'Nortada' do Miguel Sousa Tavares...
1 - A única coisa boa que aconteceu ao futebol português esta semana foi a qualificação do FC Porto para os oitavos-de-final da Champions. Comecemos, então, por aí, antes de, inevitavelmente, irmos às coisas feias e más.
O FC Porto, de Jesualdo Ferreira, culminou uma brilhante recuperação no seu grupo com uma exibição de classe e de coragem contra o Arsenal. Face a um jogo destes, em que empatar bastava, a grande maioria dos treinadores portugueses teria jogado para o empate desde o início. Mas, mostrando ter aprendido com o que aconteceu em Londres, na primeira volta, Jesualdo e a equipa resistiram a essa tentação e, de facto, só desistiriam de ganhar um jogo que bem mereciam ter ganho, nos últimos dez minutos, quando as consequências de arriscar numa vitória poderiam ter sido desastrosas. A par dessa demonstração de classe, coragem e maturidade, ficou uma exibição absolutamente fabulosa de Ricardo Quaresma. Se aquele chapéu de letra tem encontrado pela frente um guarda-redes mais baixo do que o gigante alemão do Arsenal, teria sido um dos golos da década!
E, ontem à noite, na Choupana, apesar de uma arbitragem antieuropeia, que tudo consentiu ao Nacional - o massacre de Quaresma, o jogo faltoso sistemático e a intimidação física - e que tudo lhe perdoou - cantos, penalties, segundo amarelo - o FC Porto foi capaz de dar mais um passo em frente rumo ao final de um terrível ciclo de sete jogos no período pós-Anderson.
2 - O que mais me custa, neste sórdido episódio da Dona Carolina Salgado, é vê-la sentada a uma mesa a autografar livros como se tivesse escrito um livro. Não escreveu: para começar, aquilo não é um livro, é um pedaço de papel higiénico que, depois de usado, seguiu para uma tipografia e encontrou uma editora disposta a chafurdar na lixeira. Depois, e como é óbvio, a senhora não escreveu coisa nenhuma, nem tem competência para tal: quem lhe encomendou a sale besogne, escreveu-lhe o livro e, no fim, recolheu-lhe a assinatura e deu-lhe aquele grandiloquente e ridículo título de Eu, Carolina, tipo Eu, Cláudio, obra de referência daquela escritora americana de literatura de aeroporto. O livro da Dona Carolina não é sequer literatura de aeroporto: é um dejecto de ressabiamentos e vinganças pessoais que eloquentemente ilustra não as origens ou a educação, mas o carácter da senhora. Porque, se é certo que a educação demora gerações a refinar, o carácter não tem que ver com isso. Ela não tem culpa de vir de onde veio, tem culpa, sim, de ser como é.
Agora, a Dona Carolina vive bem mais do que os seus cinco minutos de fama. Tem as televisões e os jornais aos pés, tem leitores a pedir-lhe autógrafos e tem até (ó, suprema ironia, quem os ouvia a falar dela...!) benfiquistas prontos a acolhê-la e a transformá-la em Maria Madalena ou (deixem-me rir!) Carolina d'Arc. Mas, quando a poeira assentar, a pobre Carolina, como tantos e tantas outras antes dela, vai perceber que falou tanto que se enterrou até ao pescoço e que a validade do veneno que lhe deram para usar não era eterna. Em breve se tornará cansativa, inútil e desagradável à vista. E, então, regressará de onde veio, só que sem câmaras nem holofotes à sua frente e sozinha para enfrentar todos os processos judiciais e chatices de que agora, no seu patético arrebatamento, não deu conta. Exit Carolina.
Resta o principal: pode o presidente do FC Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, passar impune e indiferente a tudo isto, assobiando para o ar quando lhe falam do assunto e limitando-se a dizer «falem-me de coisas sérias»? Não, não pode. A meu ver, não pode. A questão não está tanto em saber se o que diz a Dona Carolina é verdade, meia-verdade ou inteira falsidade. Isso é matéria que, obviamente, a justiça terá de apurar e a que ele e ela terão de responder. A questão, agora, é que as acusações atingem não apenas a honra do presidente do FC Porto mas a do próprio clube. Se ele fosse um político ou exercesse funções públicas, não haveria ninguém que não lhe exigisse, desde já, a única atitude que a honra consente nestes casos: demitir-se, tratar de provar a sua inocência e o sem fundamento de tudo aquilo e, depois, se quisesse, tentar regressar.
