Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

Convidado de Honra: Lôngara - Actividade Literária e Memória Alvi-Anil


Decidi prestar homenagem a blogues que aprecio e leio com prazer redobrado.  Espaços de tertúlia onde os seus autores apresentam opiniões sérias e honestas, histórias e poemas, pensamentos ou reflexões que vale a pena ler, meditar e seguir com atenção. Coloquei-lhes um desafio: escrevam algo ou submetam-me um seu artigo ou post mais apreciado. O Amigo Armando Pinto, o mestre do Lôngara - Actividade Literária e Memória Alvi-Anil, respondeu-me com esta magnífica peça de literatura, inaugurando um espaço que espero seja apreciado e da mesma forma reafirme ou divulgue alguns dos melhores blogues da blogosfera da língua Portucalense.

CONTO - Quimera Reconstrutiva...



No torpor de pensamentos, qual reconstituição histórica mental, permita-se desta feita uma deambulação pelo mundo dos sonhos sonolentos, à guiza descritiva de conto:


...
Huuum…
Diante dos olhos, quão abstracto pensamento, distante e diluído, depois com mais nitidez aos filtros do cérebro, apareciam pessoas de semblante algo rude, homens, mulheres e magotes de filharadas, uns cobertos parcialmente por arremedos de vestimentas em pele animal, ao género das peles de lapónio, outros cobertos com lã de seus rebanhos, e alguns outros já por uma aparente veste comprida quase até aos joelhos, presa por uma cinta… Possivelmente povo de tempos pré-romanos, patrícios dos Lusitanos, parecendo mesmo avoengos Calaicos, cirandando num escarpado povoado remoto. Traziam cabelos compridos, seguros por uma atadura em volta da fronte, e, nos que usavam peles, saía dos agasalhos um saio mais ou menos curto, cingido ao corpo. Conviviam numa comunitária descontracção, parecendo tribos de vida autónoma, aliados em inocente felicidade, mais sentido de defesa e entreajuda. Enquanto usavam danças muito próprias e se exercitavam em culto de jogos atléticos e práticas de guerreiros.
Huuum? Mas aquilo…


Ora, vislumbravam-se construções colmassas cilíndricas, de céltica fisionomia, casas arredondadas feitas de pedras miúdas e graúdas, cobertas de colmo, mais cortelhos irregulares e casotas de paredes lisas quadradas e rectangulares, espécies de humildes cabanas e grutas escavadas, com aspecto da Idade do Ferro, como nos livros vem.
Mas…


Era, aquilo, num sítio com apreciável grau de urbanização, em forma antiga, através de núcleos urbanos distintos, por meio de habitações agrupadas ao longo de caminhos com traçados de regulares carreiros… E, além, divisavam-se ainda umas antas, edificações de dólmenes genuínos, quais monumentos funerários de acrisolado apego antepassado, na religiosidade simbólica. Tal como uma construção de balneários, com ar de banhos públicos, em cuja cabeceira se salientava adornada pedra formosa. Realçando-se, no coração da localidade, uma figuração em pedra de um guerreiro, hirto como se de vigia se tratasse, tipo sentinela protector. E, nas periferias, após limites de pequenas muralhas de rústica alvenaria, em fileiras de pedras, sucediam-se penedias, bem comparantes ao penedo rebolão, das histórias de encantamento mourisco, mais um par de outros, ambos como o do bem e do mal, quanto ficaram na memória do imaginário popular, bem como um tatuado penedo das ninfas, assim chamado e com marcas epigráficas, em referencial de divindade idolatrada, por entre fraguedos; revezando-se o panorama até paisagens amenas, entrecortadas por campinas, qual lameira de Redundo e sítios das lendárias ervas arbóreas ao pé da pedra furada…


Uma povoação castreja?!...

A vida regurgitava, ali, num quotidiano de labor montanhês, a par com labuta de culturas de trigo e cevada nas chãs mais altas e vizinhas do povoado, atarefando-se porém com mais parcimónia em cuidados de pastorícia, medrando rebanhos de gado, donde retiravam peles com que se cobriam e carne e leite para o sustento. Cotejando necessidades com costumes, por tradições e superstições condimentadas em ciência adquirida pelos tempos fora.

Só que era esquisito, surgia tudo tão diferente, do que as pálpebras tinham ideia, num ambiente a parecer primitivo, como se o tempo tivesse andado muito, mas muito para trás…

Então, quem estava a presenciar tal ocorrência, deu com toda a gente a olhar para si… Tantas caras meio apalermadas, num misto de rostos esquálidos interrogativos, boquiabertos, de dedo em riste e riso inquisidor… Olhando, de pé atrás, viu-se logo rodeado por aqueles indígenas, a admirar suas roupas, de pleno século XXI, a indagar a direcção de seus sapatos, a apontar os óculos do incrédulo visitante, a mexer-lhe na cara, barbeada, enquanto se olhavam entre si, comparsas barbudos e de hirsutos cabelos… De imediato o circundaram com danças, ao género de ritual como se via em filmes…
Como poderia ser aquilo…?

Sem entender o que estava a acontecer, entretanto, ouvia-se, num dialecto arcaico… umas falas grunhidas por entre dentes, possivelmente a conversarem sobre tão estranha ocorrência também para eles.
Até que o agarraram e o estavam já a levar, no meio de uma vozearia cantada, quando, deveras apreensivo, estremeceu, e…. E acordou.


Uff!!!
Olhando em volta, ainda estremunhado, no torpor de sono consolado, apercebeu-se que estivera a sonhar!
Tudo isso, aquilo, tinha sido apenas fruto de recente visita a um significativo local de preservação castreja do Noroeste Peninsular. O que estivera a pressentir mais não fora o que lhe ficara no subconsciente, reconstituindo historicamente o que sentira. Tratava-se, afinal, do que apreendera diante duma emblemática citânia de Entre Douro e Minho, sendo dos melhores exemplares do proto-urbanismo da II Idade do Ferro, com uma organização funcional desse importante espaço que foi urbanizado em tempos idos, a remeter à penumbra dos tempos.
Estivera, por instantes, no âmago duma Citânia de outrora, após visita pessoal em dias do próximo presente, agora, a sonhar, como se séculos antes fora… À espécie duma quimera, de reconstituição histórica, em mental devaneio estudioso.


© ARMANDO PINTO

2 comentários:

ola boa noite

tem bom gosto
sou leitor do blogue do nosso amigo Armando.

 

Da sua "pena" saem prosas de grande qualidade.
Um abraço