Filhos de uma região menor
Em Portugal, para o Estado centralista existem filhos e enteados. Aliás, tendo em conta a dimensão e gravidade da situação, diria até que o que aqui há são filhos e... filhos de um Deus menor. No caso vertente, há filhos diletos do centralismo e filhos de uma região menor, que para os termos desta crónica, é a Região Norte, mas podia ser a do Centro ou qualquer outra, que não a da capital.
Com as férias grandes e a tradicional modorra à porta, o Governo resolveu lançar uma bomba. Uma autêntica bomba atómica. Julgo que o próprio presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, terá ficado "banzado" com a oferta governamental, ainda por cima servida de bandeja por um governo de cor bem diferente da sua.
Desconfiou António Costa desta esmola do poder central? Claro que não, porque como o povo sabe muito bem só as câmaras pobres é que desconfiam das esmolas dos governos.
Falo, claro está, da polémica desencadeada com a decisão do Governo de Passos Coelho de pagar uma fortuna à Câmara de Lisboa em nome dos terrenos em que assenta o aeroporto da Portela. Não sendo fácil agora apurar com que dinheiros comprou Duarte Pacheco os terrenos onde estão as diversas infraestruturas do aeroporto da capital, "in dubio pro lisboeta" foi o princípio que se impôs.
Não sinto nenhuma inveja da CML, que assim zela pelos seus interesses e fez o seu papel. Não me compete questionar a justeza das opções jurídicas de quem avaliou o caso e decidiu ou aconselhou a decisão conhecida. O que sinto como dever de um não-lisboeta com acesso a esta tribuna pública é interpelar o Governo pela decisão política tomada e reclamar que perante situações iguais ou semelhantes o Governo tenha procedimentos em conformidade.
Andou bem o presidente da Câmara do Porto, a quem só é preciso pedir que não se deixe ficar por aqui, nem deixe cair o assunto. A acreditar que Rui Rio tem uma boa imagem na capital e um crédito muito elevado nas instâncias políticas do poder central, aqui está uma excelente altura para vermos o que isso vale.
Esta benesse que permite à Câmara de Lisboa reduzir significativamente o seu passivo, torna-se ainda mais grave e injusta por acontecer neste momento da nossa história. Quando a palavra de ordem é cortar em tudo o que mexa, seja hospital, urgência, escola, ou outra qualquer fonte de despesa pública que tenha sede ou utilidade longe da metrópole lisboeta, parece incrível como o Governo se lembrou agora de entregar quase 300 milhões de euros para saldar umas contas passadas e muito nebulosas com a Câmara da capital.
Também aqui podemos dizer que os rios de dinheiro correm para os mares de Lisboa, mesmo quando as marés não correm de feição.
Não é de hoje que todos constatamos que Lisboa ganha muito por ser a capital. Há investimentos que o Estado assume, que teriam de ser as autarquias a assumir se não estivéssemos a falar da capital política e administrativa do país. Deve até dizer-se que em alguns casos isso se justifica, mas sinto que devo dizer isto em surdina, com todo o cuidado do mundo, porque com estes centralistas, quando lhes damos uma mão, querem logo os dois braços.
O caso reveste-se ainda de maior gravidade porque o leitmotiv desta brincadeira é ajudar a privatizar a ANA, num modelo em que as patifarias contra o Norte e o seu aeroporto se irão certamente acentuar de um modo irreversível.
Num cenário em que exista uma nova "ANA", entregue a um privado, com poderes de gestão de todos os aeroportos e sem se limitar por qualquer outro critério que não seja o seu lucro e o seu bel-prazer, o nosso Francisco Sá Carneiro, em vez de continuar a bater recordes sucessivos no número de passageiros que dele se servem, passará a servir apenas para albergar o lixo aéreo que os senhores de Lisboa desprezarem.
Com Rui Rio aproveito a boleia para perguntar por que é que os grandes cortes são quase todos fora da capital, se os grandes gastos são quase todos por lá ou nas suas imediações?
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