Na sua Política, escrevia Aristóteles no século IV a. C. :
“…Em
tempos idos…, cada indivíduo considerava justo que os cargos fossem
desempenhados em alternância. Actualmente, devido aos benefícios derivados dos
cargos públicos e do exercício do poder, os homens desejam a ocupação
permanente desses cargos. É como se os ocupantes desses cargos se tornassem
homens doentes e apenas recuperassem a saúde quando estão em funções…”
Isto era na Grécia, mas por cá a situação é muito mais grave. É
que os nossos políticos não ficam doentes quando terminam funções, já vão
enfermos logo ao iniciá-las.
Nem a propósito, a Ministra da Saúde é exemplo de que entrou já
severamente combalida quando, respondendo à Ordem dos Médicos sobre a morte de
mais de 2.600 doentes enquanto aguardavam cirurgia, afirmou que 70% morreram
dentro do prazo garantido…(para a cirurgia, supõe-se…).
Portanto, dentro do prazo, tudo bem, a culpa foi deles, que se
apressaram a morrer…
E os que escolheram expirar fora do prazo de garantia foram
apenas 30%, coisa negligenciável… deviam esperar um pouco mais…
Por falar em prazos, também a Secretária de Estado da Justiça
parece exercer funções em situação de pronunciada debilidade. Face à
insuportável demora no atendimento para tratar do Cartão de Cidadão, resolveu
culpar os utentes por irem para a porta dos serviços antes do prazo, neste
caso, de abertura, quando estes ainda estão encerrados. Serviços bem
organizados não podem compactuar com o calendário dos cidadãos, era o que
faltava. Assunto resolvido.
Igualmente se confirmou a plena luz a enfermidade que vinha
minando o Ministro da Administração Interna e que lhe abalou toda a resistência
para responder à anunciada combustão das suas estimadas golas de auto-protecção
(o eufemismo do ano…), aliás um material tão pouco auto-protector e tão
inflamável que até lhe estoirou nas mãos. Em natural estado de choque, logo
responsabilizou os cobras que propalavam tais irresponsáveis notícias
e esmurrou mesmo o microfone que lhe apresentavam, classificando-o, ele, sim, e
não as golas, como objecto combustível.
Ainda bem que um conveniente ensaio científico em tarde
domingueira o fez ressurgir do abalo e anunciar a natureza não inflamável, mas
meramente perfurável, do material. E, com tal reconversão, aí estamos novamente
auto-protegidos contra incêndios não fumegantes nem perfurativos, obviamente de
calor ameno. Sem protecção, perfurados e bem esturrados, é que lá deixou
125.000 euros de merchandising.
Grave perturbação também atingiu o Ministro dos Negócios
Estrangeiros quando disse que “não é clara e que seria um absurdo a interpretação literal” de uma norma, raras vezes tão
luminosa, que impede contratos com o Estado de empresas cujo capital seja
detido em mais de 10% por titulares de órgão de
soberania, fixando como sanção a nulidade dos contratos e a demissão daqueles
titulares.
E com não menor
torvação estará o próprio 1º Ministro que em 1996 defendeu essa lei e agora
pede à Procuradoria-Geral da República a suprema graça de o iluminar sobre o
que antes apoiara.
Sintomas de
moléstia aguda mostra também quem anuncia mobilizar reservas estratégicas de
combustível para acudir à greve dos motoristas, quando o problema é, sim, a
mobilização do combustível até postos de abastecimento…
A grande
maioria dos actuais políticos e governantes serão candidatos às próximas eleições.
Devido
aos benefícios derivados dos cargos públicos, os homens desejam a ocupação
permanente desses cargos…tornam-se doentes e apenas recuperam a saúde quando
estão em funções…”.
Aristóteles
tinha razão. Bem para eles que, sem isso, se tornariam doentes crónicos.
Mas mal, muito
mal, para uma democracia de qualidade.
(* artigo de Pinho Cardão no i,
edição de 14 de Agosto de 2019)
0 comentários:
Enviar um comentário