Zangam-se as comadres, soa o apito O «Apito Dourado» transformou-se em «Apito Desgovernado» e agora apita em todas as direcções. E cada vez menos na direcção programada.
Há mais de ano e meio que uma vasta legião de jornalistas, comentadores e dirigentes desportivos vivem agarrados ao Apito Dourado como bóia de salvação capaz de lhes trazer, servida numa bandeja, a única conclusão e a única «verdade» que ansiosamente esperam: a «prova» de que a hegemonia do FC Porto, nas últimas duas décadas do futebol português, tem uma única razão de ser — a compra dos árbitros. É por isso, segundo o seu esperançoso discurso, que o FC Porto ganha bem mais e mais vezes que os seus rivais do sul. Em vão lhes foram constantemente fornecidos motivos de reflexão para outras razões possíveis, que eles desprezaram sempre, porque reconhecer o mérito alheio seria reconhecer o demérito próprio. Foi e é inútil argumentar com outro tipo de razões lógicas. Por exemplo, que se os árbitros (e, aparentemente, todos eles) se dispõem a vender os seus bons ofícios ao FC Porto, é natural que também o façam com os outros clubes. Por exemplo, que é difícil de perceber como é que um clube que só ganha internamente graças a batota, conseguiu ser, no espaço de dezasseis anos, duas vezes campeão da Europa e do Mundo, juntando ainda uma Taça UEFA e uma Supertaça Europeia ao rol dos seus triunfos internacionais. Por exemplo, que é difícil aceitar a batota como única razão para a supremacia portista, quando, uns após outros, jogadores e técnicos, portugueses e estrangeiros, que têm passado pelo FC Porto são unânimes em elogiar a sua superior organização, profissionalismo e atitude competitiva, em comparação com os seus rivais. Ou, por exemplo, que é difícil perceber como é que o FC Porto conseguiria exercer tão duradouramente tal poder subterrâneo, quando há vários anos se encontra afastado de todos os órgãos de decisão que integram a Liga de Clubes e a Federação Portuguesa de Futebol — que são os órgãos onde se decide as nomeações de árbitros, as suas classificações e punições disciplinares. Enfim, como é que alguém de boa-fé pode sustentar que é por batota que o FC Porto ganha e os outros não, quando todos temos, semanalmente, acesso a todos os jogos dos «grandes» e o que vemos é demasiado evidente para poder ser explicado por «razões ocultas». Depois de ver jogar o Benfica no Bessa, este sábado, alguém acredita que é por falta de «transparência» e de «rigor» que o Benfica é a desilusão continuada que tem sido? Alguém se lembra quando foi o último ano que o Benfica teve uma equipe de categoria, a jogar um futebol de categoria?
A muita gente, incapaz ou incompetente, que tem dirigido os destinos do Benfica e do Sporting dava muito jeito convencer o pagode que só razões extrafutebol é que explicam os seus fracassos e os sucessos portistas. O Apito Dourado — um processo mal instruído e mal amanhado desde o início, construído mais para os jornais do que para os tribunais, como é hábito entre nós — foi a tábua de salvação a que se agarraram para provar a sua razão. E, mesmo quando os primeiros indícios recolhidos e as primeiras fugas do processo começaram a revelar, sem margem para dúvidas, que o grande implicado do processo era o sócio benfiquista na Liga, o major Valentim Loureiro, as esforçadas almas benfiquistas não pararam de alimentar a lenda e a «verdade» de que tudo se resumia às tropelias de Pinto da Costa e do FC Porto.
Para não dizerem que não disse, anotem bem que eu não considero nem normal, nem aceitável que se corresponda ao pedido de um árbitro que queria os serviços de uma prostituta ou que o presidente de um clube receba em sua casa, para um «cafezinho», um árbitro que daí a dias vai dirigir um jogo do seu clube. Penso que ambas as coisa deveriam ser investigadas e punidas, no foro disciplinar, mesmo que arquivadas no foro criminal, como foram. Embora também não possa presumir a má-fé de Pinto da Costa, quando disse em depoimento que a visita do árbitro a sua casa foi inconveniente e não desejada por si, e embora também não seja tão ingénuo que não saiba ou não desconfie que os serviços sexuais aos árbitros ou as jantaradas de mariscos em restaurantes são uma prática habitual e disseminada por todos os clubes. Mas se os processos contra o FC Porto foram arquivados pelo Ministério Público é porque desde o início, como aqui escrevi, não se fez prova de duas coisas essenciais: nexo de causalidade e o móbil do suposto «crime». Ou seja, não se provou, antes pelo contrário, que aqueles árbitros tivessem beneficiado o FC Porto naqueles jogos. E, como era evidente, entendeu-se que era impossível demonstrar em tribunal, apenas com base na opinião dos benfiquistas ou sportinguistas, que o FC Porto de 2003-4, que era de longe a melhor equipa portuguesa de então, que jogava um futebol de encher o olho, treinada pelo melhor treinador português de sempre, que viria a ganhar o campeonato com mais de dez pontos de avanço sobre os seus rivais imediatos e viria a ser campeã da Europa, precisava de subornar os árbitros para ganhar em casa ao Estrela da Amadora ou fora ao Beira-Mar. Mas foi essa lenda que se alimentou durante ano e meio, através de «fugas» criteriosas do processo e extractos seleccionados das escutas telefónicas.
