Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

Ler Lolita em Teerão", de Azar Nafisi

Para sobreviver, temos de criar a nossa própria contra-realidade.
Henry James

Quem, como eu, for um interessado por esta parte do mundo, só pode rejubilar ao descobrir (casualmente, na internet), um livro destes. "Ler Lolita em Teerão" é um documento notável sobre o processo de transformação de um País, outrora chamado Irão, que passou a denominar-se República Islâmica do Irão, bem como sobre o sofrimento e a opressão que tal mudança provocou na sociedade e em cada um dos seus indivíduos.

A estrutura do texto assenta nas considerações que Azar Nafisi, professora universitária de literatura, vai tecendo (em versão de aula aos seus alunos) sobre alguns dos mais significativos escritores de sempre e respectivas obras, e que constituem uma das paixões da sua vida, a par dos afectos, da liberdade e da beleza: Nabokov, James, Bellow, Austen, Fitzgerald... É através dos livros que esta professora e os seus mais brilhantes alunos se libertam, se iluminam, se confortam, se conseguem reconhecer melhor e melhor entendem o mundo, se perturbam e põem em causa, e é com eles que sacodem a indiferença e preservam o seu equilíbrio interior, numa sociedade que pretende reduzi-los a autómatos e, no caso das mulheres, a autómatos de segunda categoria.

Ao longo de 480 páginas, acompanhamos os passos e as perplexidades das alunas, mulheres feitas que sabem discutir Joyce e D. H. Lawrence com sapiência, mas a quem são estranhos os processos que lhes permitiriam sentir que se cumprem enquanto indivíduos: as relações homem-mulher, o exercício da cidadania e essa espécie de bem-aventurança a que chamamos felicidade. Vamos percebendo também que talvez não haja assim tantos inocentes e que a vitória dos Ayatollahs contou com uma cumplicidade generalizada, uma vez que, nessa época, até os estratos mais esquerdistas e seculares da população bramavam contra a influência satânica dos imperialistas ocidentais (é claro que os milhares que tiveram a coragem de se manifestar -e muitos, muitos outros, que não se manifestaram mas que, por qualquer motivo, aborreceram algum medíocre com poder-, acabaram na prisão para serem sumariamente executados).

Nafisi descreve-nos o regime que os esmaga e humilha, que os monitoriza até ao mínimo detalhe (a forma como andam como riem como se vestem como se relacionam), o regime que pretende roubar-lhes a dignidade, aniquilar toda e qualquer chama, controlar os seus pensamentos e emoções, até os transformar numa ordeira e inócua insignificância. Contudo, mesmo com uma versão islâmica de Big Brother a observá-los permanentemente, existe aquele luminoso espaço de liberdade que a literatura, com o seu sublime poder, mantém vivo: a imaginação, essa parte de nós que a tirania não consegue sufocar.

Sílvia, no Leitura Partilhada

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