Alberto Castro, Professor universitário
Para os nortenhos da minha geração, a Galiza foi sempre uma terra de encantos. Antes do 25 de Abril não se falava tanto de Galiza mas de Espanha isso de autonomias era coisa de que nem Franco nem Salazar gostavam. Ainda criança, lembro-me de o meu pai me explicar o estranho linguarejar de um velho numa bomba de gasolina: falava Galego. Era assim uma espécie de Português antigo! E recordou-me as raízes comuns e o afastamento associado ao percurso próprio de Portugal, após a independência.Ir a Tui ou Vigo era epopeia de um dia. Com as estradas e os carros de então, ir a Santiago era empreitada para um fim-de-semana. A Corunha, essa, era mesmo no fim do mundo, como que a fazer justiça à designação de Finisterra. Saía-se cedo e faziam-se apostas quanto ao número de carros que íamos apanhar na bicha da fronteira. Faziam-se compras, almoçava-se bem, deslumbrávamo-nos com as rias e os monumentos. O regresso tinha sempre o momento de "suspense" do controlo aduaneiro. O coração batia mais forte quando o guarda abria a mala, espreitava para dentro do carro, verificava se os pneus eram novos. Quando se ouvia o ansiado "pode seguir", e a fronteira desaparecia na primeira curva, era a algazarra. As diferenças entre as duas regiões não pareciam muitas.
Mais tarde, quando me interessei pelas coisas da economia, os números confirmaram isso mesmo, embora a vantagem pendesse para o lado de cá. E assim foi sendo, mesmo já depois do 25 de Abril, com os economistas portugueses a serem convidados para explicar o milagre português, nomeadamente a baixíssima taxa de desemprego, uma moléstia que tanto afligia os nossos vizinhos. Com a chegada da democracia a Espanha, os desejos de autonomia de algumas regiões, entre as quais a Galiza, reacenderam-se e obtiveram consagração.
Do lado de cá, havia as regiões-plano e as respectivas comissões de coordenação. Os intercâmbios entre o Norte e a Galiza intensificaram-se e as assimetrias de poder de decisão começaram a vir ao de cima. Enquanto do lado de lá uma discussão podia acabar com a fixação de um objectivo e um orçamento estipulado, do lado português elaboravam-se relatórios para os vários ministérios de tutela. E ficava-se a aguardar. O que se conseguia era, muitas das vezes, o resultado do empenho dos sucessivos presidentes da CCDR. A eles e a um punhado de militantes sonhadores se deve o facto de a cooperação não ter morrido e ter construído história e ganho reputação.
Feita a aprendizagem, a Xunta começou a ser cada vez mais dinâmica e ambiciosa. Internamente e no plano da cooperação transfronteiriça. E continuou a ter interlocutores que assinavam por baixo no plano das intenções e esperavam que o governo central fosse solidário.
Entretanto, a Galiza acelerava. Igualava-nos e, na mesma passada, ultrapassava-nos. Não obstante aquilo que, já na altura, parecia evidência suficiente, no referendo para a regionalização, os "entendidos" menorizaram a experiência espanhola que chegou mesmo a ser criticada. Desde aí, Portugal assistiu, impávido e sereno, do cimo da sua racionalidade centralista e centralizadora, à cavalgada espanhola. Para a qual todos reconhecem que contribuíram, decisivamente, a emulação entre as autonomias, a capacidade que os governos respectivos tiveram de interpretar as necessidades e os anseios dos seus vizinhos, também eleitores, e de desenhar estratégias que se ajustassem às suas capacidades, competências e desejos. A determinação, a ambição e a capacidade de decidir fizeram o resto.
Será que da próxima vez ainda haverá a coragem de negar a evidência?
Quando estão em jogo interesses instalados, nunca se sabe!
Publicado no "Em Suma"
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