Nasci no norte do país e sempre fui um puto com juízo. Um tanto ou quanto irreverente e contestatário, filho único numa família que sempre me proporcionou tudo, decidi – um dia – ser de esquerda. Inspiração das cantigas de Sérgio Godinho. Por embirração e romantismo tornei-me presidente da Associação de Estudantes do liceu, e depois dirigente de uma “jota”.
Por entre os primeiros livros, copos e cigarros, fui construindo uma identidade, traçando metas e desenhando um futuro. Ainda não se falava de crise, o nosso Portugal era o país das oportunidades do Guterres, do Durão e do Santana e a minha geração tinha tudo para dar certo: éramos os mais instruídos e os mais preparados desde o 25 de Abril, a Sida e a heroína já não eram uma calamidade social, um curso superior ainda nos garantia um futuro, e o Figo e a Seleção ainda nos faziam sentir orgulhosos por sermos portugueses. Vim para Lisboa estudar Direito e continuar na política. Porquê Direito? Ainda hoje me pergunto, mas a pressão social do “curso com saída nas humanidades” talvez seja a explicação mais óbvia. A outra era a obsessão por ter um emprego onde usasse fato e gravata.
Um pouco depois, desiludido com a vida, tomei a decisão de abandonar o curso, a política e a esquerda – ficou o Sérgio Godinho. Escutei os gurus da economia e decidi fazer aquilo que era mais útil ao meu país: tornei-me empreendedor. Abri uma empresa, sem pedir um único tostão à família, arranjei um sócio e parti à aventura, sem um único apoio do estado. Ao mesmo tempo, trabalhei numa editora literária e fiz rádio. Durante esta aventura ainda escrevi dois livros, fiz reportagens de futebol e apresentei livros pelo interior do país. Tudo para ganhar uns trocos e poder beber Bushmmils.
Veio a “crise” e os clientes deixaram de me pagar, deixei também de poder pagar às finanças e aos fornecedores. Fui para tribunal, mas nada consegui, e as demoras judiciais foram fazendo com que a empresa ficasse cada vez mais descapitalizada. Um dia acordei, ganhei coragem e falei com o meu sócio. Saí da empresa, cedi-lhe as quotas (na esperança que ele conseguisse cobrar as dívidas em tribunal) e fui viver para o norte, sendo obrigado a regressar envergonhadamente à casa dos meus pais e a perceber a importância de fazer a cama todos os dias. Depois de uns meses desempregado, consegui voltar ao trabalho no norte. Tive uma segunda oportunidade para provar o que valia. E, há alguns meses, regressei a Lisboa. Ingressei na melhor agência de publicidade do país, aprendi a viver com uma premissa: tentar ser o melhor naquilo que faço e a beber cerveja.
E depois de tudo isto o que tenho a dizer? Apenas que me sinto triste por ver os jovens da minha geração empurrados para as caixas dos hipermercados. Armados em estúpidos, iludidos a pensar que um dia vão poder ser empreendedores e todos ricos, sem que para isso tenham que mudar primeiro o nosso país, a nossa justiça, a nossa economia e a nossa mentalidade enquanto povo. Até lá, este país nunca será para jovens, muito menos para empreendedores.
João Gomes de Almeida (Membro do Conselho de Fóruns do IDP)
[Fonte. Causa Monárquica, via Expresso]
1 comentários:
é uma dura realidade, mas é a Realidade.
abraço
Miguel | Tomo II
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