O excepcionalmente longo artigo que hoje divulgo foi publicado em Setembro de 2004 pela agência noticiosa Inter Press Service (IPS) e é assinado por Mario de Queiroz. Desde 2005 até este momento, ele tem sido divulgado em variadíssimos blogues portugueses, mas sempre na sua versão original (em castelhano). Dei-me ao trabalho de o traduzir para os que têm dificuldade ou preguiça de ler em espanhol. Abro, assim, uma excepção, apresentando um texto muito longo, mas que não fui capaz de cortar, uma vez que é, simplesmente, o melhor texto que alguma vez já li sobre o Portugal de hoje e sobre os portugueses a quem convém este sistema. Na altura da sua publicação estava no governo o PSD. No entanto, o texto não perde actualidade, uma vez que PSD e PS se têm sucedido na desgovernação do país ao longo de 30 anos, continuando o mau trabalho um do outro, pelo que as acusações assentam que nem uma luva a ambos. Não ficam de fora muitos portugueses, que certamente nesses partidos têm votado, pois isso lhes convém. Amanhã não publico nada. Este texto ficará aqui dois dias. Insisto que vale a pena lê-lo na íntegra, até porque só o traduzi, não é meu, é um texto jornalístico. E muito bom, na minha opinião. Ei-lo (com negritos meus):
Indicadores económicos e sociais periodicamente divulgados pela União Europeia (UE) colocam Portugal em níveis de pobreza e injustiça social inadmissíveis para um país que integra desde 1986 o “clube dos ricos” do continente. Mas o golpe de misericórdia foi dado pela avaliação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE): nos próximos anos Portugal distanciar-se-á ainda mais dos países avançados.
A produtividade mais baixa da UE, a escassa inovação e vitalidade do sector empresarial, educação e formação profissional deficientes, mau uso de fundos públicos, com gastos excessivos e resultados magros são os dados assinalados pelo relatório anual sobre Portugal da OCDE, que reúne 30 países industrializados. Ao contrário de Espanha, Grécia e Irlanda (que fizeram também parte do “grupo dos pobres” da UE), Portugal não soube aproveitar para o seu desenvolvimento os inúmeros fundos comunitários que fluíram sem cessar desde Bruxelas durante quase duas décadas, coincidindo nesta opinião tanto analistas políticos como económicos.
Em 1986, Madrid e Lisboa ingressaram na então Comunidade Económica Europeia com índices similares de desenvolvimento relativo e há apenas uma década Portugal ocupava um lugar superior ao da Grécia e da Irlanda no ranking da UE. Mas, em 2001, foi comodamente superado por esses dois países, enquanto Espanha já se posiciona a pouca distância da média do bloco. “A convergência da economia portuguesa com as mais avançadas da OCDE parece ter-se detido nos últimos anos, deixando uma brecha significativa nos rendimentos por pessoa”, afirma a organização. No sector privado, “os bens de capital nem sempre se utilizam ou posicionam com eficácia e as novas tecnologias não são rapidamente adoptadas”, afirma a OCDE. “A força laboral portuguesa conta com menos educação formal do que os trabalhadores de outros países da UE, inclusive os dos novos membros da Europa central e oriental”, assinala o documento.
Todas as análises coincidem em que o problema central não está nos montantes, mas nos métodos para os distribuir. Portugal gasta mais do que a grande maioria dos países da UE na remuneração de empregados públicos em relação ao seu produto interno bruto, mas não consegue melhorar significativamente a qualidade e eficiência dos serviços. Com mais professores por quantidade de alunos que a maior parte dos membros da OCDE, tampouco consegue dar uma educação e formação profissional competitivas com o resto dos países industrializados.
Nos últimos 18 anos, Portugal foi o país que recebeu mais benefícios por habitante em assistência comunitária. No entanto, depois de nove anos em que se aproximou dos níveis da UE, em 1995 começou a cair e as perspectivas hoje indicam uma maior distância. Aonde foram parar os fundos comunitários? É esta a pergunta insistente em debates televisivos e em colunas de opinião dos principais jornais do país. A resposta mais frequente é que o dinheiro engordou a carteira de quem já tinha mais. Os números indicam que Portugal é o país da UE com maior desigualdade social e com os salários mínimos e médios mais baixos da união, pelo menos até 1 de Maio, altura em que esta foi ampliada de 15 para 25 países.
