Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

O fim do eléctrico em Matosinhos. 23 anos de saudade dos “amarelos”

11 de Setembro de 1993 – Fim do eléctrico em Matosinhos


Dia 11 de Setembro de 1993. Um sábado cinzento e triste. Pouca gente em Brito Capelo. Comentários nada abonatórios contra os STCP, por parte dos utentes.

Neste dia de má memória em que infelizmente assistimos, pouco depois das 21 horas, saía do Mercado com destino a Massarelos, o “Amarelo” da linha “19”, com a matrícula, L-23-nº 223. Foi a derradeira viagem. Não mais voltou a Matosinhos!

O último “Amarelo” a percorrer os carris de Brito Capelo (ou a Rua dos Eléctricos), como era carinhosamente conhecida, foi conduzido por José de Sousa, tendo como Revisor, António Mendes Gonçalves


Também neste dia, terminou a linha n.º “1”, entre Matosinhos (Mercado) e o Infante. Aliás, nem sequer chegou a circular todo o dia, no “memorável” 11 de Setembro.

Como se sabe, o “19” foi substituído pelo autocarro, que tinha como ponto de partida o Mercado, terminando no Bolhão.

Ao fim de mais de um século de relevantes serviços a Matosinhos, o elétrico abandonava o Concelho, sem honra nem glória, depois do “Americano” e da “Máquina”, meios de transporte a que Matosinhos e Leça da Palmeira, e não só, muito devem no seu conhecimento e desenvolvimento, pesem embora os desacordos habituais, vindos de pessoas que, muito certamente, não conhecem a história (rica) do Concelho, e destes meios de transporte, que transportou dezenas de gerações de cidadãos. Senão, atente-se neste “naco” bem elucidativo: … «E portuensesinho há que passa todo o santo ano debaixo do édredon, sem pôr os pés no Passeio Alegre.

No pino do verão, então, sim senhor, salta para o primeiro carro eléctrico que encontra e vai tomar o seu sorvete… de ar.

Com efeito, em plenas canículas, nessas tardes mornas em que o Porto anda com a língua de fora à cata duma fresca, a apelação mais suprema, mais barata, mais sumária, mais infalível é para um carro eléctrico da linha marginal que leve na bandeirola traçado este destino: Leça!

Enquanto muda o troley e retrocede da Praça Almeida Garrett, o carro é tomado que nem pano de muralha mal defendida; nas próprias plataformas há um aperto de capela em dia de festa» … (Joaquim Leitão/ «Guia Illustrado da Foz, Matosinhos, Leça e Lavadores» -1907).


Um pouco de história

Em 1873 veio ao Porto Lady Jackson, uma inglesa bastante atenta a tudo, e que não deixa de experimentar os carros “americanos”: «São extremamente cómodos; percorrem as duas milhas que medeiam entre o Porto e este Arrabalde (a Foz) quase no terço do tempo que leva ordinariamente uma carruagem de aluguer. O preço da passagem é seis vinténs. Os carros são espaçosos e arejados, sem sol nem poeira: toda a gente os frequenta. Começaram a circular no ano passado, segundo me dizem, e têm tido grande êxito.

Alguns destes americanos param na Rua dos Ingleses (actual Infante D. Henrique), na parte mais baixa da cidade, enquanto que outros levam os passageiros «acima», ao topo do monte, perto da Misericórdia.

Vale bastante a pena de seguir para este último ponto; a rampa é tão forte que duas ou três vezes vi senhoras apearem e preferirem caminhar ao sol e ao pó, com medo de que os carros se despenhassem. Mas tal acidente nunca se deu» …

Lady Jackson refere-se à Rua da Restauração, por onde subia o “americano” desde o cruzamento de Massarelos até ao Jardim da Cordoaria, “onde uma nuvem de poeira” avisa que o «americano» está a chegar.

A jornada de Matosinhos até à parte superior da cidade termina à entrada deste jardim.

Espera-o muita gente. Vem completamente cheio, mas tão depressa descarrega a sua carregação de banhistas da Foz, que se enche de imediato e parte» …

… «A estrada da Foz segue junto ao rio e na maior parte à sombra de altas e frondosas árvores».

«É uma estrada cheia de vida; assim tivesse menos pó, que forma sobre ela uma nuvem contínua, em consequência do trânsito constante dos carros de bois, passando e repassando, de cavalgaduras, de pequenos carros de cortinas com gente da província, ou banhistas que não chegaram a tempo ou não acharam lugar nos «americanos».

De dez em dez minutos, ou de quarto em quarto de hora, passa um destes “americanos” com grande rapidez, correndo docemente pelos rails».

Não se esquece de nos dizer que em Massarelos se juntam «mais duas guias» para os carros que vão “acima ”- refere-se ao reforço de mais uma parelha de mulas – eram os «sotas» usados em todas as ruas inclinadas.

Depois da Foz, «o americano que conduz a primeira carrada de banhistas, segue depois para aquela formosa vila, ou povoações gémeas (Matosinhos e Leça) que distam da Foz milha e meia»

… É de uma beleza contínua quanto se avista em todo o comprimento da estrada» …

… O estrídulo tinir da campainha avisa os habitantes de Leça e Matosinhos que o «americano» vai largar. Regresso no mesmo à Foz, sigo até à Cordoaria e retrocedo; deste modo passeio todas as manhãs oito ou nove milhas, que se andam em hora e meia, por dois shillings-de um cabo a outro, percorrendo o cenário sempre novo e sempre encantador do Majestoso Douro e das alpestres ribas para além da Foz» …

… Algumas vezes cheguei ao carro no momento em que partia, já todo ocupado.

O condutor abria a porta e dizia: «uma senhora quer entrar» -imediatamente, erguiam-se 3 ou 4 cavalheiros, e eu sentava-me no lugar do sujeito mais próximo, o qual, cortejando-me, saía para fora. Um inglês decerto não se levantaria para que uma mulher se sentasse no seu lugar; e provavelmente, quando as portuguesas, lá no futuro, se emanciparem…» Excertos de «A Formosa Lusitânia» / Lady Jackson / Tradução de Camilo Castelo Branco).

No Porto restam apenas três linhas de eléctricos: o “18”, entre o Carmo e Massarelos; O “1” que liga o Infante ao Passeio Alegre; e o “22” que parte do Carmo, terminando na Rua Augusto Rosa (Batalha), junto da entrada para o Funicular dos Guindais.

Falou-se já (e mais do que uma vez), no regresso do elétrico a Matosinhos, tudo dependendo de opções políticas (digo eu).

Mas sou como S. Tomé: ver para crer!

Contudo, estou em crer que, em face de tantas indefinições, sobre esta matéria, já não farei parte do mundo dos vivos. Mas lá que parto com pena, lá isso parto...


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