F. A. Hayek costumava dizer que seria socialista se os socialistas fossem capazes de cumprir o que prometem.
Aceite a ironia, temos de reconhecer que Sócrates se tem revelado verdadeiramente socialista. Basta olhar para o aumento do desemprego ou para a subida da carga fiscal. Mas, estranhamente, João Cravinho, o herói da luta anti-corrupção – em entrevista à “Visão” (4. X.07) – diz: “Há anos que a governação em Portugal é neoliberal”, ainda que acrescente: “Não sou contra a ideia de que o privado possa fazer isto ou aquilo. Radicalmente diferente é aceitar os princípios neoliberais de que a Saúde e a Educação são problemas eminentemente privados ou, como se diz, de direito de escolha.”
Temos assim que, para o nosso herói, o direito de escolha serviu para o eleger, mas não serve para a Saúde e a Educação. Mas vamos à corrupção: será que o Cravinho das nacionalizações e de mais Estado – e mais recentemente das propostas da OTA e do TGV – não se dá conta de que esses são os ingredientes essenciais ao caldo da corrupção que diz querer combater?
Contradições que são um sinal do nosso tempo. Basta ver o eco que a sua luta teve nos media e até no discurso presidencial do 5 de Outubro. Ou o à vontade com que aqueles que com a “lei das rendas” arruinaram milhares de casas e de senhorios, “decretam” que sejam estes a pagar a “ruína” da Câmara de Lisboa. Ou ainda como nas cadeias, o Estado, embora continuando a considerar que a droga é ilícita, pretende fornecer seringas e apoio à injecção.
G. Stigler costumava estranhar como os economistas, da noite para o dia, deixaram de pregar a abstenção do governo para passar a recomendar a sua intervenção, e sem pararem sequer para pensar se algum governo teria capacidade para assumir de forma eficiente esses compromissos, antes dando-a como pressuposto.
Como se compreende que um Estado que se revela incapaz de cumprir a mais simples das tarefas, cobrar impostos – tendo para isso que contratar um “privado”, Paulo Macedo – seja o mesmo que pretende estar em todo o lado e em tudo remexer?
Um Estado que não garante segurança, mas quer corrigir o mercado e controlar os nossos excessos, sem cuidar dos seus, a começar pelo nível da despesa que alimenta o Monstro.
O orçamento costuma ser a este propósito o “momento” da grande contradição: entre uma visão pessimista e uma visão idealista da acção governativa, animada pelos melhores desejos e intenções. Uma visão que, embora em crise desde anos 60-70, continua pujante entre os nossos melhores jornalistas, basta ler o “desencanto” de Miguel Sousa Tavares (”Expresso” de 5. X.07) por ninguém se atrever “a terminar com a promiscuidade entre o Estado e os grandes negócios privados”. É verdade que MST até aceita subscrever a sugestão de Daniel Bessa de fixar um limite à cobrança fiscal em função do PIB, só faltou saber qual…
Mas talvez mais esclarecedor, por ter cunho existencial, é o texto de Ricardo Costa a propósito de Che, um assassino, mas também um “ícone único e fantástico”, quase nos pretende convencer como é bom adormecer como “romântico” e “aventureiro” para acordar a “empreender” com a economia de mercado.
Um outro sinal, talvez mais preocupante, deste conflito foi o pedido no discurso de D. José Policarpo para que o Estado reconheça a Igreja pelo serviço que presta, felizmente corrigido pela intervenção, em Fátima, de outro cardeal, Tarcisio Bertone.
Entretanto, as contradições continuarão a facilitar o saque de lugares no aparelho do Estado e nas empresas públicas (da RTP à CGD), a captura dos reguladores e a procissão de mordomias e labirintos fiscais que escondem a atribuição de contratos de milhões.
Houve um tempo em que a intervenção do Estado apelava a transcendentes ‘raisons d´État’. Agora já não se aspira a viver só no Estado, pretende-se viver do Estado. O que fundamenta a actuação conformadora e, por isso, mesmo potencialmente repressiva desse mesmo Estado. Aguarda-se o dia em que o cidadão viverá só para o Estado e com direito a parabéns do Sócrates da altura."
