AZERBAIJÃO, CAZAQUISTÃO E ABSURDISTÃO
O núcleo duro da União Europeia discute apaixonadamente há dois anos se a Turquia é ou não uma nação europeia e se, consequentemente, tem ou não direito a integrar o selecto clube dos, por ora, 27 membros. E enquanto a Europa política discute se a Turquia é europeia ou asiática, a Europa desportiva não tem dúvidas em estender o seu conceito de nação europeia vários milhares de quilómetros mais para leste, até ao Azerbaijão e Cazaquistão. Nem tanto ao mar nem tanto à terra, nem tão pouco para leste nem tanto para o fim do mundo: a Turquia é, como a história demonstra, tanto europeia quanto asiática; o Azerbaijão e o Cazaquistão não é por terem nascido do desmembramento do ex-império soviético, que ia de Riga, na Letónia, a Vladivostock, na costa do Pacífico, que passaram a ser nações europeias. A capital cazaque fica apenas a 260 quilómetros da fronteira chinesa — menos do que a distância do Porto a Lisboa e em plena Ásia Central. Não se percebe bem como é que a UEFA conseguiu descobrir estas nações «europeias» no coração do antigo império de Gengis Khan. E menos ainda se percebe quando se olha para os calendários do futebol europeu e facilmente se constata que eles estão saturados — de jogos e de viagens. Obrigar, como no caso da Selecção Portuguesa, à realização de 14 jogos de apuramento para o Europeu e com deslocações aos confins do mundo para jogar em relvados sem condições, é uma violência cujos efeitos se fazem depois sentir necessariamente na qualidade do futebol que interessa. Ao menos que fizessem, como na Champions, um pré-grupo de classificação, com todas as nações asiáticas, mais os casos exóticos, como S. Marino ou as Ilhas Faroe.
Também não consigo alcançar bem o interesse e a urgência das reformas propostas pelo presidente da UEFA, Michel Platini, para a Champions League. Por princípio, não consigo entender a necessidade de mexer no que está provadamente bem, e a Champions, depois de tactear uns tempos à procura do modelo certo, é hoje a mais competitiva, a mais prestigiante e a mais cobiçada de todas as competições futebolísticas. O seu êxito assenta exactamente no sistema de quotas — que, se privilegia os clubes dos países mais poderosos futebolisticamente, assegura, correspondentemente, os êxitos e audiências televisivas que fazem o seu sucesso. Sem o terceiro classificado de Inglaterra, Espanha ou Itália (e estamos a falar de equipas como um Arsenal, um Valência ou um Milan), em benefício do campeão da Eslovénia ou da Irlanda, a Champions deixará de ser a montra privilegiada do melhor futebol europeu de clubes. E as audiências e patrocinadores não podem senão recuar. É evidente que os pobres serão beneficiados e os ricos prejudicados com a reforma proposta por Platini. Sem dúvida. Mas aí, há que escolher claramente o que se quer: uma competição mais igualitária formalmente (e apenas formalmente) ou uma competição fundada essencialmente na qualidade. Um país, um voto; ou uma grande equipa, um voto. Acresce que se os ricos serão prejudicados e os pobres beneficiados, já os do meio não terão nada a ganhar com a reforma. A curto/médio prazo, se isto for por diante, Portugal perderá o direito à candidatura do terceiro classificado do campeonato e, logo depois, do segundo. Esperemos que os nossos homens na UEFA saibam justificar porque lá estão e não se distraiam na defesa dos interesses dos clubes portugueses (o Benfica, em especial, o mais beneficiado historicamente com os terceiros lugares, agradece o empenho).