Também é o país da união em que os administradores de empresas públicas têm os salários mais altos. O argumento mais frequente dos executivos indica que “o mercado decide os salários”. Consultado pelo IPS, o ex-Ministro das Obras Públicas (1995-2002) e actual deputado socialista João Cravinho desmentiu esta teoria. “São os próprios administradores que fixam os seus salários, atirando as culpas ao mercado”, disse. Nas empresas privadas com participação estatal ou nas estatais com accionistas minoritários privados, “os executivos fixam os seus salários astronómicos (alguns chegam aos 90 000 dólares mensais, incluindo bónus e regalias) com a cumplicidade dos accionistas de referência”, explicou Cravinho. Estes mesmos grandes accionistas “são ao mesmo tempo altos executivos e todo este sistema, no fundo, funciona em prejuízo do pequeno accionista, que vê como uma grossa fatia dos lucros vai parar às contas bancárias dos directivos”, lamentou o ex-ministro. A crise económica que estancou o crescimento português nos últimos dois anos “está a ser paga pelas classes menos favorecidas”, disse.
Esta situação de desigualdade aflora a cada dia com os exemplos mais variados. O último é o da crise do sector automóvel. Os comerciantes queixam-se de uma queda de quase vinte por cento nas vendas de automóveis de baixa cilindrada, com preços entre os 15 000 e os 20 000 dólares. Mas os representantes de marcas de luxo como a Ferrari, Porsche, Lamborghini, Maserati e Lotus (veículos que custam mais de 200 000 dólares), lamentam não poder dar vazão a todas as encomendas, encomendas essas que aumentaram em 36%. Estudos sobre a tradicional indústria têxtil lusa, que foi uma das mais modernas e de maior qualidade no mundo, demonstram o seu estancamento, pois os seus empresários não realizaram os necessários ajustes para a actualizar. Mas a zona norte, onde se concentra o sector têxtil, tem mais carros Ferrari por metro quadrado do que a Itália.
Um executivo espanhol da informática, Javier Felipe, disse à IPS que, segundo a sua experiência com empresários portugueses, estes “estão mais interessados na imagem que projectam do que no resultado do seu trabalho”. Para muitos “é muito mais importante o automóvel que guiam, o tipo de cartão de crédito que podem exibir ao pagar uma conta ou o modelo de telemóvel do que a eficiência da sua gestão”, disse Felipe, salvaguardando, no entanto, haver excepções. “Tudo isto vai modelando uma mentalidade que, afinal de contas, afecta o desenvolvimento de um país”, opinou.
A evasão fiscal impune é outro aspecto que tem castrado inversões do sector público que teriam potenciais efeitos positivos na superação da crise económica e no desemprego, que este ano chegou a 7,3 por cento da população economicamente activa. Os únicos contribuintes que cumprem cabalmente os descontos sobre o salário que auferem são os trabalhadores contratados, que descontam na fonte laboral. Nos últimos dois anos, o governo decidiu carregar a mão fiscal sobre essas cabeças, mantendo situações “obscenas” e “escandalosas”, segundo o economista e comentarista de televisão António Pérez Metello. “Em vez de anunciar progressos na recuperação dos impostos daqueles que continuam a rir-se na cara do fisco, o governo (conservador) decide sacar uma fatia ainda maior daqueles que já pagam o que é devido, e deixa incólume a nebulosa dos fugitivos fiscais, sem coerência ideológica, sem visão de futuro”, criticou Metello.
A prova está explicada numa coluna de opinião de José Vítor Malheiros, publicada esta terça-feira no diário Público, de Lisboa, que fustiga a falta de honestidade na declaração de impostos dos chamados profissionais liberais. Segundo esses documentos entregues ao fisco, médicos e dentistas declararam uma média de rendimentos anuais de 17 680 euros (21 750 dólares), os advogados de 10 864 (13 365 dólares), os arquitectos de 9 277 (11 410 dólares) e os engenheiros de 8 382 (10 310 dólares). Estes números indicam que por cada seis euros que pagam ao fisco, “roubam nove à comunidade”, pois estes profissionais não dependentes deveriam contribuir com quinze por cento do total do imposto sobre o rendimento por trabalho singular e só tributam seis por cento, disse Malheiros. Com a devolução de impostos ao fechar um ciclo fiscal, estes “roubam mais do que o que pagam, como se um talhante nos vendesse 400 gramas de bife e nos fizesse pagar um quilo, e existem 180 000 destes profissionais liberais que, em média, nos roubam 600 gramas por quilo”, comentou com sarcasmo.
