António Marques converteu-se à regionalização, por entender que é mais fácil decidir conhecendo os problemas concretos das regiões. O presidente da Associação Industrial do Minho lança, contudo, um alerta é preciso criar uma rede institucional que ajude a resolver os problemas do Norte.
Jornal de Notícias Os indicadores económicos dão o Norte num estado quase comatoso. As razões para o atraso nortenho são estruturais ou conjunturais?
Há dois caminhos paralelos responsáveis primeiro, a parte que compete aos poderes públicos centrais. Há meios com centralização exacerbada no país, e até a transferência de alavancas para Sul. Leva a que a região, por isso, não tenha meios para atacar as causas desta perda de importância e de competitividade. A outra parte compete às instituições e à sociedade civil. Ao Norte e a nós. Não vale a pena estar sempre a dizer mal de Lisboa. É preciso construir alternativas, saber o que queremos para a região. E isso compete às associações, às universidades, às autarquias e às empresas. O QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional), por exemplo, poderá disponibilizar meios, mas é preciso que alguém tome a decisão política para canalizá-los para as necessidades. E há uma incompetência a Norte para criar uma rede de cooperação entre actores, as instituições e a sociedade civil… No Norte as pessoas unem-se para protestar, mas não para apresentar soluções.
Há cerca de três anos disse, em Braga, que o Governo não pode continuar a ignorar o Minho e o Norte. O Governo entendeu o recado?
Acho que não, porque não há liderança a Norte e, pior, há uma fragilidade da rede institucional na região. Os actores são convidados a desunirem-se - há um subsídio para aqui, um programa acolá, uma iniciativa ali… Qualquer Poder faz isso deliberadamente - dividir para reinar. As autarquias não se entendem, nem as associações, as universidades só agora começam a trabalhar em conjunto, as empresas não trabalham com as universidades, as universidades acham que os empresários não estão lá… Além da ausência de liderança, conjugada com a fragilidade da rede institucional, o processo de descentralização parou. Está moribundo, ou aliás, está ao contrário fecham Urgências, Centros de Saúde, serviços regionais, o que tem implicações muito negativas.
A falta de liderança a Norte assenta na ausência de protagonistas ou na falta de concertação de eventuais protagonistas?
As duas coisas. Por isso é preciso legitimar um poder político mais regional, mais próximo. É necessária a regionalização.
Há cerca de três anos, era absolutamente contra…
Fui um dos que assumidamente mudaram. É preciso legitimar o poder político local, o que só se consegue através da regionalização. Porque é mais fácil decidir conhecendo os problemas concretos, estando mais próximo de quem se terá de responder politicamente. As entidades que decidem sobre as regiões não as conhecem. É por isso que as políticas públicas parecem, por vezes, um contra-senso, pouco adequadas às regiões e às suas especificidades.
Regionalização para quando e com que modelo?
Qualquer modelo serve, desde que se faça. Legitimar o poder político através da regionalização é decidir mais próximo das pessoas; mas a auditoria e o controlo não devem estar nas regiões. Quem decide terá de ser uma entidade, e quem audita e controla outra completamente distinta, porque terá de ser mais fria, mais distanciada. Esta é a melhor garantia. Espero que este Governo, assente numa maioria PS que há muito defende a regionalização, tenha coragem. O PSD, principal partido da Oposição, parece também de acordo.
Ainda que a regionalização venha a acontecer, já não será tarde para o QREN?
O QREN, que vai até 2013, já devia estar em execução, mas ainda há políticas e regulamentos em falta. Por culpa dos poderes públicos, não das regiões. Se não podemos fazer a regionalização tão rapidamente quanto o desejável para aproveitar os fundos, temos de colocar na região grande parte das decisões, sobretudo para que haja meios, e articuladamente, instituições para, por exemplo, alterar a base económica da região Norte, ainda demasiado assente em sectores tradicionais, como o têxtil e o calçado. Há que ajudar os sectores emergentes através de políticas públicas.
