A terceira Batalha de Ypres, durante a Primeira Guerra Mundial, terminou com a captura da povoação belga de Passchendale. O avanço do exército britânico saldou-se em nove quilómetros, e custou a vida a 240.000 soldados, durante um período de cinco meses.
A BATALHA•
O nome oficial da batalha é "3ª Batalha de Ypres", mas é universalmente conhecida como a Batalha de Passchendaele, pois ela foi uma série de escaramuças com um único objectivo, a tomada da vila de Passchendaele e os terrenos elevados a sua volta. Iniciou-se em 31 de Julho de 1917 com o ataque nas planícies do norte, em Pilcken à esquerda e a ravina de Gheluvelt à direita. As tropas em Pilcken seriam apoiadas por formações maciças de tanques e o ataque mostrou-se, inicialmente, bem sucedido mas, infelizmente, as tropas do flanco direito foram bloqueadas e falharam em alcançar o seu objectivo: conquistar a ravina Gheluvelt.
Às quatro da tarde começou a chuver. O tempo permaneceu chuvoso durante dias e as inundações tornaram o terreno proibitivo à operação blindada. Embora Haig tenha inicialmente proposto uma batalha curta, a fim de penetrar as linhas alemãs, isso era patentemente impossível embora ele ainda insistisse em continuar a batalha de Langemark ao norte. O General Gough, escolhido por Haig por ser um dos mais agressivos de seus generais de divisão, advertiu Haig que seria mais prudente cessar a batalha, mas a inflexibilidade do Comandante em Chefe das forças aliadas decidiu que ela continuaria por mais três semanas, até 26 de Agosto, a despeito das baixas paralisantes sofridas. Haig decidira mudar o eixo da batalha do Norte para o Leste e, quando o tempo bom finalmente chegasse, ordenar o assalto na ravina, propriamente dita. Ele também alterou seu estado-maior, e o General Plumer foi designado para a próxima ofensiva. Plumer, um dos mais astutos generais ingleses, era um advogado ferrenho dos avanços em pequena escala, sob protecção de barragens portentosas, que impediriam os contra-ataques alemães. Tal filosofia levaria a uma estupenda concentração de força em um frente relativamente limitado, o que facilitaria a troca de homens cansados e a distribuição de alimentos e munições. Os homens deveriam avançar atrás do abrigo de projécteis e seriam ocultados ao inimigo pela fumaça e detritos da barragem, entretanto, isto seria impossível se, por acaso, chovesse e o chão se tornasse uma massa de lama.
A Batalha da Estrada de Menim, em 20 de Setembro, foi a primeira das três famosas vitórias utilizando a nova táctica advogada por Plumer. Na madrugada daquele dia, depois de um bombardeamento de saturação de 5 dias, os Anzacs conseguiram realizar um ataque vitorioso com duas divisões australianas lado a lado e apoiadas por uma divisão escocesa à sua esquerda. Os australianos alcançaram a parte baixa, a floresta Poligonal, tal feito custou às tropas 5.000 baixas, sendo então rendidos. O terreno capturado foi consolidado e apoiado por uma linha-férrea e estradas vicinais foram rapidamente abertas a fim de possibilitar a rápida chegada de suprimentos à nova frente.
Em 26 de Setembro o tempo ainda estava bom e o chão tinha secado; neste dia a barragem de saturação de Plumer funcionou bem e os Anzacs puderam avançar, sob tal cobertura, muito rapidamente. A 4ª Divisão Australiana tomou então o restante da área da floresta Poligonal, ou o pouco que restava dela. Eles haviam, então, alcançado uma posição que os permitiria golpear a ravina principal de Broodseinde. A Batalha de Broodseinde teve lugar na madrugada de 3 de Outubro. As tropas australianas de assalto foram bombardeadas com morteiros pesados nas suas trincheiras e, conforme atingiam o topo, foram surpreendidas por tropas alemãs que avançavam sob cobertura do fogo de barragem; por coincidência as tropas inimigas haviam lançado um assalto ao mesmo tempo. Os alemães foram eventualmente rechaçados pela carga de baioneta calada dos australianos mas, entretanto, as metralhadoras alemãs causavam crescentes baixas e retiveram parte do ataque.
Depois da carga australiana, os alemães retiraram-se para sua trincheiras onde, junto às suas reservas, foram golpeados pela intensiva barragem inglesa, o que lhes causou severas baixas. A barragem direccionava-se profundamente nas linhas alemãs, e depois voltava-se para a posição australiana, que, sob cobertura, avançou e posteriormente capturou a colina em 4 de Outubro, um dia descrito por Ludendorff como "o dia negro alemão". Tendo os australianos alcançado o topo da ravina, possibilitou-os ver as linhas de retaguarda germânicas bem em frente. O único obstáculo ao seu sucesso era a vila ocupada de Passchendaele ao norte. Estas três vitórias esmagadoras foram creditadas ao sucesso da técnica "passo-a-passo" de Plumer e somente foram possíveis porque o tempo estivera seco, o suficiente para permitir à lama secar. Mas recomeçou a chover no dia seguinte, 5 de Outubro.