Será diferente a exigência moral pelo facto de ele ser não um titular de funções públicas, mas somente o presidente de uma instituição particular, embora com o estatuto legal de utilidade pública? Sim, é diferente. Mas, no meu código de conduta pessoal, a diferença que faz é irrelevante: Pinto da Costa representa centenas de milhares de portistas e alguns milhares de accionistas de uma sociedade anónima, que têm o direito de esperar que ele prestigie o clube e que não dê motivo a que atinjam a sua honra. E se, todos nós portistas, nunca tivemos uma dúvida sobre a natureza e o carácter da Dona Carolina Salgado, respeitámos sempre o direito que o presidente do clube tinha a que a sua vida pessoal não interferisse com o seu cargo no clube. Mas ele, não: permitiu que as duas coisas se confundissem e que a sua vida pessoal viesse atingir e manchar o nome do clube. Pinto da Costa fez de Carolina Salgado uma espécie de primeira dama do FC Porto - coisa que não existe nos estatutos - misturou-a com a imagem externa do clube, chegando até a levá-la, integrada numa delegação do FC Porto, em audiência ao Papa. Enganou-se sobre o carácter dela? Paciência, são ossos do ofício - quis correr o risco, agora não pode assobiar para o ar. Até porque já é a segunda vez que tal sucede e porque, como salta à vista de todos, parece que o presidente do FC Porto tem um problema na escolha de companhias, amorosas ou de outra natureza, e quem paga a factura é o clube.
Se há defeito que detesto é a ingratidão: sei muito bem o que o FC Porto e, por acréscimo todos os portistas, devem a Pinto da Costa. Sinto por ele gratidão e consideração pessoal. E custa-me muito escrever isto. Mas entendo que o asqueroso episódio da Dona Carolina Salgado é grave, não pode passar sem consequências e não pode ser o FC Porto a pagá-las. No lugar dele, demitia-me. Mas cada um tem o seu código de conduta e os seus valores de vida: não exijo a ninguém que tenha os meus, mas também não abdico de dizer o que penso, porque isso faz parte dos meus valores. Entendo que Pinto da Costa pode fazer o que quiser, menos fazer de conta que nada se passou e que o assunto não é grave. Ou achar que pode continuar assim, tranquilamente, com as mesmas companhias e o mesmo mundo nebuloso em que se mexe, sem que isso cause danos ao clube e divida a nação portista entre os que calam e consentem e os que não conseguem nem calar nem consentir.
É uma excelente altura, aliás, para que ele e todos os Pintos, Loureiros, Veigas, Vieiras, Madail e todos os outros parem para reflectir e percebam que o seu tempo, o seu poder e o seu estilo já não cabem no mundo de hoje. Lá fora há todo um mundo de gente que anseia pelo dia em que o futebol volte a ser um território de luz, habitado por gente como aquela que gostamos de receber em nossa casa para jantar.
3 - Segundo o deputado, advogado e dirigente benfiquista Sílvio Cervan, «o Benfica está na linha da frente do combate ao doping a nível mundial». Pois, se está (nunca dei por isso...), escusava de fazer a defesa de Nuno Assis com base na insinuação de que ele foi absolvido porque estava inocente. Não foi: foi absolvido com base num expediente processual invocado pelo Conselho de Justiça e com fundamento na inacreditável doutrina - ao arrepio do que dispõem as leis portuguesas e as da FIFA - de que «não basta o resultado das análises ser positivo». «É também preciso que se invoque e prove que foi o jogador que administrou ou que injectou a substância proibida.» Como facilmente se compreende, a doutrina deste acórdão - que contraria anteriores acórdãos do CJ - equivaleria, pura e simplesmente, a deixar impunes todos os casos detectados de doping.
Estamos a falar de uma coisa muito séria: o doping não apenas põe em risco a saúde do próprio jogador, com sequelas que podem ser para a vida, como constitui também uma forma de batota desportiva absolutamente inaceitável. Os dirigentes benfiquistas vivem a encher a boca de declarações grandiloquentes sobre a verdade desportiva e coisas que tais, mas depois, quando lhes toca a eles, as boas intenções e as belas palavras morrem sempre perante a impunidade de que se acham eternamente credores.
1 - A única coisa boa que aconteceu ao futebol português esta semana foi a qualificação do FC Porto para os oitavos-de-final da Champions. Comecemos, então, por aí, antes de, inevitavelmente, irmos às coisas feias e más.