Aparentemente, foi essa mudança que fez a Galiza crescer a um ritmo muito mais acelerado do que o todo espanhol e até comunitário.
A Galiza era uma região paupérrima, muito atrás de Portugal. Deu o salto quando teve um homem forte politicamente, como é o Fraga Iribarne, para liderá-la. A Galiza tem Governo próprio, uma articulação política institucional fortíssima comandada pelo presidente da Junta da Galiza. Isso foi determinante para o acerto das políticas públicas, dada a sua proximidade aos problemas.
Se o Poder político falhou, a sociedade civil respondeu melhor?
A sociedade civil são os empresários, mas também autarquias, universidades, associações… Mas não temos conseguido coordenar actividades que potenciem a excelência, na área do conhecimento, que o Norte tem. A CCDR--N (Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Norte) publicou um documento, o "Norte 2015", com uma visão estratégica para a competitividade e o desenvolvimento. Na ausência de um Poder político assertivo, o desafio é sentar à mesa as pessoas para trabalhar em alguns projectos, porque não haverá tempo para projectozinhos. E, depois, os investimentos têm de estar todos muito ligados - o TGV, o aeroporto de Sá Carneiro, a rede logística, o metro do Porto, o Instituto Ibérico, em Braga... Tem de haver o casamento entre um conjunto de políticas e o ordenamento do território.
Há meios e incentivos que se perspectiva continuarem a ser canalizados, massivamente, para Sul, com grandes obras públicas no horizonte como o novo aeroporto da Ota. Onde é que o Norte se posiciona nesse debate?
Temos de nos preocupar com o aeroporto na Ota, Portela ou Alcochete, porque respeita ao país, mas temos de dizer é o que há a fazer, estrategicamente, no aeroporto Sá Carneiro e, eventualmente, até pedir para condicionar algumas tendências no novo aeroporto para que o Sá Carneiro não desapareça.
Nesse sentido, o Sá Carneiro deveria ter uma paragem do TGV, para além daquela que reivindica para o Minho?
O TGV tem de parar, naturalmente, no Sá Carneiro, e não quero acreditar que a paragem seja em Campanhã - só se for para, em vez dos passageiros da Galiza ficarem no Porto, irem para o novo aeroporto... Como é possível falar da ligação Galiza-Norte de Portugal se não potenciarmos o Sá Carneiro? Como é possível falarmos em TGV e aeroportos se não cosermos isto tudo? Não é possível tamanha incompetência da parte do Governo. Os acessos têm de estar todos integrados e ligados, como nos países civilizados e desenvolvidos. Quanto ao TGV no Minho, há um slogan que utilizo muito um comboio de alta velocidade que o Minho não pode perder… Teremos no Minho uma zona muito industrializada de ligação a Espanha, com o Instituto Ibérico, em Braga, o Ave Park, em Guimarães - e o TGV, se transportar mercadorias, pode ir ao encontro da rentabilidade. O que é preciso é complementar os acessos ferroviários com os rodoviários, e depois apertar a malha.
Portugal precisa mesmo de um novo aeroporto, na Ota, Alcochete ou Portela+1?
Não sou um especialista. Só espero é que se tome uma decisão daqui a seis meses. Mas, mais do que a localização do aeroporto, preocupa-me a privatização da ANA, o que poderá ser um escândalo nacional. Quando se privatiza algo, não é para criar monopólios, mas sim para dizer que o mercado deve funcionar. Ora, para isso, não é tirando ao Estado para dá-lo só a um privado, e o que se prevê é que a privatização da ANA sirva, no fundo, para entregá-la ao consórcio que fizer o novo aeroporto. Seria demasiado mau estaríamos a passar do monopólio do Estado para o monopólio de um privado, e será natural, até para rentabilizar a nova estrutura, que prejudique o Sá Carneiro ou o aeroporto de Faro. O Norte tem que estar muito vigilante. Pessoalmente, estou frontalmente contra.