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Costa não está a ser
vítima do seu sucesso: está a ser vítima da hipocrisia do seu discurso. O facto
de o Governo não repor as carreiras é a demonstração de que os cortes na
despesa foram necessários.
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“Temos de negociar com bom senso, com responsabilidade,
procurando responder às ansiedades das pessoas, mas com um princípio
fundamental: Portugal não pode sacrificar tudo o que conseguiu do ponto de
vista da estabilidade financeira, porque isso, no futuro, colocaria em causa o
que foi até agora conquistado” — António Costa.
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O primeiro-ministro
tem total razão no que disse na citação acima. É até possível que se esteja a
sentir injustiçado e se considere vítima do seu sucesso; afinal, não fosse a
economia estar a recuperar de forma razoável, e não haveria margem para tantas
reivindicações. Mas estaria enganado. Não é o seu sucesso que o está a tramar.
É mesmo a sua propaganda.
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Vale a pena recuar
uns anos. Poucos. Até à campanha eleitoral para as últimas eleições
legislativas. Na campanha, houve dois programas responsáveis que mostravam
consciência das dificuldades financeiras por que Portugal passava. Estou,
obviamente, a falar dos programas do PS e da PàF. Havia outros dois, CDU e BE,
que mostravam não ter sequer consciência de que Portugal esteve à beira do
abismo. Por momentos, esqueçamos estes últimos.
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Quando se comparavam
os programas do PS e da PàF, era claro que um programa andava mais à esquerda
do que o outro, mas ambos iam no mesmo sentido, o da responsabilidade
financeira em tudo o que tivesse que ver com Finanças Públicas. Relativamente
ao fim da austeridade, ou devolução dos rendimentos, se preferirem, o PS
prometia andar mais depressa, mas alertava sempre que, se as condições o
exigissem, andaria mais devagar. Já a PàF prometia cautela, mas garantia que se
as condições fossem favoráveis, cancelaria os cortes mais rapidamente.
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Com a coligação à
esquerda, o PS não se limitou a fazer uma série de cedências programáticas,
como reverter algumas privatizações que estavam a ser feitas ou enfiar o
programa de Mário Centeno para o mercado de trabalho na gaveta. Umas das
principais mudanças foi mesmo o discurso associado à governação.
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Numa primeira fase,
o discurso passa por declarar o fim da austeridade, quando, na verdade, se
substituem uns impostos por outros. Mas, numa segunda fase, quando o
crescimento económico excedeu as expectativas da grande maioria dos analistas,
declarou-se que foi a mudança de política económica, ou seja, o fim da
austeridade, que permitiu tais resultados económicos surpreendentemente bons.
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Há aqui dois erros.
Em primeiro lugar, a
performance económica é ainda medíocre e não está demonstrado, nem de longe nem
de perto, que os principais bloqueios da economia portuguesa estejam
ultrapassados. Em segundo lugar, como é absolutamente evidente para quem
tem um resquício de honestidade intelectual, pouco do crescimento
macroeconómico tem que ver com as escolhas de fundo deste governo. O principal
mérito deste governo é, tão-somente, mostrar que a “devolução dos rendimentos” podia
ser feita a um ritmo superior ao proposto pela PàF (se bem que não tão depressa
como estão a fazer, basta lembrar que já nem dinheiro há para a comida nas
prisões).
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E é neste ponto em
que estamos com as reivindicações dos professores, a que se seguirão muitas
outras. O facto de o Governo não repor as carreiras é a demonstração cabal de
que os cortes na despesa foram necessários — e vale a pena lembrar que medidas
de austeridade mais ou menos draconianas têm vindo a ser tomadas desde 2002. O
problema é que é um pouco tarde para ter este discurso.
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Até aqui disse-se
que a recuperação económica foi conseguida graças ao fim da política de austeridade, em
vez de se ter o discurso pedagogicamente mais correcto de que seria a
recuperação económica a permitir o acelerar do fim da austeridade. Agora é
tarde. Ou reconhecem que andaram com uma história da carochinha, ou então devem
repor as carreiras dos professores, dos médicos, dos juízes, dos militares e de
tudo e mais alguma coisa. Afinal, como a reposição dos rendimentos ajuda o país
a crescer e a reduzir o défice, quanto mais depressa melhor.
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Respondendo à
pergunta do título, António Costa não está a ser vítima do seu sucesso: está a
ser vítima da hipocrisia do seu discurso.
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Post Scriptum: Pimenta no cu dos outros é refresco. Como
professor universitário, devo referir que, tanto quanto percebo, o
descongelamento faseado que está a ser preparado para a generalidade dos
funcionários públicos também se aplica à minha carreira. [ Luis Aguiar Conraria, no Observador ]
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