Texto de Álvaro Magalhães, escritor "scanado" do JN:
O AzuladorJá não há azuladores, ofício muito em uso nos tempos da Natária Maria (essa mesmo, a que deu o nome à Rua da Natária), que era casada comum dos melhores azuladores da cidade. E o que fazia um azulador? Polia o aço das lâminas das espadas de modo a obter aquele brilho azulado que distinguia as melhores (tudo isto aprendi com Germano Silva, historiador da cidade).
Pois bem, é mais ou menos isso que Pinto da Costa tem feito nos 24 anos da sua era. Quando ele chegou à presidência, em 1982, as espadas portistas apenas tinham garantido sete campeonatos em 75 anos de vida e, portanto, não esplendiam ao sol das vitórias. Esse acrescento de azul é a sua grande obra, felizmente ainda incompleta (soube-se agora).
Não há outro modo de o julgar a não ser pelos resultados: 14 campeonatos, o dobro dos até então conquistados, duas Ligas dos Campeões, uma Taça UEFA, duas Taças Intercontinentais. Polo catalizador de imensas energias até então adormecidas, Pinto da Costa herdou um clube provinciano e abúlico e deu-lhe uma impensável dimensão mundial.
No entanto, e embora este 21.° campeonato seja apenas mais um e tenha para os adeptos a configuração de um regresso à normalidade, ou seja, à regra, tem com certeza um sabor muito especial para Pinto da Costa. Depois de uma época negra, marcada por uma sucessão de erros e insucessos, e ainda pela emergência do 'Apito Dourado", não foram poucos os que então ouviram o rumor da sua agonia. Soares Franco disse que "o Papa estava acabado". José Veiga disse que ele estava ultrapassado e senil. E os que não disseram coisas do género também as pensaram. Inclusivamente muitos dos que estavam do seu lado pensaram e disseram que, depois do cume de 2004, ele não deveria arriscar uma nova reconstrução, o que seria tarefa para alguém mais vitalizado e talvez menos cansado (de glória, inclusivamente). Aliás, não foi por acaso que a certa altura da época se ergueu o tema da sua sucessão, o que correspondia, no mínimo, à constatação de que o Azulador já não azulava como antigamente. Estavam todos de acordo, amigos e inimigos: o homem já tinha feito o que tinha a fazer e também estava feito, ou seja, pronto para iniciar a sua reforma e colher homenagens e palmadas nas costas enquanto outros prosseguiam o seu trabalho. E embora estivessem todos enganados compreende-se que assim pensassem, já que nada nem ninguém é eterno (excepto talvez Pinto da Costa).
Afinal, esses que festejaram a sua decadência, é que se mostram desfalecidos, emperrados, como Veiga e Filipe Vieira, que, depois de uma época inteira de fanfarronice, enfiam agora as mãos nos bolsos e não encontram lá nada. Afinal, Pinto da Costa ainda foi a tempo de lhes fazer o emperro. Afinal, o Benfica campeão era apenas a excepção que confirma a regra e não o sinal de uma mudança na hegemonia do nosso futebol. Afinal, há vida para além de Mourinho, cuja saída também muito animou as hostes adversas, e do 'Apito Dourado", que as animou também. E, claro, há Pinto da Costa para além de Pinto da Costa. O Azulador. Não há dúvida que são mesmo largos (e compridos também) os dias dos seus anos.
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