve um período em que me aleijei, saí e quando o Mourinho voltou, só não joguei o primeiro jogo, depois joguei sempre. Em 2002/2003 ganhamos o Campeonato, a Taça, a Supertaça e a UEFA. E no ano seguinte ganhamos a Taça da Liga, a Liga dos Campeões, o Campeonato e a Supertaça, só perdemos a Taça de Portugal para o Benfica. E o Mourinho chega e faz aquilo que tem a fazer. Prepara a equipa, no final da época escolhe aqueles que quer e acho que fizemos duas épocas brilhantes. Dificilmente se podem repetir.
O embate com o Mourinho correu bem?
Sim, foi muito bom. Acho que fez evoluir todos os jogadores pela forma como treinava, era diferente, a abordagem que ele tinha aos jogos, a forma como preparava a equipa, era algo novo, diferente, fresco.
Diz-se que no Porto os dirigentes não precisam de ir às discotecas porque as próprias pessoas informam o clube de quem lá está? Teve problemas com isso?
Tive. Tínhamos um jogo com o Manchester United, um jogo em que estava castigado e não podia jogar. Jogámos em casa, penso que com o Boavista no fim de semana, e a meio da semana havia jogo. Os jogadores acabam o jogo e vão para o estágio, quem não fosse escalado ia para casa. O Mourinho chegou ao pé de mim e disse: “Não vais jogar agora com o Manchester United, não vais para o estágio, vai para o hotel, vai para casa, vai jantar fora com a tua mulher, vai beber um copo, vai fazer o que quiseres; só tens treino na 2ª feira”. Sábado foi tudo para estágio e eu fui jantar com a minha mulher mais dois casais amigos e depois fomos beber um copo. Aquilo passou-se e na 2ª feira estou no treino e o Mourinho chama-me e mostra-me o telefone. Tinha recebido uma mensagem às 5 da manhã que dizia assim: “Mister, o Costinha saltou a janela do hotel, está aqui na discoteca com uma senhora e há jogo na 4ª feira. Quer que faça alguma coisa?” (risos). Ali era assim. Felizmente ganhei muitas vezes no FCP, mas mal havia um empate, entrava em casa e dizia a minha mulher: “Esta semana só comemos em casa. Não vou a lado nenhum”. Se perdíamos, então muito menos. Eram exigentes, muito exigentes, é a forma de eles serem.
Foi chamado a atenção uma vez numa discoteca, não foi?
Isso ainda foi com o mister Octávio. Estava castigado, tinha uma série de amarelos, o mister deu-me dois dias de folga e eu vou entrar com um colega meu, que na altura jogava no Salgueiros, também não estava convocado e vamos beber um copo à noite. Já não estava há muito tempo com esse meu amigo que foi meu colega no Nacional da Madeira, o Carlos Ferreira, e quando chego à porta da discoteca, o porteiro mete-me a mão no peito, olhou para o relógio: “Não são horas para estar a beber copos. Amanhã tem treino”. Olhei para ele: “Desculpe, não estou a perceber. Quem é que diz que não posso beber copos?! Ponto número um, quem é que lhe disse que vou beber copos, segundo quem é você para não deixar, ou não quer que eu entre?”. Vem um gerente: “O que é que se passa?”. “Este senhor está aqui a dizer que eu não posso entrar”. E diz o gerente, que sabia mais do que o porteiro, “Então tu não vês que ele está castigado! Se calhar até está dispensado”. E ele “Está bem, mas olhe às duas da manhã, vou chamá-lo” (risos). E não é que foi mesmo? Tocou-me nas costas. “Por amor de Deus, deixa-me em paz” (risos). Mas fiquei ali mais uma hora e depois “Vamos embora Carlos, que eu não quero problemas” e fui-me embora. Tirando isso, não tive mais situações problemáticas até porque depois os adeptos têm uma coisa boa, é que eles reconhecem quem se entrega de corpo e alma ao clube, à camisola, ao jogo e valorizam isso. Nesse aspecto, sinto-me privilegiado porque me sinto valorizado pelos adeptos do Porto.
