No dia 14 de Agosto de 1385, o recém-eleito D. João I, não só garantiu a continuidade de Portugal, como também possibilitou a preparação daquela que seria a época mais brilhante da história nacional - a época dos Descobrimentos.
"Aclamado Rei a 6 de Abril de 1385, pela vontade de um povo, fruto de argumentação irrefutável de João das Regras e da protecção da espada santa de Nuno Álvares Pereira, D. João I de Portugal tem em mãos a penosa tarefa de reagrupar um Reino dividido por uma guerra civil e invadido por um exército estrangeiro.
Alçado pelo novo Rei a Condestável do Reino, Nuno Álvares parte a submeter praças dominadas pelo inimigo, o que efectua num ritmo fulminante.
D. João de Castela, teimando em conquistar Portugal, entra por Almeida e Trancoso com os seus poderosos exércitos, procurando descer o país e apoderar-se da capital.
Nesta situação alarmante, D. João I chama o Condestável a reunir-se com ele e o conselho em Abrantes, pois urge decidir o rumo da campanha. Em vão os conselheiros do Rei pretendem organizar uma campanha de diversão pela Andaluzia, atacando Sevilha, pois receiam o embate directo com o invasor. Nuno Álvares, irredutível, recusa-se a expor ao perigo Lisboa: ainda que sózinho, partiria para fazer frente ao numeroso exército inimigo! Resoluto, reúne os seus homens de armas e parte a caminho de Tomar, direito aos castelhanos. Todos o censuram, só o Rei o compreende. Não há lugar a hesitações e o rei ordena-lhe que espere por ele em Tomar. Daí partem já com os exércitos reunidos e, no dia 14 de Agosto, estão à espera para dar batalha ao invasor.
Nesse dia de intenso calor, desde madrugada se prepara tudo para a batalha: a vanguarda é comandada pelo Condestável, à frente de seiscentas lanças e está virada à estrada de Alcobaça. Na ala direita, comanda Antão Vasques; na esquerda, a célebre ala dos namorados, é Mem Rodrigues quem comanda. O Rei, à frente de setecentas lanças e muita peonagem, assegura a rectaguarda. Ao todo, serão sete mil homens, os que combatem por Portugal.
Do lado Castelhano, segundo Fernão Lopes, ascendam a trinta mil o número de homens do exército invasor. Debalde, há alguns dias que o exército castelhano marchava por caminhos que procuravam evitar o combate entre os dois oponentes. O confronto iria dar-se nesse dia 14, no local que ficou na história com o nome de Aljubarrota.
A sua localização e aproveitamento para a batalha, ficou a dever-se certamente à Divina Providência, e ao génio militar de D. Nuno Álvares Pereira. Numa posição a sul da ribeira de Calvaria, em que esta podia ser atravessada sem grande dificuldade, defendida geograficamente nos flancos, pelos ribeiros do vale da Mata e do vale de Madeiros. No planalto ocupado pelo nosso exército logo depois do alvorecer do dia, o lado norte apresenta muitos esporões quase que inacessíveis e no meio de dois deles, passava a estrada. Nestes esporões, era fácil colocar-se atiradores, para bater o flanco do inimigo. Invulneráveis ao choque directo dos castelhanos, contribuindo para limitar a frente de ataque destes, uma vez que, as próprias encostas de ambos os flancos eram inadequadas, para as manobras de exércitos pesadamente armados.
Não totalmente satisfeitos, a nossa posição foi ainda melhorada pela construção de um extenso sistema defensivo, no qual se incluíam fossos e covas de lobo, certamente camuflados com ramos de árvore e arbustos. Do lado Castelhano, um rio de gente vai-se espraiando pela várzea fronteira. A Cavalaria, numerosa, segue à frente com todo o seu esplendor. Segue-se uma imensa vaga de infantaria. À rectaguarda, segue um vasto contingente de carros e gado, as provisões de campanha do invasor. Pero Lopez de Ayala, Chanceler de Castela e dois irmãos de Nuno Álvares Pereira ao serviço de D. João de Castela, vão ao encontro do Santo Guerreiro. Procuram convencê-lo a mudar de partido e também, mais provavelmente, observar as nossas posições. Em vão, pois logo o intérpido guerreiro os intima a retirarem-se, sob pena de os mandar abater.
