Há poucos dias a candidatura do Fado foi eleita como património da Unesco.
Até aí tudo bem não fosse uma pequena situação, na origem da candidatura, que eu já tinha mencionado AQUI.
Porém, admitindo que foi pouco ético o comportamento das autoridades Portuguesas, também sou capaz de admitir que, obviamente, o Fado merece mais essa menção do que uma festividade que pouco extravasa os limites do concelho / região.
Apesar da contínua tentativa de fazer o Fado passar por estilo musical de referência Nacional, tinha andado a encarar esta situação com graça e a divertir-me explicando, a quem quisesse ouvir, que o Fado é a voz de Lisboa e não diz respeito a mais ninguém. Nem a Coimbra que o desenvolveu através de estudantes Lisboetas! Obviamente, isso não faz com que seja mais ou menos (até porque o é sem dúvidas) digno do estatuto em que foi colocado oficialmente.
Como Português já estou, no entanto, mais do que acostumado às tentativas de imposições culturais ridículas. Imaginem a parvoíce que seria fazer dos Gaiteiros Galegos (de cultura Atlântica) a imagem de Espanha (de Cultura mista). Pois bem, é o que estão a fazer em Portugal. Impor a imagem da cultura de uma cidade ao resto do país.
A minha paciência esgotou-se porém quando vi esta reportagem:
http://sicnoticias.sapo.pt/cultura/article1039534.ece
Até aí tudo bem não fosse uma pequena situação, na origem da candidatura, que eu já tinha mencionado AQUI.
Porém, admitindo que foi pouco ético o comportamento das autoridades Portuguesas, também sou capaz de admitir que, obviamente, o Fado merece mais essa menção do que uma festividade que pouco extravasa os limites do concelho / região.
Apesar da contínua tentativa de fazer o Fado passar por estilo musical de referência Nacional, tinha andado a encarar esta situação com graça e a divertir-me explicando, a quem quisesse ouvir, que o Fado é a voz de Lisboa e não diz respeito a mais ninguém. Nem a Coimbra que o desenvolveu através de estudantes Lisboetas! Obviamente, isso não faz com que seja mais ou menos (até porque o é sem dúvidas) digno do estatuto em que foi colocado oficialmente.
Como Português já estou, no entanto, mais do que acostumado às tentativas de imposições culturais ridículas. Imaginem a parvoíce que seria fazer dos Gaiteiros Galegos (de cultura Atlântica) a imagem de Espanha (de Cultura mista). Pois bem, é o que estão a fazer em Portugal. Impor a imagem da cultura de uma cidade ao resto do país.
A minha paciência esgotou-se porém quando vi esta reportagem:
http://sicnoticias.sapo.pt/cultura/article1039534.ece
"Um dia depois do Fado ter sido considerado Património Imaterial da Humanidade, já se fala de outras possíveis inscrições portuguesas. É o caso do canto alentejano ou da dieta mediterrânica."
A minha frustração advém da antecipação que a minha cabeça já está a fazer. Dentro em breve teremos mais duas fontes de propaganda nacional a dar uma imagem falsa de Portugal. Isso porque duvido que os responsáveis pelas hipotéticas candidaturas se preocupem com a falsidade da dieta mediterrânica em grande parte do território nacional.
Alguns exemplos:
- O Azeite é uma importação em grande parte do país. Veio substituir a gordura de origem ANIMAL (coisa completamente adversa à gastronomia mediterrânica) que era uma característica Atlântica. De facto, com a chegada do Milho Sul Americano e a consequente ocupação das pastagens nos vales (outrora dedicados à criação de gado) para seu crescimento, as populações compensaram o decréscimo de um recurso com o outro.
- A carne vermelha é uma presença indissociável nas terras a Norte do país. Até em trás-os-montes, onde o Azeite teve uma presença mais antiga, esta era uma fonte de carne primordial. As aves e outras carnes eram secundárias. Apenas o porco o superava.
