'Nortada' do Miguel Sousa Tavares
ATÉ À ÚLTIMA BATIDA
1- Há quatro ou cinco jornadas que me venho repetindo: isto só está ganho para o FC Porto depois do apito final do último jogo. Ao contrário do que disse Jesualdo Ferreira, não é fácil entender as razões de tanta instabilidade e tanta falta de consistência do futebol azul-e-branco. Pressão? Claro que há pressão, há sempre pressão quando se tem de ganhar um jogo e um campeonato, mas se há coisa para que o FC Porto está preparado desde há largos anos é para viver sob pressão.
Pelo contrário, eu penso que, se calhar, aquilo que tem faltado é a consciência da pressão de ganhar. Veja-se este jogo contra o Paços de Ferreira: desde os três minutos que os jogadores já sabiam que, como habitualmente, o Sporting estava a ganhar em Coimbra, fruto de uma oferta do adversário. Logo, desde os três minutos que os jogadores portistas sabiam que tinham de lutar pela vitória: o empate não apenas deixava as coisas mais complicadas, como era um resultado perigoso para manter até final. E que fizeram eles, face a isso? Nada. Passaram 20 minutos a trocar a bola displicentemente, sem pressa alguma, sem nenhum esforço para ligar minimamente uma jogada, e com alguns deles, como Lisandro (que época desastrada!), a jogarem tão mal que mais parecia terem caído ali por engano.
Então, sucedeu aquilo que já se tornou um hábito, desde os tempos de Co Adriaanse e desde que Helton agarrou a titularidade da baliza portista: nos jogos contra equipas mais fracas, fora de casa, quando o FC Porto não entra logo para matar, acontece invariavelmente que, no primeiro remate à baliza feito pelo adversário, sofre um golo. Mal batido no golo do Paços, Helton (que não foi o único culpado), confirmou uma suspeita que venho alimentando: que ele é um grande guarda-redes para uma equipa mediana como o Leiria, mas que não é guarda-redes para uma grande equipa, habituada a jogar ao mais alto nível.
A sua especialidade são as defesas impossíveis, que, numa equipa mediana, significam pontos e vitórias. Mas, numa grande equipa, só muito raramente o guarda-redes é chamado a defesas impossíveis. O que se lhe pede é que não falhe nenhuma das possíveis, que não cause sobressaltos no jogo aéreo ou com os pés, que saiba comandar a defesa e que transmita absoluta tranquilidade para que a equipa se possa ocupar livremente daquilo que mais tem de fazer: atacar e atacar.
No Leiria, Helton terá ganho inúmeros pontos para a equipa, graças às suas defesas; no FC Porto, lembro-me de algumas grandes defesas, mas não me lembro que alguma delas tenha segurado resultados.
A perder desde os 20 minutos, num campo pequeno de mais para o espaço que talentos como Quaresma e Anderson precisam, a ter de arrostar com duas enxurradas de granizo, uma em cada parte, eu cheguei a crer, durante uma hora a fio, que 2700 sportinguistas teriam de honrar a sua palavra e nunca mais voltarem a entrar num IKEA, comprando os seus móveis na indústria local de Paços de Ferreira. Diga-se que nunca mais o Paços acertou um remate na baliza — o golo, de livre, foi o único que acertou em todo o jogo —, mas que, se a bola não tem ido de encontro à perna de Adriano, o campeonato teria ficado perdido ali, submerso naquele lençol de água, com um ar de fatalidade quase natural.
Pelo que, meus amigos: se querem ser campeões para a semana, mudem de atitude radicalmente, desliguem os telemóveis aos vossos agentes daqui até domingo, respeitem a multidão que vos tem acompanhado jogo após jogo e deixem-se de desculpas com a pressão ou outras coisas mais próprias de equipas de derrotados, que não é o caso. Se querem ser campeões, até aos 20 minutos têm de estar a ganhar por 2-0 ao Aves e depois não podem descansar no resultado.
2 - Ano após ano, torci em vão pelo regresso do Leixões à I Divisão. Não apenas porque é do Porto (ou quase…), porque é um clube simpático e popular, porque tem uma massa de adeptos que merece o melhor, mas também porque o nome do Leixões faz parte integrante das minhas memórias de infância e juventude. 19 anos depois, ei-lo de volta e eu só desejo que para muitos e bons anos.
