Em 2018 teremos, basicamente, a repetição da fórmula: aumento estrutural da despesa que é paga, em grande parte, com receitas conjunturais ou extraordinárias. E quando estas desaparecerem?
Raramente um único orçamento anual representa, só por si, a desgraça ou a salvação de uma economia. Mesmo os governantes mais empenhados e eficazes não conseguem, em 12 meses, fazer tantas asneiras ou ter tanta virtude de forma a mudarem de forma decisiva e duradoura o que quer que seja.
Isto acontece, em grande parte, porque cada orçamento recebe sempre uma herança a partir da qual é feito: um conjunto de leis que obriga a um determinado montante de transferências, um certo número de organismos e funcionários, níveis salariais, dívida para pagar, melhor ou pior capacidade de financiamento do Estado, estrutura fiscal, serviços contratados, investimentos em curso, etc.
Depois, há a conjuntura externa que nenhum ministro das Finanças controla e que tem impacto nas contas. E só depois disso, na margem relativamente estreita que resta, se reflectem as opções políticas, económicas e financeiras. É como conduzir um navio de grande porte: o destino perante qualquer obstáculo ou dificuldade foi decidido umas largas centenas de metros atrás e não no momento em que se está perante eles.
Recuando uns anos, diria que os Orçamentos de 2010 ou 2011 foram já pouco decisivos para a desgraça que nos haveria de ocorrer. O problema é que a longo de anos fomos acumulando desequilíbrios, patamares rígidos de despesa, compromissos para pagar e dívida para alimentar de tal forma elevados que mesmo com um ajustamento duríssimo nunca seriam revertidos num ou dois anos. Como, aliás, sentimos e continuamos a sentir.
Quando se olha para um exercício orçamental a questão é, então, a de tentar perceber o que é que cada governo está a fazer com os graus de liberdade que tem em mãos, não apenas para o ano em causa mas, também, para os que se seguem.
O Orçamento do Estado para 2018 é já o terceiro deste governo e permite-nos, por isso, olhar para a estratégia orçamental que está a ser seguida para além da espuma do curto prazo.
Este governo tem, notoriamente, a maior margem de manobra orçamental da última década. Não só recebeu um Estado com um défice já em torno dos 3% – embora à custa de impostos muito elevados e de cortes temporários e extraordinários na despesa – como beneficia de um ciclo positivo com a economia a acelerar, o desemprego a diminuir e as taxas de juro em queda nos últimos meses, fruto da confiança que o país foi reconquistando junto dos credores.
Em contrapartida, o Estado continua com uma dívida muito elevada e que continua a subir. Neste contexto, que é que tem sido feito?
Tem-se aumentado a despesa salarial da função pública e prestações sociais e reduzido impostos sobre o rendimento das famílias e para alguns sectores específicos, como foi o caso dos restaurantes.
Isto tem sido pago com o aumento de impostos sobre o consumo, cortes nas compras do Estado, cortes no investimento, poupança nos encargos com juros e algumas receitas extraordinárias como o perdão fiscal ou os dividendos do Banco de Portugal.
A conjuntura favorável tem permitido que, ano após ano, o saldo seja atingido e até com reduções do défice além do previsto, o que se aplaude. E isso tem sido conseguido com as permanentes correcções que vão sendo feitas na execução orçamental ao longo do ano, compensando os desvios provocados por derrapagens nalgumas despesas ou em alguns impostos. Foi assim em 2016 e está a ser assim em 2017.
Em relação a este ano, o relatório do Orçamento para 2018, apresentado esta sexta-feira, mostra que as despesas com pessoal deverão ficar 430 milhões acima das previsões. Pois, não há milagres. Voltou a aumentar o número de funcionários públicos – contrariando o compromisso feito com Bruxelas de admitir apenas um funcionário pora cada dois que saíssem – e a passagem do horário semanal de trabalho de 40 para 35 horas também aumentou a despesa.
As prestações sociais também estão cerca de 400 milhões acima do previsto.
Como é que isto está a ser compensado, de forma a conseguir-se mesmo um défice inferior ao previsto? Primeiro com uma receita de impostos que deverá ficar acima do previsto em cerca de mil milhões de euros. A carga fiscal, medida no seu peso na economia, vai subir e não descer, como o Governo disse há um ano.
Depois com a ajuda da factura de juros, que nenhum governo controla, que deverá ser 700 milhões inferior ao orçamentado. E também com mais um corte no investimento, que tem uma descida de 450 milhões em relação ao orçamentado.
E para 2018, o que decidiu o governo? Vai avançar o descongelamento das carreiras da função pública (211 milhões de impacto só em 2018), vão ocorrer novos aumentos extraordinários das pensões (154 milhões) e uma redução generalizada do IRS (490 milhões).
Isto vai ser pago com aumentos de impostos, sobretudo sobre o consumo, muito mais discretos do que o IRS (230 milhões), dividendos do Banco de Portugal (148 milhões), poupança em juros (307 milhões) e uma dita contenção – não confundir com corte – de outra despesa (480 milhões).
Temos, basicamente, a repetição da fórmula: aumento estrutural da despesa que é paga, em grande parte, com receitas conjunturais ou extraordinárias.
Não está em causa se o IRS deve ser reduzido – sim, deve, tal como o IRC e outros impostos -, se as carreiras na função pública devem ser retomadas ou se as pensões devem ser aumentadas, sobretudo as miseráveis pensões mais baixas.
O que está em causa, agora como no passado, é se o Estado e a economia podem suportar esses encargos de forma continuada, sem sobressaltos e sem hipotecar as condições competitivas e para a criação de riqueza no futuro. É que a generalidade dos aumentos de despesa ficam para os próximos anos e serão muito difíceis de reverter, como se viu no período da troika.
Agora estamos num período de crescimento económico, de juros mais baixos e de dividendos do Banco de Portugal que vão dando para pagar todas estas facturas. Mas, e daqui a dois ou três anos? Conseguimos pagar estas facturas se houver um abrandamento? E se os juros subirem dois ou três pontos? Não precisamos sequer se colocar em cima da mesa um cenário mais radical de uma crise financeira profunda.
Além disso, as margens de liberdade orçamental que agora dispomos não estão a ser aproveitadas para melhorar a posição competitiva do país. A carga fiscal volta a subir este ano, o desprezo pelas empresas e pelas suas condições de competitividade é evidente, o combate aos meandros da burocracia não existe e o Estado vai voltando a engordar, em vez de ganhar agilidade e eficiência. Continuamos sem uma cultura de regulação forte, a concorrência nos negócios é desvalorizada. Voltamos ao imobiliário. A taxa de poupança está em mínimos históricos.
As políticas públicas, com destaque para a orçamental, demitem-se de dar aos agentes económicos os incentivos certos para sairmos da letargia.
Virá o fim do ano, com o défice em baixa e toda a gente mais ou menos satisfeita, mesmo aqueles que pagam nas lojas os impostos que deixaram de pagar no IRS. As contas do ano batem certas e isso é que importa. Agora até a vaga de turistas ajuda a disfarçar as nossas eternas fraquezas.
E nem reparamos que o fardo está de novo a aumentar sem que alguma coisa mude ou se aprenda com os erros do passado recente. Este ano ainda podemos suportá-lo. Em 2018 talvez. E depois? Importam-se de explicar ou isso não é conversa que se tenha à mesa do orçamento? [ Paulo Ferreira ]
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