- O próprio vinho. no Minho e Douro Litoral, é completamente diferente do das zonas mediterrânicas. Tão diferente que é único no mundo. Originalmente, a Cidra seria a bebida alcoólica local.
- O consumo de peixe e mariscos, típicos da cultura mediterrânica não se enquadra, até há pouco tempo, em vastíssimas regiões do país. Foi na Grécia que nasce a designação "alimentação mediterrânica". Aí sim! Muita da população teria acesso a esses produtos. Especialmente as que viviam nas centenas de ilhas e ilhéus pertença deste país. Em Portugal, a carne estaria dominante em todo o lado a não ser nas zonas puramente litorais.
Campo-Prado Minhoto usado para cereal no verão e fonte de alimento para gado bovino no inverno - Realidade tipicamente Atlântica.
Portanto, e poderia alongar-me, alguns dos requisitos para a designação de "alimentação mediterrânica", simplesmente não existem ou, por outro lado, são importações mais ou menos recentes. Se isso contasse para definir um país como tendo esta dieta então, hoje, todo o mundo ocidental poderia aderir à candidatura.
Agora, acerca do "canto alentejano", acho essa hipótese francamente ridícula. Mais uma vertente cultural de cariz totalmente mediterrânico está a ser hasteada em nome de Portugal. Porém, esse, ao contrário do fado, tem uma importância e expressão nacional que, simplesmente, não merece uma referência da UNESCO. Pelo menos, à frente de outras formas de expressões nacionais com mais peso...
Existem de facto outras formas de expressões musicais com dimensão humana actualmente superiores ou, antropológicamente-etnograficamente mais interessantes (concordo com o possível debate que essa afirnação merece) mas que, talvez por não ter afinidade com Lisboa, os nossos governantes não conheçam.
Falo por exemplo de:
Quase sem paralelo no mundo, atraiu Michel Giacometti que ficou fascinado. É o resultado de uma vivência comunitária ancestral. O canto polifónico, maioritariamente feminino, é um museu de antropologia por si só. Religiosos, de trabalho ou lúdicos. Contavam histórias de amores, marcavam ritmos ou, até, lendas antigas (à moda dos contos cantados Transmontanos, também eles dignos de referência).
- Cantares ao Desafio.
Já anteriormente falei deles. Ver AQUI.
De origem medieval, os trovadores rivalizavam entre eles com versos poéticos sobre assuntos de todo o tipo. Hoje em dia, a versão mais popular deste antigo hábito, pode ser apreciada em todo o local no mundo onde hajam pelo menos meia dúzia de Portugueses. De origem Nortenha, esta tradição (ou melhor, uma das determinadas formas de exprimir esta tradição presente em quase todo o território) foi exportada para todos os continentes e tem uma massa humana de interpretes e amantes que o Canto Alentejano nunca teve nem nunca terá.
Não me interpretem mal. A comida mediterrânica é boa. Os Cantares Alentejanos tem a sua piada. Contudo, a primeira não representa Portugal e, a segunda, não tem importância nem dimensão humana que chegue para o justificar.
Em todos esses casos Lisboa aposta em emblemas que lhes são familiares e tenta impô-los a todos os Portugueses. Portugal será sempre visto como um país mediterrânico apesar de não o ser. Se algumas regiões tem fortes afinidades e possam ser confundidas, outras são o completo oposto.
Eu, no que me toca, defenderei sempre a minha realidade não deixando que as imagens que certos inventam e usam em seu favor se sobreponham às que me são queridas.
Alguns exemplos:
- O Azeite é uma importação em grande parte do país. Veio substituir a gordura de origem ANIMAL (coisa completamente adversa à gastronomia mediterrânica) que era uma característica Atlântica. De facto, com a chegada do Milho Sul Americano e a consequente ocupação das pastagens nos vales (outrora dedicados à criação de gado) para seu crescimento, as populações compensaram o decréscimo de um recurso com o outro.