(*) José Manuel Moreira
Aceite a ironia, temos de reconhecer que Sócrates se tem revelado verdadeiramente socialista. Basta olhar para o aumento do desemprego ou para a subida da carga fiscal. Mas, estranhamente, João Cravinho, o herói da luta anti-corrupção – em entrevista à “Visão” (4. X.07) – diz: “Há anos que a governação em Portugal é neoliberal”, ainda que acrescente: “Não sou contra a ideia de que o privado possa fazer isto ou aquilo. Radicalmente diferente é aceitar os princípios neoliberais de que a Saúde e a Educação são problemas eminentemente privados ou, como se diz, de direito de escolha.”
Temos assim que, para o nosso herói, o direito de escolha serviu para o eleger, mas não serve para a Saúde e a Educação. Mas vamos à corrupção: será que o Cravinho das nacionalizações e de mais Estado – e mais recentemente das propostas da OTA e do TGV – não se dá conta de que esses são os ingredientes essenciais ao caldo da corrupção que diz querer combater?
Contradições que são um sinal do nosso tempo. Basta ver o eco que a sua luta teve nos media e até no discurso presidencial do 5 de Outubro. Ou o à vontade com que aqueles que com a “lei das rendas” arruinaram milhares de casas e de senhorios, “decretam” que sejam estes a pagar a “ruína” da Câmara de Lisboa. Ou ainda como nas cadeias, o Estado, embora continuando a considerar que a droga é ilícita, pretende fornecer seringas e apoio à injecção.
G. Stigler costumava estranhar como os economistas, da noite para o dia, deixaram de pregar a abstenção do governo para passar a recomendar a sua intervenção, e sem pararem sequer para pensar se algum governo teria capacidade para assumir de forma eficiente esses compromissos, antes dando-a como pressuposto.
Como se compreende que um Estado que se revela incapaz de cumprir a mais simples das tarefas, cobrar impostos – tendo para isso que contratar um “privado”, Paulo Macedo – seja o mesmo que pretende estar em todo o lado e em tudo remexer?
Um Estado que não garante segurança, mas quer corrigir o mercado e controlar os nossos excessos, sem cuidar dos seus, a começar pelo nível da despesa que alimenta o Monstro.
O orçamento costuma ser a este propósito o “momento” da grande contradição: entre uma visão pessimista e uma visão idealista da acção governativa, animada pelos melhores desejos e intenções. Uma visão que, embora em crise desde anos 60-70, continua pujante entre os nossos melhores jornalistas, basta ler o “desencanto” de Miguel Sousa Tavares (”Expresso” de 5. X.07) por ninguém se atrever “a terminar com a promiscuidade entre o Estado e os grandes negócios privados”. É verdade que MST até aceita subscrever a sugestão de Daniel Bessa de fixar um limite à cobrança fiscal em função do PIB, só faltou saber qual…
Mas talvez mais esclarecedor, por ter cunho existencial, é o texto de Ricardo Costa a propósito de Che, um assassino, mas também um “ícone único e fantástico”, quase nos pretende convencer como é bom adormecer como “romântico” e “aventureiro” para acordar a “empreender” com a economia de mercado.
Um outro sinal, talvez mais preocupante, deste conflito foi o pedido no discurso de D. José Policarpo para que o Estado reconheça a Igreja pelo serviço que presta, felizmente corrigido pela intervenção, em Fátima, de outro cardeal, Tarcisio Bertone.
Entretanto, as contradições continuarão a facilitar o saque de lugares no aparelho do Estado e nas empresas públicas (da RTP à CGD), a captura dos reguladores e a procissão de mordomias e labirintos fiscais que escondem a atribuição de contratos de milhões.
Houve um tempo em que a intervenção do Estado apelava a transcendentes ‘raisons d´État’. Agora já não se aspira a viver só no Estado, pretende-se viver do Estado. O que fundamenta a actuação conformadora e, por isso, mesmo potencialmente repressiva desse mesmo Estado. Aguarda-se o dia em que o cidadão viverá só para o Estado e com direito a parabéns do Sócrates da altura."
(*) José Manuel Moreira