Sempre me perguntei porque é que ninguém falava de outros clubes e outras épocas, ainda mais recentes e pertinentes — como a época de 2004-5, em que o Benfica, sem jogar absolutamente nada, conseguiu ser campeão e entrar para o Guiness, através da proeza de, nos últimos dez jogos da época, marcar golos sempre e exclusivamente de «penalty» ou de livre à entrada da área, quase todos duvidosos e alguns escandalosos.
Mas eis que rebenta uma súbita zanga de comadres entre os sócios da Liga. Com Valentim Loureiro a negociar a sua própria sucessão na Liga, de forma a ficar com um pé dentro e o Benfica com os dois fora, a sociedade Benfica-Boavista estilhaçou-se e a mostarda subiu ao nariz do presidente do Benfica, e com razão. E, vai daí, começou ele a falar, dia sim, dia sim, do Apito Dourado, até que o Diário de Notícias de quarta-feira escarrapachava as escutas feitas à família Loureiro — cujo teor, não sendo logo integralmente desmentido, justificaria, se houvesse um pingo de vergonha, que eles se demitissem de todos os cargos que exercem nas horas seguintes.
E, sexta-feira, no Público, veio a vingança. Luís Filipe Vieira apanhado por tabela numa escuta feita a Valentim Loureiro, a escolher, sem pudor, o árbitro para uma meia-final da Taça e a dizer coisas tão sugestivas como «não quero mais esquemas nem quero falar muito» ou «não me quero chatear com isto porque eu estou a fazer isto por outro lado». Enfim, como ele próprio disse sem se rir, uma conversa que «revela o estado de espírito de um homem que pugna pela transparência e pelo rigor».
Mas o mais irónico ainda, é que a seguir o Público revelava uma conversa entre Pinto de Sousa e Pinto da Costa, que alguns bem intencionados se apressaram a declarar idêntica à conversa entre Loureiro e Vieira. Com estas diferençazinhas: enquanto Vieira recusava o árbitro indicado para o seu jogo, Pinto da Costa era confrontado com a recusa do árbitro por parte do adversário — o União de Leiria; enquanto que Vieira, a seguir, recusava mais quatro nomes indicados por Loureiro (nem ele nem a Liga tinham competência para escolher o árbitro dum jogo da Taça...) até aceitar o quinto, Pinto da Costa sugeria ao seu interlocutor um nome de consenso, a seguir propunha-lhe que escolhesse quem tivesse sido o melhor classificado e, finalmente, que escolhesse quem quisesse, que ele aceitaria qualquer um. E só para completar a história: nessa meia-final da Taça de 2004, o FC Porto apanhou um dos dois árbitros que mais o prejudicam habitualmente e, na final contra o Benfica, apanhou o outro — e ganhou o Benfica, sem justiça alguma.
Pois é, o Apito Dourado transformou-se em «Apito Desgovernado» e agora apita em todas as direcções. E cada vez menos na direcção programada.
A muita gente, incapaz ou incompetente, que tem dirigido os destinos do Benfica e do Sporting dava muito jeito convencer o pagode que só razões extrafutebol é que explicam os seus fracassos e os sucessos portistas. O Apito Dourado — um processo mal instruído e mal amanhado desde o início, construído mais para os jornais do que para os tribunais, como é hábito entre nós — foi a tábua de salvação a que se agarraram para provar a sua razão. E, mesmo quando os primeiros indícios recolhidos e as primeiras fugas do processo começaram a revelar, sem margem para dúvidas, que o grande implicado do processo era o sócio benfiquista na Liga, o major Valentim Loureiro, as esforçadas almas benfiquistas não pararam de alimentar a lenda e a «verdade» de que tudo se resumia às tropelias de Pinto da Costa e do FC Porto.
