"Robert Mugabe disse esta semana: "Estou feliz por ter acabado com a cólera." Ao mesmo tempo, a ONU fez outro balanço: a cólera continua, já fez quase 800 mortos e 16 mil pessoas estão na lista de espera. As duas declarações são produto de duas concepções filosóficas diferentes. Há os homens de pouca fé, demasiado agarrados à ditadura dos factos - infelizmente a mais alta instância internacional está cheia desses cínicos. E, depois, há os visionários que acreditam que o fim da cólera é quando o homem quiser. Mugabe é um desses.
A direcção de um país dá a certos políticos o exercício de um poder que os aparenta a deuses: o decreto. Nos anos 60, Salazar aboliu a prostituição. Os homens de pouca fé de então também sorriram, a pretexto da suposta ineficácia da medida. Mas, na verdade, Salazar acabou com a prostituição: tendo decretado que as prostitutas acabaram, elas acabaram. Talvez tenha continuado a haver mulheres nas esquinas do Martim Moniz, que subiam aos quartos das pensões manhosas com homens desconhecidos, talvez tivessem relações sexuais a troco de uma nota de 50 escudos, talvez, mas o facto era inquestionável: as prostitutas tinham deixado de existir. Como prova, havia o tal decreto.
Mais próximo de Mugabe, outro homem de vontade incomensurável: o Imperador Jean-Bedel Bokassa, da República Centro Africana, também adepto do decreto como arma de construção massiva de ilusões. Um dia, em 1976, ele decretou: "Está abolida a burguesia." E a verdade é que da burguesia centro-africana nunca mais ninguém ouviu falar. Essa é que é essa. O mesmo acontecerá provavelmente com a cólera zimbabwiana. Um decreto é uma medida de fundo. Deixem o Mugabe continuar a decretar e poderemos estar certos de que acabará com a cólera zimbabwiana. E também com os zimbabwianos, aliás.
Como estão lembrados, na Cimeira Euro-Africana de Lisboa, há um ano, a maioria dos países africanos opuseram-se a sanções a Mugabe. Ele fazia mal aos seus, é certo, mas aquilo era um problema interno. A questão actual é que o jeito tão dele de tratar os seus conterrâneos exporta o problema. As regiões fronteiras na África do Sul e em Moçambique foram declaradas zonas de calamidade.
E a cólera na África do Sul e em Moçambique é um problema muito mais grave do que no Zimbabwe: os decretos de Mugabe não têm efeito além-fronteiras. Ele bem pode decretar: "A partir desta data fica abolida a cólera na região de Manica", mas isso não surte efeito naquela região moçambicana. A poção mágica dos visionários geralmente só vai onde chega o bastão dos seus polícias.
A solução não está em combater Mugabe mas em adoptar-lhe a táctica: o que os dirigentes africanos deviam fazer era decretar. O fim de Mugabe, claro."
Ferreira Fernandes
A direcção de um país dá a certos políticos o exercício de um poder que os aparenta a deuses: o decreto. Nos anos 60, Salazar aboliu a prostituição. Os homens de pouca fé de então também sorriram, a pretexto da suposta ineficácia da medida. Mas, na verdade, Salazar acabou com a prostituição: tendo decretado que as prostitutas acabaram, elas acabaram. Talvez tenha continuado a haver mulheres nas esquinas do Martim Moniz, que subiam aos quartos das pensões manhosas com homens desconhecidos, talvez tivessem relações sexuais a troco de uma nota de 50 escudos, talvez, mas o facto era inquestionável: as prostitutas tinham deixado de existir. Como prova, havia o tal decreto.
Mais próximo de Mugabe, outro homem de vontade incomensurável: o Imperador Jean-Bedel Bokassa, da República Centro Africana, também adepto do decreto como arma de construção massiva de ilusões. Um dia, em 1976, ele decretou: "Está abolida a burguesia." E a verdade é que da burguesia centro-africana nunca mais ninguém ouviu falar. Essa é que é essa. O mesmo acontecerá provavelmente com a cólera zimbabwiana. Um decreto é uma medida de fundo. Deixem o Mugabe continuar a decretar e poderemos estar certos de que acabará com a cólera zimbabwiana. E também com os zimbabwianos, aliás.
Como estão lembrados, na Cimeira Euro-Africana de Lisboa, há um ano, a maioria dos países africanos opuseram-se a sanções a Mugabe. Ele fazia mal aos seus, é certo, mas aquilo era um problema interno. A questão actual é que o jeito tão dele de tratar os seus conterrâneos exporta o problema. As regiões fronteiras na África do Sul e em Moçambique foram declaradas zonas de calamidade.
E a cólera na África do Sul e em Moçambique é um problema muito mais grave do que no Zimbabwe: os decretos de Mugabe não têm efeito além-fronteiras. Ele bem pode decretar: "A partir desta data fica abolida a cólera na região de Manica", mas isso não surte efeito naquela região moçambicana. A poção mágica dos visionários geralmente só vai onde chega o bastão dos seus polícias.
A solução não está em combater Mugabe mas em adoptar-lhe a táctica: o que os dirigentes africanos deviam fazer era decretar. O fim de Mugabe, claro."
Ferreira Fernandes
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