Qual o maior perigo: Trump ou os inimigos de Trump?
Trump é considerado (pela esquerda) um perigo para a democracia. Mas os anti-trumpistas não parecem menos perigosos. Entre a mentira e o assédio, os anti-trumpistas vão fazendo o que dizem que Trump fez ou vai fazer.
Vivemos numa época de sanções preventivas: Obama teve um Prémio Nobel da Paz com uns meses de presidência, sem tempo para fazer fosse o que fosse; da mesma maneira, Donald Trump já está sentado no Tribunal de Nuremberga antes mesmo de tomar posse. O que é que tanta gente tem contra Trump?
Se bem se lembram, uma das coisas em desfavor de Trump durante a campanha foi a possibilidade de ele nunca aceitar a vitória de Hillary Clinton. Que mais clara prova podia haver de “fascismo” do que a tentativa de subverter uma eleição? Mas o mundo era assim quando a presidência parecia ganha para Clinton. Porque logo que Trump, contra toda a sabedoria científica e mediática, teve o desplante de vencer, o mundo mudou imediatamente, e passou a ser sinal de probidade democrática resistir à escolha do eleitorado e pôr em causa a autenticidade do processo.
Não bastou aos anti-trumpistas considerar Trump um mau candidato, ou lamentar a sua eleição. Precisaram de o deslegitimar. Numa primeira fase, foi acusado de ser o presidente votado pelos pobres e pelos ignorantes. Não se percebia onde os anti-trumpistas queriam chegar: voltar aos regimes censitários do século XIX? Numa segunda fase, descobriram outra história: Trump não teria sido afinal eleito pelos americanos, mas nomeado por decreto de Vladimir Putin. Mais uma vez, não se percebe o objectivo: sugerir que, afinal, a democracia americana é um teatro de marionetas manipuladas à vontade pelo Kremlin? Quem é que, afinal, quer voltar os cidadãos contra o sistema democrático?
Tem sido costume rasgar as vestes por causa da ameaça de Trump à democracia. Mas os anti-trumpistas não parecem menos perigosos. Não é apenas a sua indisponibilidade para reconhecer eleições. É também o à-vontade com que, há umas semanas, citavam os relatórios “impossíveis de verificar” do BuzzFeed, porque, imagine-se, Trump também usara “notícias falsas”. A estratégia anti-trumpista é esta: acusar Trump de certos métodos maldosos, para depois recorrer aos mesmos métodos, com a desculpa criada pela acusação inicial. Viu-se ainda isso na orquestra de insultos e ameaças a que foram sujeitos os artistas alinhados para as festas da tomada de posse. A jovem cantora que aceitou cantar o hino tem uma irmã transgénero, que foi logo coberta de injúrias homofóbicas pelos anti-trumpistas. Ou seja, entre a intolerância, a mentira e o assédio, os anti-trumpistas vão praticando o que clamam que Trump fez ou fará mais tarde. Se estes são os defensores da democracia, então a democracia não precisa de inimigos.
No meio deste circo, vão passando, sem muito debate, as más ideias de Trump: as suas dúvidas sobre o comércio livre, que deixaram o líder do Partido Comunista Chinês como último advogado da globalização, ou as suas incertezas sobre as alianças dos EUA, que ainda podem tornar Putin mais ousado. Mas percebe-se porque não há grande discussão. É que essas são também as ideias dos anti-trumpistas, onde estão os grandes inimigos da liberdade económica e do “imperialismo americano”. Mais ainda: são ideias que correspondem, na sua essência, a inclinações de Obama, que entregou metade da Ucrânia e a Síria a Putin, ou a cedências de Clinton, que acabou a sua campanha a prometer afundar os grandes tratados de comércio. Se os EUA se distanciarem do mundo, pondo em causa os fundamentos internacionais da prosperidade e da liberdade, o primeiro capítulo da história desse distanciamento não será a presidência de Donald Trump.
É de bom tom preocuparmo-nos com Trump. Mas em que sentido é o novo presidente americano verdadeiramente preocupante? No sentido em que as más tendências e as péssimas ideias que agora toda a gente finge que são exclusivo de Trump não começaram com ele e não acabam nele.
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