Não há dúvida que Rui Rio tem sido hábil ao projectar no país uma imagem de desafio aos poderes fácticos da cidade do Porto. Porém, para quem acompanha a realidade política local, nada é mais falso. No que diz respeito à cultura, o discurso de menorização e asfixia dos agentes locais insere-se na hipotética ruptura com a «subsidiodependência» e de implosão de espectáculos que supostamente não têm públicos. Sucede que isso é contrário à verdade e é pena que algumas pessoas o aceitem sem confrontar os dados existentes. De resto, a cultura tem sido um autêntico bode expiatório para o atestado de óbito que a gestão de Rui Rio tem passado ao Porto. O urbanismo e a acção social, duas das suas bandeiras, são uma ficção. E quem vive no Porto nota a diferença dos últimos anos, com toda esta falta de dinamismo, de esperança, de mobilização.
Antes de mais, tudo começa por questão de opção política. É uma opção política investir ou não num pelouro da cultura forte, como aconteceu com Manuela Melo durante os executivos de Fernando Gomes, tal como é uma opção política investir em corridas de automóveis como um paradigma cultural com Rui Rio. Salvaguardar isso com critérios económicos é totalmente demagógico, porque as estatísticas dizem exactamente o oposto. E, para além disso, as valências de um equipamento como o Rivoli têm um papel fortíssimo no âmbito da formação de públicos e de pluralidade cultural que é mutilada com toda esta acidez populista.
As poucas estruturas culturais de vulto que permanecem na cidade só assim se mantêm porque estão no universo do Ministério da Cultura e não da CMP. Porque para além do Rivoli, certamente o mais mediático, recordo que a desconfiança -- a perseguição? -- de Rui Rio em relação à produção cultural da cidade já teve muitos outros episódios: o FantasPorto e a Feira do Livro do Porto ameaçaram uma transferência para Gaia, a direcção do FITEI (Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica) anunciou que o festival deixará de ocorrer no Porto por bloqueios da autarquia, a Árvore denunciou a violação de acordos estabelecidos, a Seiva Trupe diz que a política da câmara para o Teatro do Campo Alegre provoca um subaproveitamento dos espaços e afasta as companhias por causa dos elevados preços do aluguer da sala, a Casa Cinema Manoel de Oliveira está estagnada e a placa identificadora na porta já foi retirada, vários galeristas de Miguel Bombarda já optam por Lisboa devido à ausência de uma política camarária para a zona e, de uma forma geral, a asfixia alastra a todos os sectores: a total incapacidade de articular qualquer acção consequente com a Universidade do Porto é simplesmente uma outra face da mesma moeda.
Mas vejamos a audiência do Rivoli e as mentiras da câmara. Segundo o Jornal de Notícias, entre 2001 e 2005, o teatro nunca teve menos de 126 mil espectadores. Ou seja, contrariamente à propaganda camarária, a média foi de 345 espectadores diários em 2002 e 500 em 2005: por dia, repito. Mais ainda, e citando o JN, ficamos a saber alguns dados por espectáculo:
«(...) Em Março de 2003, por exemplo, o Plástico apresentou a peça "XY", tendo obtido 461 espectadores em cinco sessões. A leitura do programa apresentado no período referido não permite demonstrar os propalados baixos níveis de audiência, mas revela que entrega do Rivoli a um único produtor implica a perda da diversidade cultural que, até então, foi ali apresentada.
A dança contemporânea perde o palco. Em 2003, a coreografia "Quebra-Nozes", do Centro de Dança do Porto, vendeu, em dois dias, 1710 bilhetes. O Novo Circo, referência do Rivoli, perde também o espaço. A companhia francesa "Compagnie du Singulier" ganhou uma plateia de 426 espectadores. No jazz, Chick Corea, que recentemente esgotou o auditório da Casa da Música, esteve há quatro anos no Teatro Municipal. Sobraram dois lugares. O FIMP, Festival de Marionetas, superou os mil bilhetes vendidos. (...)»
Mas mais interessante será constatar que os prejuízos do Rivoli vieram -- oh, pasmem-se só um pouco -- com Rui Rio. Os relatórios de contas existem para quem os queira consultar, o Manuel Jorge Marmelo já os noticiou na imprensa e importa salientar três pontos:
- Em 2002, já com Rio mas com um orçamento feito por Manuela Melo, o Rivoli teve quase um milhão de euros de resultado positivo.
- Entre 2001 e 2005, os resultados da bilheteira do Rivoli cresceram continuamente, não obstante o desinvestimento da autarquia.
- Rui Rio disse que ia «poupar» 10,9 milhões em quatro anos com a privatização do Rivoli mais os espectáculos patuscos do senhor La Féria. Acontece que esse valor corresponde ao total da verba atribuída à Culturporto em quatro anos (2001-2005), o que inclui não só o Rivoli como toda a animação da cidade. E esse dinheiro é agora transferido para a Porto Lazer, uma empresa que serviu para acomodar os seus correligionários certamente esquecidos na «moralização» das contas da autarquia.
Sobre este último ponto, aliás, relembro que quando Rio Rio criou a Porto Lazer afirmou que todas as pessoas da Culturporto transitiriam para a nova estrutura, «à excepção das que não gostam de trabalhar». Isto não só é inacreditável, como traduz toda a dimensão de um populista rasteiro. Rui Rio tem uma visão pequena e provinciana desta cidade e o vereador que está no pelouro da cultura -- alguém sabe dizer-me o nome sem consultar? -- deveria ter a dignidade para o extinguir. Para se extinguir. Porque de uma forma ou de outra, no meio das variedades em que a cultura do Porto tem vindo a transformar-se, já nos tentaram fazer passar por palhaços. É a vez deles.
via KONTRATEMPOS
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