“Enquanto na Europa a democracia está a falhar, na Venezuela a democracia participativa tornou-se num sinal de identidade” – dizia, em 2013, o Partido da Esquerda Europeia, ao qual pertence o Bloco de Esquerda. Claro, esta “identidade” da “democracia participativa” apenas é engraçada quando o povo vota na esquerda. Nos últimos dias, o povo mostrou a sua “identidade” democrática, só que para pedir o fim do regime de Nicolas Maduro.
Numa das manifestações saíram 1,2 milhões de pessoas à rua, só na capital, Caracas, mas o regime não mostra sinais de querer ceder aos mesmos valores que os esquerdistas europeus tanto elogiavam. Aliás, o regime passou a operar de forma ditatorial às claras, enquanto anteriormente funcionava como um regime autoritário disfarçado.
O Presidente da Venezuela, efectivamente, retirou de forma inconstitucional todos os poderes à Assembleia Nacional, não tendo sequer submetido o Orçamento do Estado a votação pelos deputados. Os ministros são convocados para prestar declarações às comissões da legislatura e não comparecem. O regime chegou a desligar a electricidade da Assembleia várias vezes.
Tudo isto porque a Assembleia é hoje composta, em dois terços, por elementos da oposição. O facto de os deputados terem sido sufragados em eleições livres – embora apenas porque o regime pensava que tinha os resultados “controlados” – não impede Nicolas Maduro de decretar que essa eleição corresponde a um perigoso “golpe de direita”. E o Partido da Esquerda Europeia concorda, tendo “condenado a tentativa de golpe parlamentar na Venezuela” e decretado a sua “solidariedade com o povo venezuelano”, o mesmo que está nas ruas a exigir a queda de Maduro e da sua “revolução bolivariana”.
Mas os representantes do Partido da Esquerda em Portugal não partilham o entusiasmo dos seus camaradas europeus, em grande parte devido ao acordo parlamentar com um partido dito moderado. Mariana Mortágua afirmou mesmo que não lhe “custa nada condenar a falta de democracia na Venezuela” (mas não existia uma “identidade” de “democracia participativa”?), tendo depois, no entanto, deflectido logo a questão para Angola de forma a bater na “malvada direita”, ignorando certamente que foi o seu sector político que entregou Angola aos senhores do actual regime.
Agora que o “bolivarianismo”, o “chavismo” e o “madurismo” começaram a entrar em colapso, os defensores portugueses do regime criado por Hugo Chávez – alguns dos quais chegaram a fazer queixas deste jornal aos reguladores, insistindo em que o regime de Caracas não é uma “ditadura” – têm estado bastante mais sossegados.
Pergunta-se onde se encontra o mesmo BE que em tempos defendia com unhas e dentes o regime venezuelano contra “os principais meios de comunicação dos Estados Unidos, espanhóis, e os da direita latino-americana” que tinham o malévolo objectivo de espalhar a “ideia de que estamos perante um ‘Estado falido que atravessa uma crescente deriva repressiva”.
António Costa, pela sua parte, tenta não atrair muitas atenções para as fortes ligações que José Sócrates criou entre o regime venezuelano e o Partido Socialista. Sobre a recente crise, o secretário-geral do PS limitou-se a afirmar estar atento à situação da comunidade portuguesa no país. É muito pouco, considerando que o seu antecessor chegou a ter direito a um cartaz de propaganda em que aparecia ao lado de Hugo Chávez, como “prova” de que a Venezuela comunista conseguira “romper o bloqueio” dos malévolos capitalistas.
Durante um período de tempo bastante alargado, Portugal emergiu como um dos maiores aliados da ditadura bolivariana. Computadores “Magalhães”, edifícios, barcos, tudo era para ser exportado para um país onde hoje o povo nem consegue comprar pão. Não surpreende que as relações com a Venezuela constem das investigações da Operação Marquês: afinal, em 2014, segundo o jornal Público, cerca de 30 por cento das vendas do Grupo Lena vieram da Venezuela.
Somente o PCP, pressionado eleitoralmente pelo Bloco e possivelmente com um olho nas eleições autárquicas, se mantém igual a si mesmo. No caso da Venezuela, os comunistas defendem, como sempre, o “controlo público de sectores estratégicos”, como afirmou um deputado europeu do PCP, em Maio passado, quando defendia o regime venezuelano no Parlamento Europeu. Estas propostas, no entanto, têm-se mostrado largamente impopulares, como aliás revelou o burburinho causado pelas declarações polémicas (mas muito ao estilo venezuelano) de Mariana Mortágua perante um evento do PS. Impopularidade que não assenta bem a um partido que chegou a defender em 2014 o Surf como uma disciplina obrigatória nas escolas.
Tanto o Partido Socialista como o Bloco querem fugir da conotação com políticas que fracassaram de tal forma que atiraram um país inteiro para a mais profunda das misérias.
Segundo a organização internacional “Human Rights Watch”, a mortalidade infantil na Venezuela disparou e 76 por cento dos hospitais não têm antibióticos, analgésicos ou seringas. Pessoas diagnosticadas com doenças crónicas, ou até com simples apendicites, enfrentam hoje verdadeiras sentenças de morte. O tempo médio de espera nas filas para comprar comida nos supermercados nacionalizados é de sete horas. A organização considera que as medidas de “emergência” adoptadas pelo presidente Nicolás Maduro, “herdeiro” de Hugo Chávez, ainda prejudicaram mais a situação, mas ele parece estar mais preocupado em acusar os “ianques” e os “imperialistas” de “sabotagem económica”.
O PS age pelo silêncio sepulcral em relação a todo o caso, enquanto o BE já nem considera a Venezuela como um país socialista ou pertencendo ao clube dos países geridos segundo o chavão “Socialismo do Século XXI”. Uma enorme transformação desde 2013, quando o Bloco aplaudia de forma emocionada o papel de Hugo Chávez “na luta contra o imperialismo e contra o FMI”.
Em Espanha, o Podemos, em parte financiado e inspirado pelo regime venezuelano, não conseguiu ir além do terceiro lugar. Na Grécia, o Syriza, que os esquerdistas portugueses também aplaudiram de pé antes de o abandonarem, encontra-se muito atrás nas sondagens em relação aos conservadores do Nova Democracia. No Brasil ainda se tentou montar um burburinho em redor do alegado “golpe” para derrubar Dilma, mas o certo é que o novo Governo está a funcionar dentro da normalidade, enquanto o Partido dos Trabalhadores sofre derrota atrás de derrota nas urnas. Agora também a Venezuela está a desaparecer do mapa dos activistas e partidos de esquerda.
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