Também o Vitória de Guimarães faz parte das minhas boas memórias futebolísticas de sempre e, por isso, foi também por ele que eu torci este ano. E o Vitória de Guimarães, com uma falange de adeptos de uma dedicação e militância raras, bem merece também este regresso aos grandes. Não só pelos adeptos, mas também por uma outra razão: a dignidade com que encarou a sua descida impensável ao escalão secundário. E vale a pena, a propósito, comparar a atitude do Guimarães com a do Gil Vicente. O Guimarães desceu, sem um protesto, sem uma desculpa esfarrapada, com a consciência de que a descida fora merecida e de que só havia um caminho: trabalhar para um regresso tão rápido quanto possível. Trabalhou e acreditou até ao fim e teve a justa compensação. Agora, o Gil Vicente? O Gil Vicente quis transformar uma batota desportiva numa vitória de secretaria. Acicatado por um presidente populista, que os sócios transportavam aos ombros como herói, embalado nos malabarismos jurídicos de uma ilustre equipa de causídicos, o Gil convenceu-se que, mais depressa parava o futebol em Portugal do que órgão algum os obrigava a jogar na Honra. A arrogância e a cegueira litigante, sem qualquer traço de razão desportiva, foram tão grandes, que o presidente do clube nem recuou perante a irresponsabilidade de mandar a equipa faltar aos três primeiros jogos da Liga de Honra, só cedendo quando o treinador e os jogadores lhe fizeram ver que, a partir daí, iam todos para o desemprego. Resultado: o Gil perdeu logo de entrada a possibilidade de lutar pela subida em pé de igualdade com Leixões e Guimarães, por exemplo; o futuro financeiro e desportivo do clube é negro; o presidente-herói pôs-se ao fresco; e só os advogados parece que continuam a litigar — agora para que as faltas de comparência voluntárias não contem como tal, ao abrigo da interpretação adequada do parágrafo X, do artigo Y, da lei Z. E a verdade é esta: se, no final de tudo, o Gil for desaparecendo aos poucos, ninguém verterá uma lágrima por ele.
PS — O Conselho de Justiça, presidido por aquele ilustre magistrado que achou mais importante uma partida de bridge com os amigos do que dar uma sentença desportiva em tempo útil, concluiu (ainda na sentença do caso Quaresma), que «Ricardo Quaresma não tem registo de serviços relevantes prestados ao futebol português». A gente lê isto e fica sem saber se é de rir com a ignorância demonstrada, se é de ficar chocado com a pesporrência exibida. Mas há uma coisa que eu reafirmo, e ao contrário da opinião dominante: se eu mandasse, dispensava todos os ilustres juristas do futebol. A eles, sim, é que não consigo encontrar-lhes sinal de qualquer serviço relevante prestado ao futebol português.
ATÉ À ÚLTIMA BATIDA
1- Há quatro ou cinco jornadas que me venho repetindo: isto só está ganho para o FC Porto depois do apito final do último jogo. Ao contrário do que disse Jesualdo Ferreira, não é fácil entender as razões de tanta instabilidade e tanta falta de consistência do futebol azul-e-branco. Pressão? Claro que há pressão, há sempre pressão quando se tem de ganhar um jogo e um campeonato, mas se há coisa para que o FC Porto está preparado desde há largos anos é para viver sob pressão.
Pelo contrário, eu penso que, se calhar, aquilo que tem faltado é a consciência da pressão de ganhar. Veja-se este jogo contra o Paços de Ferreira: desde os três minutos que os jogadores já sabiam que, como habitualmente, o Sporting estava a ganhar em Coimbra, fruto de uma oferta do adversário. Logo, desde os três minutos que os jogadores portistas sabiam que tinham de lutar pela vitória: o empate não apenas deixava as coisas mais complicadas, como era um resultado perigoso para manter até final. E que fizeram eles, face a isso? Nada. Passaram 20 minutos a trocar a bola displicentemente, sem pressa alguma, sem nenhum esforço para ligar minimamente uma jogada, e com alguns deles, como Lisandro (que época desastrada!), a jogarem tão mal que mais parecia terem caído ali por engano.
Então, sucedeu aquilo que já se tornou um hábito, desde os tempos de Co Adriaanse e desde que Helton agarrou a titularidade da baliza portista: nos jogos contra equipas mais fracas, fora de casa, quando o FC Porto não entra logo para matar, acontece invariavelmente que, no primeiro remate à baliza feito pelo adversário, sofre um golo. Mal batido no golo do Paços, Helton (que não foi o único culpado), confirmou uma suspeita que venho alimentando: que ele é um grande guarda-redes para uma equipa mediana como o Leiria, mas que não é guarda-redes para uma grande equipa, habituada a jogar ao mais alto nível.
A sua especialidade são as defesas impossíveis, que, numa equipa mediana, significam pontos e vitórias. Mas, numa grande equipa, só muito raramente o guarda-redes é chamado a defesas impossíveis. O que se lhe pede é que não falhe nenhuma das possíveis, que não cause sobressaltos no jogo aéreo ou com os pés, que saiba comandar a defesa e que transmita absoluta tranquilidade para que a equipa se possa ocupar livremente daquilo que mais tem de fazer: atacar e atacar.