Se um país “permite que um profissional liberal com duas casas e dois automóveis de luxo declare rendimentos de 600 euros (738 dólares) por mês, ano após ano, sem ser minimamente questionado pelo fisco, e ainda por cima recebe um subsídio do Estado para ajudar a pagar o colégio privado dos seus filhos, significa que o sistema não tem nenhuma moralidade”, sentenciou.
Indicadores económicos e sociais periodicamente divulgados pela União Europeia (UE) colocam Portugal em níveis de pobreza e injustiça social inadmissíveis para um país que integra desde 1986 o “clube dos ricos” do continente. Mas o golpe de misericórdia foi dado pela avaliação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE): nos próximos anos Portugal distanciar-se-á ainda mais dos países avançados.
A produtividade mais baixa da UE, a escassa inovação e vitalidade do sector empresarial, educação e formação profissional deficientes, mau uso de fundos públicos, com gastos excessivos e resultados magros são os dados assinalados pelo relatório anual sobre Portugal da OCDE, que reúne 30 países industrializados. Ao contrário de Espanha, Grécia e Irlanda (que fizeram também parte do “grupo dos pobres” da UE), Portugal não soube aproveitar para o seu desenvolvimento os inúmeros fundos comunitários que fluíram sem cessar desde Bruxelas durante quase duas décadas, coincidindo nesta opinião tanto analistas políticos como económicos.
Em 1986, Madrid e Lisboa ingressaram na então Comunidade Económica Europeia com índices similares de desenvolvimento relativo e há apenas uma década Portugal ocupava um lugar superior ao da Grécia e da Irlanda no ranking da UE. Mas, em 2001, foi comodamente superado por esses dois países, enquanto Espanha já se posiciona a pouca distância da média do bloco. “A convergência da economia portuguesa com as mais avançadas da OCDE parece ter-se detido nos últimos anos, deixando uma brecha significativa nos rendimentos por pessoa”, afirma a organização. No sector privado, “os bens de capital nem sempre se utilizam ou posicionam com eficácia e as novas tecnologias não são rapidamente adoptadas”, afirma a OCDE. “A força laboral portuguesa conta com menos educação formal do que os trabalhadores de outros países da UE, inclusive os dos novos membros da Europa central e oriental”, assinala o documento.
Todas as análises coincidem em que o problema central não está nos montantes, mas nos métodos para os distribuir. Portugal gasta mais do que a grande maioria dos países da UE na remuneração de empregados públicos em relação ao seu produto interno bruto, mas não consegue melhorar significativamente a qualidade e eficiência dos serviços. Com mais professores por quantidade de alunos que a maior parte dos membros da OCDE, tampouco consegue dar uma educação e formação profissional competitivas com o resto dos países industrializados.
Nos últimos 18 anos, Portugal foi o país que recebeu mais benefícios por habitante em assistência comunitária. No entanto, depois de nove anos em que se aproximou dos níveis da UE, em 1995 começou a cair e as perspectivas hoje indicam uma maior distância. Aonde foram parar os fundos comunitários? É esta a pergunta insistente em debates televisivos e em colunas de opinião dos principais jornais do país. A resposta mais frequente é que o dinheiro engordou a carteira de quem já tinha mais. Os números indicam que Portugal é o país da UE com maior desigualdade social e com os salários mínimos e médios mais baixos da união, pelo menos até 1 de Maio, altura em que esta foi ampliada de 15 para 25 países.
Também é o país da união em que os administradores de empresas públicas têm os salários mais altos. O argumento mais frequente dos executivos indica que “o mercado decide os salários”. Consultado pelo IPS, o ex-Ministro das Obras Públicas (1995-2002) e actual deputado socialista João Cravinho desmentiu esta teoria. “São os próprios administradores que fixam os seus salários, atirando as culpas ao mercado”, disse. Nas empresas privadas com participação estatal ou nas estatais com accionistas minoritários privados, “os executivos fixam os seus salários astronómicos (alguns chegam aos 90 000 dólares mensais, incluindo bónus e regalias) com a cumplicidade dos accionistas de referência”, explicou Cravinho. Estes mesmos grandes accionistas “são ao mesmo tempo altos executivos e todo este sistema, no fundo, funciona em prejuízo do pequeno accionista, que vê como uma grossa fatia dos lucros vai parar às contas bancárias dos directivos”, lamentou o ex-ministro. A crise económica que estancou o crescimento português nos últimos dois anos “está a ser paga pelas classes menos favorecidas”, disse.
