1- As estatísticas não ajudam Co Adriaanse nem legitimam as suas ideias, decerto geniais. Anote-se: — em dez jogos contra o seu compatriota e rival Ronald Koeman, perdeu oito, empatou dois, ganhou nenhum; — em nove jogos de importância máxima feitos com o FC Porto esta época, perdeu cinco, empatou três, ganhou um; — nos cinco jogos feitos com os outros três clubes que têm dominado o topo deste Campeonato, perdeu dois, empatou três, ganhou nenhum; — nos sete últimos jogos do Campeonato, com o «revolucionário » sistema de quatro avançados (tão elogiado por tantos comentadores que certamente não são do FC Porto), perdeu dois, empatou dois e ganhou três, tendo marcado um total de seis golos — o que não chega sequer a dar média de um por jogo. Quando as pessoas têm ideias próprias e delas não abdicam diz-se que têm personalidade. Quando essas ideias estão erradas ou dão o resultado adverso do pretendido, e mesmo assim se insiste nelas, em vez de personalidade, diz-se que a pessoa tem manias. E, quando, de falhanço em falhanço, se continua a insistir nas mesmas ideias, com prejuízo dos outros, a mania passa a teimosia. Esse é o problema de Co Adriaanse. Ele ainda não percebeu que o FC Porto não é o Az Alkmaar ou qualquer outra equipa sem nome, sem orçamento e sem responsabilidades para poder servir de cobaia às experiências revolucionárias do seu treinador. Ainda não percebeu bem que a equipa que lhe caiu do céu vir treinar, ao contrário do seu treinador que nunca conquistou nada, está recheada de títulos e era, há menos de dois anos atrás, campeã da Europa e, há um ano, campeã do Mundo. Manifestamente, parece-me haver umerro de interpretação, ou de tradução, de Co Adriaanse relativamente ao contrato de trabalho assinado com o FC Porto: é ele que tem de provar que está ao nível do FC Porto e não este que tem de se adaptar ao génio infrutífero do seu treinador. Na breve antevisão do jogo que aqui publiquei no próprio domingo, escrevi que Co Adriaanse, se realmente queria começar a mostrar que é capaz de conquistar alguma coisa e vencer algum jogo importante, deveria jogar na Luz em 4x3x3 e pôr os melhores nos seus lugares, em vez de continuar a teimar que vai ficar para a história do futebol como o treinador que jogava em todo o lado de peito aberto... e em todo o lado fracassava. Ao escrevê-lo, porém, e ao contrário do que o próprio Ronald Koeman previu, eu já sabia que ele ia insistir no tal esquema de três defesas e quatro avançados, quanto mais não fosse para mostrar a tal personalidade que a tantos deslumbra e serve. E assim foi. O efeito mais imediato deste sistema super ofensivo foi uma repetição do já visto nos jogos anteriores: a incapacidade de marcar golos e de criar oportunidades em número suficiente para tal. A inflação de avançados conduziu a que faltassem os espaços e as ideias, ao ponto de dois deles, o Ivanildo e o Adriano, terem passado o jogo todo sem saber para onde ir e o que fazer ao certo. E, enquanto sobravam avançados na frente, atrapalhando-se uns aos outros, faltava um médio a meio-campo para segurar o jogo e os lançar, e a defesa só não soçobrou porque o Nuno Gomes e o Simão não deram uma prá caixa e mais uma vez ficou à vista que todo este sistema de jogo está dependente de um super-Pepe e um super-Paulo Assunção. A eles deve Co Adriaanse não ter saído da Luz vergado a uma derrota ainda maior, quando, num acesso de total descontrolo, resolveu tirar o Quaresma, que era o único a tentar abrir a defesa do Benfica pelos lados, e meter em campo nada menos do que quatro pontas-de-lança — o McCarthy, o Adriano, o Hugo Almeida e o Lisandro. Ao mesmo tempo que, inevitavelmente, mandava entrar também o fantasma do Jorginho, com tudo isso abrindo verdadeiras avenidas para o contra-ataque encarnado. Uma vez mais, como já me tinha ocorrido no jogo do Dragão da primeira volta, dei comigo a pensar que Adriaanse vai para estes jogos sem ter feito nenhuma das três coisas essenciais no trabalho de casa de um treinador: não estuda os adversários, não elabora um plano de jogo, muito menos adaptável em função dos acontecimentos que vão ocorrendo, e não prepara os lances de bola parada — que nas outras equipas, a começar pelo Benfica, contribuem largamente para a percentagem de golos e neste FC Porto raramente resultam em golo. Chegou a ser confrangedor ver a forma como eram cobrados os livres e os cantos a favor do FC Porto. Agora começo a perceber porquê os treinos no Olival são sempre à porta fechada... 