Para sobreviver, temos de criar a nossa própria contra-realidade.
Henry James
Quem, como eu, for um interessado por esta parte do mundo, só pode rejubilar ao descobrir (casualmente, na internet), um livro destes. "Ler Lolita em Teerão" é um documento notável sobre o processo de transformação de um País, outrora chamado Irão, que passou a denominar-se República Islâmica do Irão, bem como sobre o sofrimento e a opressão que tal mudança provocou na sociedade e em cada um dos seus indivíduos.
A estrutura do texto assenta nas considerações que Azar Nafisi, professora universitária de literatura, vai tecendo (em versão de aula aos seus alunos) sobre alguns dos mais significativos escritores de sempre e respectivas obras, e que constituem uma das paixões da sua vida, a par dos afectos, da liberdade e da beleza: Nabokov, James, Bellow, Austen, Fitzgerald... É através dos livros que esta professora e os seus mais brilhantes alunos se libertam, se iluminam, se confortam, se conseguem reconhecer melhor e melhor entendem o mundo, se perturbam e põem em causa, e é com eles que sacodem a indiferença e preservam o seu equilíbrio interior, numa sociedade que pretende reduzi-los a autómatos e, no caso das mulheres, a autómatos de segunda categoria.
Ao longo de 480 páginas, acompanhamos os passos e as perplexidades das alunas, mulheres feitas que sabem discutir Joyce e D. H. Lawrence com sapiência, mas a quem são estranhos os processos que lhes permitiriam sentir que se cumprem enquanto indivíduos: as relações homem-mulher, o exercício da cidadania e essa espécie de bem-aventurança a que chamamos felicidade. Vamos percebendo também que talvez não haja assim tantos inocentes e que a vitória dos Ayatollahs contou com uma cumplicidade generalizada, uma vez que, nessa época, até os estratos mais esquerdistas e seculares da população bramavam contra a influência satânica dos imperialistas ocidentais (é claro que os milhares que tiveram a coragem de se manifestar -e muitos, muitos outros, que não se manifestaram mas que, por qualquer motivo, aborreceram algum medíocre com poder-, acabaram na prisão para serem sumariamente executados).
Nafisi descreve-nos o regime que os esmaga e humilha, que os monitoriza até ao mínimo detalhe (a forma como andam como riem como se vestem como se relacionam), o regime que pretende roubar-lhes a dignidade, aniquilar toda e qualquer chama, controlar os seus pensamentos e emoções, até os transformar numa ordeira e inócua insignificância. Contudo, mesmo com uma versão islâmica de Big Brother a observá-los permanentemente, existe aquele luminoso espaço de liberdade que a literatura, com o seu sublime poder, mantém vivo: a imaginação, essa parte de nós que a tirania não consegue sufocar.
Sílvia, no Leitura Partilhada
Henry James
Quem, como eu, for um interessado por esta parte do mundo, só pode rejubilar ao descobrir (casualmente, na internet), um livro destes. "Ler Lolita em Teerão" é um documento notável sobre o processo de transformação de um País, outrora chamado Irão, que passou a denominar-se República Islâmica do Irão, bem como sobre o sofrimento e a opressão que tal mudança provocou na sociedade e em cada um dos seus indivíduos.
A estrutura do texto assenta nas considerações que Azar Nafisi, professora universitária de literatura, vai tecendo (em versão de aula aos seus alunos) sobre alguns dos mais significativos escritores de sempre e respectivas obras, e que constituem uma das paixões da sua vida, a par dos afectos, da liberdade e da beleza: Nabokov, James, Bellow, Austen, Fitzgerald... É através dos livros que esta professora e os seus mais brilhantes alunos se libertam, se iluminam, se confortam, se conseguem reconhecer melhor e melhor entendem o mundo, se perturbam e põem em causa, e é com eles que sacodem a indiferença e preservam o seu equilíbrio interior, numa sociedade que pretende reduzi-los a autómatos e, no caso das mulheres, a autómatos de segunda categoria.
Ao longo de 480 páginas, acompanhamos os passos e as perplexidades das alunas, mulheres feitas que sabem discutir Joyce e D. H. Lawrence com sapiência, mas a quem são estranhos os processos que lhes permitiriam sentir que se cumprem enquanto indivíduos: as relações homem-mulher, o exercício da cidadania e essa espécie de bem-aventurança a que chamamos felicidade. Vamos percebendo também que talvez não haja assim tantos inocentes e que a vitória dos Ayatollahs contou com uma cumplicidade generalizada, uma vez que, nessa época, até os estratos mais esquerdistas e seculares da população bramavam contra a influência satânica dos imperialistas ocidentais (é claro que os milhares que tiveram a coragem de se manifestar -e muitos, muitos outros, que não se manifestaram mas que, por qualquer motivo, aborreceram algum medíocre com poder-, acabaram na prisão para serem sumariamente executados).
Nafisi descreve-nos o regime que os esmaga e humilha, que os monitoriza até ao mínimo detalhe (a forma como andam como riem como se vestem como se relacionam), o regime que pretende roubar-lhes a dignidade, aniquilar toda e qualquer chama, controlar os seus pensamentos e emoções, até os transformar numa ordeira e inócua insignificância. Contudo, mesmo com uma versão islâmica de Big Brother a observá-los permanentemente, existe aquele luminoso espaço de liberdade que a literatura, com o seu sublime poder, mantém vivo: a imaginação, essa parte de nós que a tirania não consegue sufocar.
Sílvia, no Leitura Partilhada
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