Apesar da imensa superioridade numérica e militar, a herética Castela vacila: à pressa reúnem um conselho, pois receia-se a vantagem geográfica das hostes Portuguesas. Em vão manobram para contornar as nossas posições. Logo as forças de Portugal invertem o dispositivo defensivo, continuando aptas a enfrentar a nova estratégia da batalha. Prevendo a inevitabilidade da hipótese de combates, os Castelhanos tomam posições: À frente, a última tecnologia, dispõe uma arma nova, trons, para além de besteiros. Na vanguarda, quatro fileiras, num total de 1500 lanças, ocupavam toda a largura do planalto. Na ala direita, além de numerosas lanças, também se incluíam ginetes; Na esquerda, predominavam cavaleiros Franceses (defensores do Anti-Papa Clemente VII), no entanto, ambas contavam ainda com besteiros e farta peonagem.
As duas alas estavam colocadas já fora do planalto o que, em termos práticos, as colocava em desvantagem para entrar no combate. Foi a fanfarronice de homens como João Afonso Telo, convictos de um triunfo rápido e esmagador, que convenceu o soberano de Castela a dar combate. É já bem tarde quando o grito de ataque finalmente ecoa entre as forças invasoras, logo secundado pelo troar poderoso dos trons, felizmente muito pouco efectivo, tanto em efeitos psicológicos como em baixas castrenses.
Mas para descrever a peleja, o melhor é recorrer ao génio narrativo de João Ameal: "O choque dá-se, tremendo. As vagas incessantes da cavalaria castelhana esbarram com a tenaz bravura da tropa de Nuno Álvares - que, no meio dela, lembra um arcanjo a lançar golpes sobre golpes. No entanto, a nossa vanguarda cede ante o ariete brutal; o centro abre-se; a furiosa turba passa, avassaladora. Logo as duas alas acodem a tapar a brecha e D. João I, com os seus, avança. Embate medonho, confuso, cheio de dardos, de setas, de cutiladas, de turbilhões donde saem gritos de dor, de cólera, de entusiasmo feroz. Encurralados, feridos de todos os lados pela energia indómita dos nossos, tombam os melhores cavaleiros de Castela; Guevara, Velasquez, Sanchez de Toledo, Galvez o sem medo, Hilário, Manrique, o Conde de Vilhalpandos. Também caem portugueses ao serviço do Estrangeiro: João Afonso Telo, Pedro Álvares, outros mais. A imagem da Virgem é varrida por uma espada castelhana - e o arcebispo de Braga, com a orelha cortada, a cara riscada por um gilvaz, esvai-se em sangue. Mem Rodrigues anda igualmente no meio da refrega, marca a vermelho a sua passagem. Nuno Álvares, esse, incólume, salienta-se onde é maior o perigo, dando a morte sem cessar, com olhos perdidos em visões místicas de além-vida."
Foi tão brutal a arremetida, como rápido será o desenlace da batalha. A numerosa vanguarda Castelhana, ao penetrar o centro da nossa vanguarda, vê-se atacada dos flancos. Não só pela restante vanguarda portuguesa, mas também pelas alas do nosso exército e ainda pela rectaguarda, bravamente comandada por D. João I de Portugal, o que permitiu um rápido aniquilamento da intérpida vanguarda adversária. Perante a eminente derrota, a imensa massa atacante retira caoticamente. Contribuindo de forma efectiva para o aumento das suas próprias baixas, abandona feridos e combatentes apenas tombados, incapazes de se reerguerem por si próprios devido ao seu pesado armamento.
Sem ordem nem organização, as forças de Castela são incapazes de se reagrupar. Entrando em pânico e fugindo desordenadamente em todas as direcções, seguem o exemplo de D. João de Castela, que foge a toda a velocidade com alguns fiéis, embora contasse ainda grande número de forças de combate. Só na sua ala direita, os ginetes procuraram atacar pela rectaguarda Portuguesa, já a batalha estava vencida, sendo logo a infrutífera tentativa prontamente rechaçada. O Sol já desaparece no horizonte quando os Portugueses contemplam a grandiosa vitória.
D. João I e Nuno Álvares Pereira que, tal como todo o exército se encontravam em jejum desde manhã, por ser véspera do dia de Santa Maria de Agosto, dão graças a Deus pelo milagre da Vitória!"
Fonte
D.Nuno Álvares Pereira
Batalha de Aljubarrota
A Padeira de Aljubarrota
Associação dos Amigos do Campo Militar de S. Jorge.