O FC Porto, de Jesualdo Ferreira, culminou uma brilhante recuperação no seu grupo com uma exibição de classe e de coragem contra o Arsenal. Face a um jogo destes, em que empatar bastava, a grande maioria dos treinadores portugueses teria jogado para o empate desde o início. Mas, mostrando ter aprendido com o que aconteceu em Londres, na primeira volta, Jesualdo e a equipa resistiram a essa tentação e, de facto, só desistiriam de ganhar um jogo que bem mereciam ter ganho, nos últimos dez minutos, quando as consequências de arriscar numa vitória poderiam ter sido desastrosas. A par dessa demonstração de classe, coragem e maturidade, ficou uma exibição absolutamente fabulosa de Ricardo Quaresma. Se aquele chapéu de letra tem encontrado pela frente um guarda-redes mais baixo do que o gigante alemão do Arsenal, teria sido um dos golos da década!
E, ontem à noite, na Choupana, apesar de uma arbitragem antieuropeia, que tudo consentiu ao Nacional - o massacre de Quaresma, o jogo faltoso sistemático e a intimidação física - e que tudo lhe perdoou - cantos, penalties, segundo amarelo - o FC Porto foi capaz de dar mais um passo em frente rumo ao final de um terrível ciclo de sete jogos no período pós-Anderson.
2 - O que mais me custa, neste sórdido episódio da Dona Carolina Salgado, é vê-la sentada a uma mesa a autografar livros como se tivesse escrito um livro. Não escreveu: para começar, aquilo não é um livro, é um pedaço de papel higiénico que, depois de usado, seguiu para uma tipografia e encontrou uma editora disposta a chafurdar na lixeira. Depois, e como é óbvio, a senhora não escreveu coisa nenhuma, nem tem competência para tal: quem lhe encomendou a sale besogne, escreveu-lhe o livro e, no fim, recolheu-lhe a assinatura e deu-lhe aquele grandiloquente e ridículo título de Eu, Carolina, tipo Eu, Cláudio, obra de referência daquela escritora americana de literatura de aeroporto. O livro da Dona Carolina não é sequer literatura de aeroporto: é um dejecto de ressabiamentos e vinganças pessoais que eloquentemente ilustra não as origens ou a educação, mas o carácter da senhora. Porque, se é certo que a educação demora gerações a refinar, o carácter não tem que ver com isso. Ela não tem culpa de vir de onde veio, tem culpa, sim, de ser como é.
Agora, a Dona Carolina vive bem mais do que os seus cinco minutos de fama. Tem as televisões e os jornais aos pés, tem leitores a pedir-lhe autógrafos e tem até (ó, suprema ironia, quem os ouvia a falar dela...!) benfiquistas prontos a acolhê-la e a transformá-la em Maria Madalena ou (deixem-me rir!) Carolina d'Arc. Mas, quando a poeira assentar, a pobre Carolina, como tantos e tantas outras antes dela, vai perceber que falou tanto que se enterrou até ao pescoço e que a validade do veneno que lhe deram para usar não era eterna. Em breve se tornará cansativa, inútil e desagradável à vista. E, então, regressará de onde veio, só que sem câmaras nem holofotes à sua frente e sozinha para enfrentar todos os processos judiciais e chatices de que agora, no seu patético arrebatamento, não deu conta. Exit Carolina.
Resta o principal: pode o presidente do FC Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, passar impune e indiferente a tudo isto, assobiando para o ar quando lhe falam do assunto e limitando-se a dizer «falem-me de coisas sérias»? Não, não pode. A meu ver, não pode. A questão não está tanto em saber se o que diz a Dona Carolina é verdade, meia-verdade ou inteira falsidade. Isso é matéria que, obviamente, a justiça terá de apurar e a que ele e ela terão de responder. A questão, agora, é que as acusações atingem não apenas a honra do presidente do FC Porto mas a do próprio clube. Se ele fosse um político ou exercesse funções públicas, não haveria ninguém que não lhe exigisse, desde já, a única atitude que a honra consente nestes casos: demitir-se, tratar de provar a sua inocência e o sem fundamento de tudo aquilo e, depois, se quisesse, tentar regressar.