Esta situação de desigualdade aflora a cada dia com os exemplos mais variados. O último é o da crise do sector automóvel. Os comerciantes queixam-se de uma queda de quase vinte por cento nas vendas de automóveis de baixa cilindrada, com preços entre os 15 000 e os 20 000 dólares. Mas os representantes de marcas de luxo como a Ferrari, Porsche, Lamborghini, Maserati e Lotus (veículos que custam mais de 200 000 dólares), lamentam não poder dar vazão a todas as encomendas, encomendas essas que aumentaram em 36%. Estudos sobre a tradicional indústria têxtil lusa, que foi uma das mais modernas e de maior qualidade no mundo, demonstram o seu estancamento, pois os seus empresários não realizaram os necessários ajustes para a actualizar. Mas a zona norte, onde se concentra o sector têxtil, tem mais carros Ferrari por metro quadrado do que a Itália.
Um executivo espanhol da informática, Javier Felipe, disse à IPS que, segundo a sua experiência com empresários portugueses, estes “estão mais interessados na imagem que projectam do que no resultado do seu trabalho”. Para muitos “é muito mais importante o automóvel que guiam, o tipo de cartão de crédito que podem exibir ao pagar uma conta ou o modelo de telemóvel do que a eficiência da sua gestão”, disse Felipe, salvaguardando, no entanto, haver excepções. “Tudo isto vai modelando uma mentalidade que, afinal de contas, afecta o desenvolvimento de um país”, opinou.
A evasão fiscal impune é outro aspecto que tem castrado inversões do sector público que teriam potenciais efeitos positivos na superação da crise económica e no desemprego, que este ano chegou a 7,3 por cento da população economicamente activa. Os únicos contribuintes que cumprem cabalmente os descontos sobre o salário que auferem são os trabalhadores contratados, que descontam na fonte laboral. Nos últimos dois anos, o governo decidiu carregar a mão fiscal sobre essas cabeças, mantendo situações “obscenas” e “escandalosas”, segundo o economista e comentarista de televisão António Pérez Metello. “Em vez de anunciar progressos na recuperação dos impostos daqueles que continuam a rir-se na cara do fisco, o governo (conservador) decide sacar uma fatia ainda maior daqueles que já pagam o que é devido, e deixa incólume a nebulosa dos fugitivos fiscais, sem coerência ideológica, sem visão de futuro”, criticou Metello.
A prova está explicada numa coluna de opinião de José Vítor Malheiros, publicada esta terça-feira no diário Público, de Lisboa, que fustiga a falta de honestidade na declaração de impostos dos chamados profissionais liberais. Segundo esses documentos entregues ao fisco, médicos e dentistas declararam uma média de rendimentos anuais de 17 680 euros (21 750 dólares), os advogados de 10 864 (13 365 dólares), os arquitectos de 9 277 (11 410 dólares) e os engenheiros de 8 382 (10 310 dólares). Estes números indicam que por cada seis euros que pagam ao fisco, “roubam nove à comunidade”, pois estes profissionais não dependentes deveriam contribuir com quinze por cento do total do imposto sobre o rendimento por trabalho singular e só tributam seis por cento, disse Malheiros. Com a devolução de impostos ao fechar um ciclo fiscal, estes “roubam mais do que o que pagam, como se um talhante nos vendesse 400 gramas de bife e nos fizesse pagar um quilo, e existem 180 000 destes profissionais liberais que, em média, nos roubam 600 gramas por quilo”, comentou com sarcasmo.
Se um país “permite que um profissional liberal com duas casas e dois automóveis de luxo declare rendimentos de 600 euros (738 dólares) por mês, ano após ano, sem ser minimamente questionado pelo fisco, e ainda por cima recebe um subsídio do Estado para ajudar a pagar o colégio privado dos seus filhos, significa que o sistema não tem nenhuma moralidade”, sentenciou.
(*) copy+paste do Bananas da República
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