Para não dizerem que não disse, anotem bem que eu não considero nem normal, nem aceitável que se corresponda ao pedido de um árbitro que queria os serviços de uma prostituta ou que o presidente de um clube receba em sua casa, para um «cafezinho», um árbitro que daí a dias vai dirigir um jogo do seu clube. Penso que ambas as coisa deveriam ser investigadas e punidas, no foro disciplinar, mesmo que arquivadas no foro criminal, como foram. Embora também não possa presumir a má-fé de Pinto da Costa, quando disse em depoimento que a visita do árbitro a sua casa foi inconveniente e não desejada por si, e embora também não seja tão ingénuo que não saiba ou não desconfie que os serviços sexuais aos árbitros ou as jantaradas de mariscos em restaurantes são uma prática habitual e disseminada por todos os clubes. Mas se os processos contra o FC Porto foram arquivados pelo Ministério Público é porque desde o início, como aqui escrevi, não se fez prova de duas coisas essenciais: nexo de causalidade e o móbil do suposto «crime». Ou seja, não se provou, antes pelo contrário, que aqueles árbitros tivessem beneficiado o FC Porto naqueles jogos. E, como era evidente, entendeu-se que era impossível demonstrar em tribunal, apenas com base na opinião dos benfiquistas ou sportinguistas, que o FC Porto de 2003-4, que era de longe a melhor equipa portuguesa de então, que jogava um futebol de encher o olho, treinada pelo melhor treinador português de sempre, que viria a ganhar o campeonato com mais de dez pontos de avanço sobre os seus rivais imediatos e viria a ser campeã da Europa, precisava de subornar os árbitros para ganhar em casa ao Estrela da Amadora ou fora ao Beira-Mar. Mas foi essa lenda que se alimentou durante ano e meio, através de «fugas» criteriosas do processo e extractos seleccionados das escutas telefónicas.
Sempre me perguntei porque é que ninguém falava de outros clubes e outras épocas, ainda mais recentes e pertinentes — como a época de 2004-5, em que o Benfica, sem jogar absolutamente nada, conseguiu ser campeão e entrar para o Guiness, através da proeza de, nos últimos dez jogos da época, marcar golos sempre e exclusivamente de «penalty» ou de livre à entrada da área, quase todos duvidosos e alguns escandalosos.
Mas eis que rebenta uma súbita zanga de comadres entre os sócios da Liga. Com Valentim Loureiro a negociar a sua própria sucessão na Liga, de forma a ficar com um pé dentro e o Benfica com os dois fora, a sociedade Benfica-Boavista estilhaçou-se e a mostarda subiu ao nariz do presidente do Benfica, e com razão. E, vai daí, começou ele a falar, dia sim, dia sim, do Apito Dourado, até que o Diário de Notícias de quarta-feira escarrapachava as escutas feitas à família Loureiro — cujo teor, não sendo logo integralmente desmentido, justificaria, se houvesse um pingo de vergonha, que eles se demitissem de todos os cargos que exercem nas horas seguintes.
E, sexta-feira, no Público, veio a vingança. Luís Filipe Vieira apanhado por tabela numa escuta feita a Valentim Loureiro, a escolher, sem pudor, o árbitro para uma meia-final da Taça e a dizer coisas tão sugestivas como «não quero mais esquemas nem quero falar muito» ou «não me quero chatear com isto porque eu estou a fazer isto por outro lado». Enfim, como ele próprio disse sem se rir, uma conversa que «revela o estado de espírito de um homem que pugna pela transparência e pelo rigor».
Mas o mais irónico ainda, é que a seguir o Público revelava uma conversa entre Pinto de Sousa e Pinto da Costa, que alguns bem intencionados se apressaram a declarar idêntica à conversa entre Loureiro e Vieira. Com estas diferençazinhas: enquanto Vieira recusava o árbitro indicado para o seu jogo, Pinto da Costa era confrontado com a recusa do árbitro por parte do adversário — o União de Leiria; enquanto que Vieira, a seguir, recusava mais quatro nomes indicados por Loureiro (nem ele nem a Liga tinham competência para escolher o árbitro dum jogo da Taça...) até aceitar o quinto, Pinto da Costa sugeria ao seu interlocutor um nome de consenso, a seguir propunha-lhe que escolhesse quem tivesse sido o melhor classificado e, finalmente, que escolhesse quem quisesse, que ele aceitaria qualquer um. E só para completar a história: nessa meia-final da Taça de 2004, o FC Porto apanhou um dos dois árbitros que mais o prejudicam habitualmente e, na final contra o Benfica, apanhou o outro — e ganhou o Benfica, sem justiça alguma.
Pois é, o Apito Dourado transformou-se em «Apito Desgovernado» e agora apita em todas as direcções. E cada vez menos na direcção programada.
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