Será diferente a exigência moral pelo facto de ele ser não um titular de funções públicas, mas somente o presidente de uma instituição particular, embora com o estatuto legal de utilidade pública? Sim, é diferente. Mas, no meu código de conduta pessoal, a diferença que faz é irrelevante: Pinto da Costa representa centenas de milhares de portistas e alguns milhares de accionistas de uma sociedade anónima, que têm o direito de esperar que ele prestigie o clube e que não dê motivo a que atinjam a sua honra. E se, todos nós portistas, nunca tivemos uma dúvida sobre a natureza e o carácter da Dona Carolina Salgado, respeitámos sempre o direito que o presidente do clube tinha a que a sua vida pessoal não interferisse com o seu cargo no clube. Mas ele, não: permitiu que as duas coisas se confundissem e que a sua vida pessoal viesse atingir e manchar o nome do clube. Pinto da Costa fez de Carolina Salgado uma espécie de primeira dama do FC Porto - coisa que não existe nos estatutos - misturou-a com a imagem externa do clube, chegando até a levá-la, integrada numa delegação do FC Porto, em audiência ao Papa. Enganou-se sobre o carácter dela? Paciência, são ossos do ofício - quis correr o risco, agora não pode assobiar para o ar. Até porque já é a segunda vez que tal sucede e porque, como salta à vista de todos, parece que o presidente do FC Porto tem um problema na escolha de companhias, amorosas ou de outra natureza, e quem paga a factura é o clube.
Se há defeito que detesto é a ingratidão: sei muito bem o que o FC Porto e, por acréscimo todos os portistas, devem a Pinto da Costa. Sinto por ele gratidão e consideração pessoal. E custa-me muito escrever isto. Mas entendo que o asqueroso episódio da Dona Carolina Salgado é grave, não pode passar sem consequências e não pode ser o FC Porto a pagá-las. No lugar dele, demitia-me. Mas cada um tem o seu código de conduta e os seus valores de vida: não exijo a ninguém que tenha os meus, mas também não abdico de dizer o que penso, porque isso faz parte dos meus valores. Entendo que Pinto da Costa pode fazer o que quiser, menos fazer de conta que nada se passou e que o assunto não é grave. Ou achar que pode continuar assim, tranquilamente, com as mesmas companhias e o mesmo mundo nebuloso em que se mexe, sem que isso cause danos ao clube e divida a nação portista entre os que calam e consentem e os que não conseguem nem calar nem consentir.
É uma excelente altura, aliás, para que ele e todos os Pintos, Loureiros, Veigas, Vieiras, Madail e todos os outros parem para reflectir e percebam que o seu tempo, o seu poder e o seu estilo já não cabem no mundo de hoje. Lá fora há todo um mundo de gente que anseia pelo dia em que o futebol volte a ser um território de luz, habitado por gente como aquela que gostamos de receber em nossa casa para jantar.
3 - Segundo o deputado, advogado e dirigente benfiquista Sílvio Cervan, «o Benfica está na linha da frente do combate ao doping a nível mundial». Pois, se está (nunca dei por isso...), escusava de fazer a defesa de Nuno Assis com base na insinuação de que ele foi absolvido porque estava inocente. Não foi: foi absolvido com base num expediente processual invocado pelo Conselho de Justiça e com fundamento na inacreditável doutrina - ao arrepio do que dispõem as leis portuguesas e as da FIFA - de que «não basta o resultado das análises ser positivo». «É também preciso que se invoque e prove que foi o jogador que administrou ou que injectou a substância proibida.» Como facilmente se compreende, a doutrina deste acórdão - que contraria anteriores acórdãos do CJ - equivaleria, pura e simplesmente, a deixar impunes todos os casos detectados de doping.
Estamos a falar de uma coisa muito séria: o doping não apenas põe em risco a saúde do próprio jogador, com sequelas que podem ser para a vida, como constitui também uma forma de batota desportiva absolutamente inaceitável. Os dirigentes benfiquistas vivem a encher a boca de declarações grandiloquentes sobre a verdade desportiva e coisas que tais, mas depois, quando lhes toca a eles, as boas intenções e as belas palavras morrem sempre perante a impunidade de que se acham eternamente credores.
# in Jornal “A BOLA”, 2006.12.12
Meu Caro Miguel: esperavas mais uns dias e a frio dirias outra coisa: tu também foste alvo de um ataque soez e não foi esse o caminho escolhido; antes dizias querer resolver tudo á paulada... Melhor, Pinto da Costa diz que serão os tribunais a resolver a questão. A demissão seria o grande desejo dos inimigos do FCPorto e dos mouros em geral...
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