No Leiria, Helton terá ganho inúmeros pontos para a equipa, graças às suas defesas; no FC Porto, lembro-me de algumas grandes defesas, mas não me lembro que alguma delas tenha segurado resultados.
A perder desde os 20 minutos, num campo pequeno de mais para o espaço que talentos como Quaresma e Anderson precisam, a ter de arrostar com duas enxurradas de granizo, uma em cada parte, eu cheguei a crer, durante uma hora a fio, que 2700 sportinguistas teriam de honrar a sua palavra e nunca mais voltarem a entrar num IKEA, comprando os seus móveis na indústria local de Paços de Ferreira. Diga-se que nunca mais o Paços acertou um remate na baliza — o golo, de livre, foi o único que acertou em todo o jogo —, mas que, se a bola não tem ido de encontro à perna de Adriano, o campeonato teria ficado perdido ali, submerso naquele lençol de água, com um ar de fatalidade quase natural.
Pelo que, meus amigos: se querem ser campeões para a semana, mudem de atitude radicalmente, desliguem os telemóveis aos vossos agentes daqui até domingo, respeitem a multidão que vos tem acompanhado jogo após jogo e deixem-se de desculpas com a pressão ou outras coisas mais próprias de equipas de derrotados, que não é o caso. Se querem ser campeões, até aos 20 minutos têm de estar a ganhar por 2-0 ao Aves e depois não podem descansar no resultado.
2 - Ano após ano, torci em vão pelo regresso do Leixões à I Divisão. Não apenas porque é do Porto (ou quase…), porque é um clube simpático e popular, porque tem uma massa de adeptos que merece o melhor, mas também porque o nome do Leixões faz parte integrante das minhas memórias de infância e juventude. 19 anos depois, ei-lo de volta e eu só desejo que para muitos e bons anos.
Também o Vitória de Guimarães faz parte das minhas boas memórias futebolísticas de sempre e, por isso, foi também por ele que eu torci este ano. E o Vitória de Guimarães, com uma falange de adeptos de uma dedicação e militância raras, bem merece também este regresso aos grandes. Não só pelos adeptos, mas também por uma outra razão: a dignidade com que encarou a sua descida impensável ao escalão secundário. E vale a pena, a propósito, comparar a atitude do Guimarães com a do Gil Vicente. O Guimarães desceu, sem um protesto, sem uma desculpa esfarrapada, com a consciência de que a descida fora merecida e de que só havia um caminho: trabalhar para um regresso tão rápido quanto possível. Trabalhou e acreditou até ao fim e teve a justa compensação. Agora, o Gil Vicente? O Gil Vicente quis transformar uma batota desportiva numa vitória de secretaria. Acicatado por um presidente populista, que os sócios transportavam aos ombros como herói, embalado nos malabarismos jurídicos de uma ilustre equipa de causídicos, o Gil convenceu-se que, mais depressa parava o futebol em Portugal do que órgão algum os obrigava a jogar na Honra. A arrogância e a cegueira litigante, sem qualquer traço de razão desportiva, foram tão grandes, que o presidente do clube nem recuou perante a irresponsabilidade de mandar a equipa faltar aos três primeiros jogos da Liga de Honra, só cedendo quando o treinador e os jogadores lhe fizeram ver que, a partir daí, iam todos para o desemprego. Resultado: o Gil perdeu logo de entrada a possibilidade de lutar pela subida em pé de igualdade com Leixões e Guimarães, por exemplo; o futuro financeiro e desportivo do clube é negro; o presidente-herói pôs-se ao fresco; e só os advogados parece que continuam a litigar — agora para que as faltas de comparência voluntárias não contem como tal, ao abrigo da interpretação adequada do parágrafo X, do artigo Y, da lei Z. E a verdade é esta: se, no final de tudo, o Gil for desaparecendo aos poucos, ninguém verterá uma lágrima por ele.
PS — O Conselho de Justiça, presidido por aquele ilustre magistrado que achou mais importante uma partida de bridge com os amigos do que dar uma sentença desportiva em tempo útil, concluiu (ainda na sentença do caso Quaresma), que «Ricardo Quaresma não tem registo de serviços relevantes prestados ao futebol português». A gente lê isto e fica sem saber se é de rir com a ignorância demonstrada, se é de ficar chocado com a pesporrência exibida. Mas há uma coisa que eu reafirmo, e ao contrário da opinião dominante: se eu mandasse, dispensava todos os ilustres juristas do futebol. A eles, sim, é que não consigo encontrar-lhes sinal de qualquer serviço relevante prestado ao futebol português.
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