Finalmente, a última parte da reforma proposta por Platini, a meu ver desfigura por completo a natureza e o historial único desta competição. Tanto a Champions como a sua antecessora, a Taça dos Campeões Europeus, têm como código genético desde sempre inscrito o facto de se tratar de uma competição reservada a clubes campeões ou que ficaram próximos. Premeia os melhores no campeonato, e não os vencedores de Taças, como agora se propõe. Incluir os vencedores de taças em detrimento de segundos ou terceiros classificados em campeonatos competitivos, significaria, bastantes vezes, apostar também numa diminuição da qualidade dos participantes. Mais uma vez, não entendo a necessidade de mudar o actual sistema, que assegura aos vencedores de taças o ingresso na Taça UEFA.
Esta teimosia de Platini (que, diga-se, já vem da sua campanha eleitoral), parece-me uma manifestação absurda de politicamente correcto que, seguramente, não vai defender o melhor futebol nem promover mais interesse e audiências.
Já que estamos no domínio dos absurdos, gostaria que alguém explicasse a necessidade de um jogador lesionado ao serviço de um clube e convocado para os trabalhos da Selecção, ter de se apresentar nesta apenas para ser dispensado logo depois. É claro que eu acredito que haja lesões «oportunas» e que dessas os responsáveis da Selecção tenham o direito de duvidar e de querer avaliar por si mesmos. Mas há outras que são públicas e notórias e que por vezes acontecem à vista de todos, no estádio ou na televisão. E há também, ou devia haver, um princípio de boa fé entre o corpo clínico de um clube e o da Selecção, que me parece que deveria ser corrente até prova em contrário. Por exemplo: que sentido faz obrigar um jogador que se lesionou à vista de todos — o Bosingwa — a ter de comparecer em Lisboa, no dia seguinte, apenas para receber a ordem, mais do que previsível, de regressar ao Porto por não estar em condições?
Mesmo em tempo de defeso originado pelos trabalhos da Selecção, os dirigentes sportinguistas não deram descanso ao seu disco rachado das lamúrias com as arbitragens. Muito gostaria eu, para pôr a coisa em pratos limpos, de os ver bombardeados com estatísticas reveladoras e comparativas com os dois outros rivais. Por exemplo, quantos jogadores adversários do Sporting foram expulsos nos últimos anos, em comparação com Benfica e FC Porto? E quantas expulsões houve de jogadores do Sporting? De quantos golos irregulares beneficiou o Sporting e os seus rivais, etc, ect.? Mas, felizmente, uma parte dessa lacuna foi preenchida recentemente com um trabalho de João Querido Manha, no Correio da Manhã. E logo acerca do mais importante — os penalties, sempre, sempre, tão reclamados pelos sportinguistas. Desse trabalho, fiquei a saber que, desde que o Século XXI é século, ou seja, nos últimos sete anos —, o Sporting beneficiou de 71 penalties para o campeonato, o Benfica de 48, e o FC Porto de 44. Ou seja, face ao FC Porto, o Sporting ultrapassou 60% de penalties a mais. Imagine-se como não seriam as contas se, além destes, tivessem sido assinalados todos aqueles que eles reclamam, semana após semana!
Pois é. A estatística é uma chatice: as melhores opiniões e as mais sólidas «verdades» morrem miseravelmente às mãos de uma vulgar estatística! Neste caso, ainda por cima, a estatística choca com outra realidade: é que é sabido e natural que, quem mais ataca, mais beneficia de penalties, por força da dinâmica do seu jogo ofensivo. E quem mais ataca é quem mais golos marca. Neste século, quem mais tem atacado e mais golos tem marcado é o FC Porto (à excepção daquele ano em que o Jardel, com a camisola do Sporting, só à sua conta beneficiou de 18 penalties).
É claro, porém, que nada disto serve para coisa alguma: o País inteiro viu e disse que o Katsouranis não meteu a mão à bola e eles lá continuam, impávidos, a debitarem a sua verdade de que o árbitro lhes roubou um penalty na Luz. E para a semana lá estarão a reclamar mais outro…
Esta lança (crónica) foi retirada do lisboeta e benfiquista pasquim A BOLA...