- A carne vermelha é uma presença indissociável nas terras a Norte do país. Até em trás-os-montes, onde o Azeite teve uma presença mais antiga, esta era uma fonte de carne primordial. As aves e outras carnes eram secundárias. Apenas o porco o superava.
- O próprio vinho. no Minho e Douro Litoral, é completamente diferente do das zonas mediterrânicas. Tão diferente que é único no mundo. Originalmente, a Cidra seria a bebida alcoólica local.
- O consumo de peixe e mariscos, típicos da cultura mediterrânica não se enquadra, até há pouco tempo, em vastíssimas regiões do país. Foi na Grécia que nasce a designação "alimentação mediterrânica". Aí sim! Muita da população teria acesso a esses produtos. Especialmente as que viviam nas centenas de ilhas e ilhéus pertença deste país. Em Portugal, a carne estaria dominante em todo o lado a não ser nas zonas puramente litorais.
Campo-Prado Minhoto usado para cereal no verão e fonte de alimento para gado bovino no inverno - Realidade tipicamente Atlântica.
Portanto, e poderia alongar-me, alguns dos requisitos para a designação de "alimentação mediterrânica", simplesmente não existem ou, por outro lado, são importações mais ou menos recentes. Se isso contasse para definir um país como tendo esta dieta então, hoje, todo o mundo ocidental poderia aderir à candidatura.
Agora, acerca do "canto alentejano", acho essa hipótese francamente ridícula. Mais uma vertente cultural de cariz totalmente mediterrânico está a ser hasteada em nome de Portugal. Porém, esse, ao contrário do fado, tem uma importância e expressão nacional que, simplesmente, não merece uma referência da UNESCO. Pelo menos, à frente de outras formas de expressões nacionais com mais peso...
Existem de facto outras formas de expressões musicais com dimensão humana actualmente superiores ou, antropológicamente-etnograficamente mais interessantes (concordo com o possível debate que essa afirnação merece) mas que, talvez por não ter afinidade com Lisboa, os nossos governantes não conheçam.
Falo por exemplo de:
Cantadeiras do Vale do Neiva - Uma referência nesta arte
- Cantos Polifónicos.Quase sem paralelo no mundo, atraiu Michel Giacometti que ficou fascinado. É o resultado de uma vivência comunitária ancestral. O canto polifónico, maioritariamente feminino, é um museu de antropologia por si só. Religiosos, de trabalho ou lúdicos. Contavam histórias de amores, marcavam ritmos ou, até, lendas antigas (à moda dos contos cantados Transmontanos, também eles dignos de referência).
- Cantares ao Desafio.
Já anteriormente falei deles. Ver AQUI.
De origem medieval, os trovadores rivalizavam entre eles com versos poéticos sobre assuntos de todo o tipo. Hoje em dia, a versão mais popular deste antigo hábito, pode ser apreciada em todo o local no mundo onde hajam pelo menos meia dúzia de Portugueses. De origem Nortenha, esta tradição (ou melhor, uma das determinadas formas de exprimir esta tradição presente em quase todo o território) foi exportada para todos os continentes e tem uma massa humana de interpretes e amantes que o Canto Alentejano nunca teve nem nunca terá.
Não me interpretem mal. A comida mediterrânica é boa. Os Cantares Alentejanos tem a sua piada. Contudo, a primeira não representa Portugal e, a segunda, não tem importância nem dimensão humana que chegue para o justificar.
Em todos esses casos Lisboa aposta em emblemas que lhes são familiares e tenta impô-los a todos os Portugueses. Portugal será sempre visto como um país mediterrânico apesar de não o ser. Se algumas regiões tem fortes afinidades e possam ser confundidas, outras são o completo oposto.
Serra do Gerês - Hoje em dia um dos locais que ainda exibe de forma evidente uma cultura regional que nada tem de "mediterrânico".
Eu, no que me toca, defenderei sempre a minha realidade não deixando que as imagens que certos inventam e usam em seu favor se sobreponham às que me são queridas.
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