2- A desculpa de Co Adriaanse para a derrota vai ser o Vítor Baía—até me admira como é que não o disse logo a seguir ao jogo, como é seu hábito. O fim injustíssimo da carreira de Baía foi cientificamente preparado por Adriaanse. Primeiro, tirando-o da baliza após um lance infeliz na Amadora, sem lhe dar hipótese de se redimir. Depois, deixando-o de fora em todos os jogos fáceis, para o relançar num teste de fogo como o da Luz, onde qualquer deslize dele teria consequências praticamente irreversíveis. É claro que Adriaanse não teve culpa que o Helton se tivesse lesionado logo na pior altura, mas teve responsabilidade directa na forma como abalou os indíces de confiança de Baía, deixando-o psicologicamente impreparado para regressar neste jogo. Depois, a falta de sorte, os efeitos caprichosos desta nova bola, o talento, parece que único, que Robert tem para cobrar livres, e a falta de fé de Baía em corrigir o seu movimento a tempo, fizeram o resto. Ditaram uma derrota, que pode ter sido merecida pelo que o FC Porto não jogou, mas que foi muito pouco justificada pelo que o Benfica jogou. Este Benfica de anteontem seria tranquilamente digerido sem espinhas por um FC Porto normal, orientado por alguém com ideias normais—tais como ganhar de vez em quando. 3- Eis uma coisa que não se pode dizer de José Mourinho. Ele é o verdadeiro exemplo do ganhador, de alguém que, acima de tudo, está ali para ganhar — sempre, se possível. Ao contrário de Adriaanse, Mourinho estuda os adversários ao detalhe e para cada jogo tem uma estratégia montada, a qual tem o dom de antecipar quase sempre o que o adversário vai fazer em cada situação. É por isso que ele vence tantas vezes: porque é um perfeccionista, um profissional completo, um viciado na vitória. Mas há um reverso da medalha, como há sempre. Um, é que Mourinho tem dificuldade em saber perder. O outro é que, quando não há fantasistas na equipa, o futebol dele, se bem que continue vencedor, fica como o futebol do Chelsea: terrivelmente previsível e aborrecido, «industrializado », como alguém o definiu há dias. Já aqui escrevi há tempos que tenho a convicção de que o FC Porto de Mourinho venceria tranquilamente o Chelsea de Mourinho. Esta semana, o Barcelona de Ryjkaard e de Ronaldinho, Deco, Messi e Eto’o, destroçou por completo o futebol científico e sem alma do Chelsea. E só não o esmagou, porque na baliza dos londrinos está um dos três melhores guarda-redes do Mundo. Ainda bem para o futebol, porque o que o Barcelona foi dizer a Stamford Bridge é que o talento, o génio e o improviso ainda são armas determinantes neste jogo. Asangue-frio José Mourinho tinha obrigação de o ter reconhecido e ter cumprimentado o adversário. Desculpar-se coma expulsão de Del Horno e atacar o árbitro foi uma atitude de mau perdedor. Primeiro, porque o Del Horno foi muito bem expulso, pela simples razão de que, não conseguindo aguentar mais a tourada que o Messi lhe estava a dar, resolveu ver se o arrumava de vez. E, segundo, porque antes e depois da expulsão de Del Horno, a superioridade do Barcelona foi tão flagrante, a qualidade e beleza do seu jogo tão superiores, que qualquer outro desfecho seria uma tremenda injustiça. Resta a Mourinho provar em Camp Nou que o Chelsea é mais do que uma equipa quase vulgar, com um grande treinador.
(*) pelo Grande Miguel Sousa Tavares, n'A Bola de 28 de Fevereiro pp
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