Não chovia torrencialmente, mas sim uma fina chuva persistente. Haig, porém, encorajado pelas três vitórias, ignorou a chuva e decidiu fazer mais uma tentativa de quebrar as linhas alemãs na cadeia montanhosa, advertindo a cavalaria para que esta estivesse pronta para seguir a investida e iniciar a perseguição. Ele ordenou aos Anzacs a tomada de Passchendaele em 9 de Outubro, mesmo com o aumento de intensidade da chuva. Aparentemente ele não conhecia as fraquíssimas condições do terreno, que o arame farpado ainda não havia sido cortado e que os alemães haviam substituído as suas tropas por novos homens, descansados, nas suas "relativamente secas" casamatas. As razões para prosseguir eram permitir às suas tropas passar o Inverno na ravina, sem que os alemães os pudessem alvejar e em condições "mais secas", uma vez que a linha de frente estaria além do pântano. Os australianos atacaram e, na Floresta Augusto, próximo a Tyne Cot, o Capitão Clarence Jeffreis organizou um grupo e assaltou umas das casamatas, capturando 4 metralhadoras e fazendo 35 prisioneiros. Ele ainda liderou outra carga, na próxima fortificação, mas foi morto por fogo de metralha. Foi-lhe conferida a Cruz da Vitória póstuma. De acordo com o Tenente John Laffin, todos os oficiais no seu batalhão foram mortos ou feridos naquele dia.
Incrivelmente e, principalmente pela bravura do Capitão Jeffreis, 20 homens alcançaram os destroços que eram parte da igreja de Passchendaele. Infelizmente os britânicos à sua direita não conseguiram apoiá-los e acompanhá-los, pelo que os australianos foram forçados a retirar, por todo o caminho percorrido, até o lamaçal da sua linha de frente original. Neste momento a sua artilharia já estava quase sem munições e os seus projécteis, ao serem disparados, enterravam-se na lama, causando pouquíssimo impacto ao inimigo. Mesmo assim Haig apegava-se à batalha, mesmo com a chuva e o frio que chegou em 12 de Outubro. Ordenou ainda mais um assalto, que estava destinado a falhar miseravelmente, com os homens esforçando-se por avançar com lama pela altura dos seus quadris e com os seus rifles emperrados. Este ataque custou às forças aliadas 7.000 baixas. Somente a 3ª Divisão Australiana perdeu 3.199 homens nas primeiras 24 horas da ofensiva. Os exaustos australianos finalmente recuaram, mas Haig estava patologicamente obcecado pela captura da vila de Passchendaele e ordenou aos canadianos que assumissem a batalha. Entretanto o General Elliot, um dos poucos do estado-maior de Haig que ainda mantinha o bom senso, recusou-se a mover as tropas enquanto o tempo não melhorasse e os suprimentos adequados não estivessem à disposição.
Eventualmente, a 6 de Novembro, os canadianos tomaram Passchendaele, ou o que restava da vila, e a batalha finalmente terminou. Pelas fotografias aéreas que foram tiradas de Passchendaele depois da batalha, estima-se que meio milhão de buracos de projécteis podiam ser vistos em meia milha quadrada da cidade. Era aí que, presumivelmente, Haig esperava que suas tropas passassem o Inverno. Mesmo alcançando o objectivo, ele foi inútil em termos do plano original: o ataque pelo mar a Nieuport foi abandonado e não havia esperanças de avançar contra os portos alemães da Mancha, que foram posteriormente bloqueados pelo almirantado através do afundamento de navios em Zeebrugge.• Passchendaele custou meio milhão de vidas nos seus três meses. Os alemães perderam aproximadamente 250.000 homens e os britânicos 300.000, dos quais 36.500 eram australianos. 90.000 corpos ingleses ou australianos nunca foram identificados, 42.000 corpos que explodiram em pedaços ou ficaram submersos na lama mortal, nunca foram recuperados. Muitos dos afogados eram homens exaustos ou feridos que desmaiavam ou caíam das tábuas (colocadas para a travessia pelos mares de lama) e não conseguiam escapar da massa malcheirosa, afundando-se para a morte enquanto lutavam para sobreviver.
Certamente Passchendaele resume a extraordinária bravura dos combatentes que tentaram o que era obviamente impossível, mas através de esforços sobre-humanos conseguiram cumprir com seus objectivos. Mesmo que seus esforços possam ser considerados inúteis pelos desmandos do Alto Comando, eles nunca poderão ser minimizados ou esquecidos.
Fonte deste artigo: por Geoffrey Miller em 1996
"I died in hell. They called it Passchendaele" - Siegfried Sassoon
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