Já há algum tempo que não escrevia um artigo mais comprido, mas não tenciono tomar demasiadas linhas, pois pretendo apenas levantar uma lebre que me apareceu nos bosques da vida, muito recentemente, a propósito de uma carta que recebi ontem. Mas vamos recuar um pouco mais, até Julho passado, para que a história que vou contar faça sentido.
Em Julho passado, por uma razão qualquer que agora não me vem à ideia, tive necessidade de me deslocar à Loja do Cidadão do Porto, para tratar de uns papéis relativos à Segurança Social, que tem um guichet de atendimento nesse espaço. Como qualquer portuense sabe, a Loja do Cidadão do Porto é um espaço situado na popularmente chamada “Torre das Antas”, um edifício de escritórios onde se situa, nos pisos superiores, a sede do Futebol Clube do Porto. E eu, por comodidade, costumo tratar das minhas papeladas lá pois quase todos os organismos públicos têm ali um espaço de atendimento, e assim posso tratar de vários assuntos num só dia, caso seja necessário. Vila Nova de Gaia, onde resido, foi recentemente brindada com a abertura de uma outra Loja do Cidadão. Mas não a uso por ser pequena, não ter tanta variedade de espaços de atendimento, e também por estar tremendamente mal situada, completamente afastada do centro cívico da cidade, num espaço comercial chamado Arrábida Shopping, o que a mim mais me parece uma jogada de conveniência deste espaço do que uma tentativa de V. N. Gaia ter, de facto, um espaço bem situado de serviço público.
Ora, lá fui eu à Loja do Cidadão do Porto resolver o meu problema e imagine-se o meu espanto quando chego ao guichet de atendimento da Segurança Social e me deparo com o seguinte cenário: uma pequena multidão de pessoas pacientemente à espera, o guichet a funcionar a meio-gás, com quatro das suas oito ou nove mesas de atendimento encerradas, e a máquina de distribuição de senhas desligada, dado o número de pessoas à espera ser de tal maneira grande que o diminuto número de funcionárias se mostrava insuficiente para garantir o atendimento de mais pessoas naquele dia. Mal cheguei, apurei, chocado, quando teria a máquina deixado de distribuir senhas de atendimento. Segundo me foi dito, teria sido por volta do meio-dia e meia hora. Não contente com esta situação, e por achar que, num serviço tão procurado pelas pessoas, a falta de funcionários no atendimento era inaceitável, pedi o Livro de Reclamações e escrevi uma reclamação na qual dava conta da falta de funcionários no atendimento, na consequente suspensão do sistema de distribuição de senhas e no transtorno que este problema causava aos utentes da Segurança Social que procuravam resolver os seus problemas naquela Loja do Cidadão. Curiosamente, quinze minutos depois chegaram funcionárias, abriram mais duas mesas de atendimento e o sistema de senhas voltou a dar sinais de vida, permitindo-me resolver o meu problema naquele dia.
Ora, este episódio foi em Julho passado. Ontem, 22 de Novembro de 2011, recebi a resposta à minha reclamação da parte da Segurança Social. A primeira coisa que me surpreendeu foi a demora da resposta dos serviços à minha reclamação. Uma demora exagerada a meu ver e reveladora de um mau funcionamento crónico do aparelho público, excessivamente burocratizado. A segunda coisa que me surpreendeu foi o teor da própria resposta. A carta, assinada por uma “técnica superior” (uma coisa que, confesso, não sei o que é e pode não ser nada mais que um par de galões), dizia o seguinte: “Em relação à reclamação efectuada, na data acima indicada, no Livro de Reclamações da Loja do Cidadão do Porto somos a esclarecer que, o serviço em apreço agiu de acordo com o disposto no artigo 34º do Regulamento dos Serviços de Atendimento Presencial, «sempre que nos Serviços Locais de Atendimento o número de senhas distribuídas exceda a capacidade de atendimento do serviço durante o período de funcionamento estabelecido, é permitida a suspensão antecipada da distribuição de senhas de atendimento (…) considera-se como capacidade de atendimento dos serviços o produto do número médio diário de atendimentos por colaborador com o número de colaboradores em exercício efectivo de funções”. Por último, aproveitamos para transmitir que temos ao dispor dos nossos utentes outros meios de contacto, para além do atendimento presencial, nomeadamente, o serviço de «Segurança Social Directa», (…) bem como o centro de contacto Via Segurança Social, identificado no rodapé deste ofício, acessível por telefone”.
Pois. A resposta que eu recebi a uma reclamação de falta de pessoal no serviço de atendimento foi esta. Os serviços, confrontados com esta falha, fugiram ao cerne da questão e limitaram-se a dizer que agiram muito bem, e que suspenderam a emissão de senhas porque tinham direito a fazê-lo naquelas condições. Mas o que eu coloquei em causa não foi isso. Foi o facto de esta situação ser perfeitamente evitável se, naquela altura, o serviço estivesse a funcionar no pleno da sua capacidade, com os funcionários todos que eram precisos. Fiquei, assim, sem resposta à reclamação que tinha feito. A única resposta que tive dos serviços e que realmente vinha ao encontro da minha reclamação foi-me dada naquele dia de Julho, pela chefe das funcionárias do guichet da Segurança Social na Loja do Cidadão do Porto. E ela afirmou simplesmente que estava cansada de pedir aos seus superiores que lhe destacassem mais funcionários para o serviço, sem qualquer sucesso, e que não sabia mais o que fazer. Já os responsáveis pela Loja do Cidadão em si, com os quais também falei naquele dia, lavaram as mãos como Pilatos. A esses cabia tudo o que dissesse respeito ao espaço em si, sendo que o atendimento em cada guichet dizia respeito à instituição que ali estava representada.
Agora, ponho-me a pensar. Sempre ouvi dizer que a máquina do Estado está sobrecarregada de pessoal e que o Estado necessita de emagrecer, não apenas nas burocracias mas também no número de funcionários públicos. Ora, sendo a Segurança Social um importante serviço do Estado, tão útil e necessário (e tão desprezado também), eu considero que a falta de funcionários que verifiquei empiricamente é inadmissível e inaceitável. Afinal de contas, o Estado tem funcionários a mais, ou a menos? E se os tem a mais, onde estão? Porque permite o Estado que estas situações ocorram, sem que o pessoal necessário seja imediatamente destacado dos serviços onde está para os serviços com falta de funcionários? Mais ainda. Porque será que os serviços, quando confrontados com a minha reclamação, que foi directa (não sou homem de rodeios, e quando escrevo sou directo e vou logo onde quero), evitaram a resposta directa e enviaram-me uma não-resposta? Será que, nestas circunstâncias, adianta de alguma coisa usar o famoso Livro de Reclamações? Qual a dificuldade em reconhecer um erro, e tentar corrigi-lo? O que perde o Estado se jogar de modo diferente com os meios humanos e materiais que tem, agilizando-os mais e usando os meios que tem a mais num sítio para colmatar as faltas de outro? Ou será que o corpo do Estado é de tal forma gordo, balofo, enferrujado e pesado, que já nem consegue levantar-se quanto mais fazer esse simples exercício físico? Será que andam todos cegos, ou será que “o burro sou eu?”
São perguntas para pensar.
Filipe Manuel Dias Neto
(*) retirado do facebook via Movimento de Unidade Monárquica
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