Chegou a ser praxado?
Fui, pelo Paulinho Santos. O sacana do Paulinho Santos e o Deco. Levei com o balde (risos) e ainda levei uma dura do mister Octávio por ter chegado atrasado, estava todo molhado, tive que mudar de roupa. Tive que me conter.
Teve um pequeno problema com Mourinho, não foi?
Não chegou a ser problema. Estávamos numa fase da época adiantada, iamos jogar com o Real Madrid para a Liga dos Campeões, já estávamos apurados para a próxima fase e no campeonato estávamos muito bem também, Íamos jogar ao Marítimo, eu resolvi fazer uma festa de anos e convidei o plantel todo para ir jantar. No final do jantar disse_ “Já fiz a minha parte. Agora quem quiser ir para algum lado, tem que assumir a responsabilidade”. Tinha alguns amigos meus de infância que vieram de Lisboa para passar os anos comigo e saí com eles. Fomos jogar ao Marítimo, empatámos, vi logo pelas substituições que o mister fez que algo não estava bem. No fim do jogo, quando ia falar com ele, ele estava meio frio. O que é que ele fez, aproveitou aquele momento, é a minha leitura, e deu-me uma descasca dentro do balneário à frente de todos, porque sabia que podia “descascar-me” as vezes que quisesse, que eu ia treinar e jogar bem, ia dar sempre o melhor de mim. Não ia ser aquele jogador que, por ouvir uma descasca, ia pôr-me a chorar, ou dentro da casota de um cão com medo que me batessem. Isso teve consequências para o grupo, foi uma chamada de atenção: “Meus amigos, isto é para levar a sério. Atenção às saídas. Há o campeonato para ganhar, temos a Champions League”. Mas as coisas depois compuseram-se. Ele estava sempre a provocar-me. Tenho outra história dele.
Conte.
Fomos jogar ao Real Madrid e diz-me: “Vais jogar, vais levar amarelo, mas não me interessa que leves amarelo porque em janeiro vamos vender-te”. Acaba o jogo em Madrid, está à minha espera à porta do balneário, dá-me um abraço e diz: “Grande campeão”. Fogo há aqui qualquer coisa… Depois comecei a juntar os cacos e comecei a perceber. Para culminar isso tudo, num sorteio para a Liga dos Campeões, já contei esta história vezes sem conta, ele vem falar comigo e diz “Saiu-nos o Manchester United, porreiro, o primeiro jogo tu não vais poder jogar, mas jogamos em casa, ganhamos pela diferença mínima 1-0, 2-1, depois lá, no jogo em Manchester, já vais estar em campo, vais ser o melhor e vamos passar a eliminatória”. E é com um golo meu que ganhamos a eliminatória.
Saiu do FCP porquê?
Porque acabei o contrato e porque o FCP num ciclo de muitas vitórias faz sempre uma renovação.
Foi nessa altura que teve as melhores propostas?
Tive propostas do Real de Madrid, do Manchester United, do Inter de Milão e nunca pude ir para lado nenhum. O FCP aceitou a proposta do Dínamo de Moscovo, porque nunca foi um clube que gostasse de reforçar os seus rivais e escolhia sempre os clubes para os jogadores. Tinha um contrato com o FCP e não sou aquele tipo de jogador que vai andar a espalhar que quer ir para outro lado. Se eu assinei um contrato, tenho que o respeitar.
(...)
Que pormenores?
No FCP quando chegava tinha tudo preparado. Ali eles despejavam a roupa para o chão e depois vinha um, tirava umas calças, outro umas cuecas, outro umas meias. Depois, quando perdíamos era sempre culpa dos estrangeiros, os jogadores da casa nunca tinham culpa. Estas pequeninas coisas foram começando…. Tinha um contrato de 5 anos, ganhava muito bem, se fosse interesseiro colava-me ali. Mas há coisas com as quais não consigo pactuar e separar os jogadores foi a gota de água.
0 comentários:
Enviar um comentário