A greve de hoje é contra o "retrocesso civilizacional" das medidas do Governo e da troika, como diz Carvalho da Silva. Há, no entanto, um dado que os sindicatos não estão a medir: a tensão na Europa agravou-se mais no último mês que nos últimos 50 anos. O ritmo de ruptura entre a Alemanha, a França e o Reino Unido não tem precedentes. Os países do G20 (os mais ricos do Mundo) abandonaram a Europa e não estão a emprestar dinheiro. Os países mais endividados da Europa, entre os quais Portugal, correm mesmo o risco de falência sem terem quem os ajude. Queremos evitar isto?
A CGTP e a UGT estão reféns de um modelo de contestação que não inova há décadas. Um protesto que se traduz em parar pessoas, numa época dominada pelo desemprego, não deixa de ser irónico. Até porque haveria alternativas, transformando a raiva da greve em pequenos gestos de cuidado pelos outros. Seria interessante, por exemplo, ver os professores em greve darem hoje explicações aos alunos que quisessem estar com eles, convidando--os a trazer refeições ligeiras para a escola, e assim zelarem pela segurança das crianças e adolescentes que vão ficar na rua. (Quem atinge a greve? Os trabalhadores que não têm quem cuide dos filhos...)
Os médicos e os enfermeiros poderiam "ocupar" os centros de saúde e hospitais, recebendo pacientes fora dos consultórios, falando com eles, atendendo aos casos mais graves. E, claro, que não desmarcassem as cirurgias que demoraram meses e calharam no dia de hoje. (Quem atinge a greve? Os que dependem do Serviço Nacional de Saúde...)
Os trabalhadores dos transportes poderiam fazer apenas metade dos transportes previstos nas horas de ponta e confraternizar com os seus utentes, não lhes cobrando bilhetes e explicando o quanto precisam que eles usem aqueles serviços para que as empresas não sejam destruídas. (Porque as vão privatizar a qualquer preço...)
Nos tribunais valeria a pena reflectir sobre quantos meses/anos esperaram as pessoas que hoje, dia de greve, vão ficar sem o julgamento ou audiência. É absolutamente essencial mudar o mais inoperacional sistema do Estado. (A mais totalitária máquina de injustiça por omissão...)
Nas empresas privadas ou públicas, as pessoas poderiam trabalhar menos umas horas, mas aproveitarem para fazer uma reunião geral de ideias sobre coisas a mudar face àquilo que considerem ser a injusta repartição dos sacrifícios. E uma lista de ideias ou acções práticas para tornar a sua empresa mais competitiva.
Um dia de greve poderia ser também um momento de recolha de bens e partilha com quem não têm quase nada.
Objectivamente: quem esperamos que nos ouça por causa da greve? A senhora Merkel? Os mercados? Os mercados são milhões de decisores espalhados pelo Mundo a fazer opções financeiras em manada. O que ficam a saber hoje, pela Reuters? "Portugal parado. Aviões bloqueados nos aeroportos. Economia continua a cair". Lixo. Mais lixo.
Não acredito na solução milagrosa da máquina de fazer notas do Banco Central Europeu (BCE) porque se trata de resolver uma crise de "dívidas" com emissão de dinheiro para gerar "dívidas cada vez maiores + inflação". Ontem no mercado dizia-se que o BCE começa a ter risco de... falência. Porque obviamente não consegue emprestar a tantos países que não se financiam no mercado e simultaneamente está cada vez mais atulhado de dívida da Grécia... Portugal... Espanha... Itália...
Não adianta iludirmo-nos: isto é duro. Não é o Governo. É a necessidade que temos de pedir dinheiro todos os meses para pagar salários, pensões e dívidas do Estado. Não é em todo o Mundo, é na Europa e Estados Unidos. Mas sem euro será pior para os portugueses. Se a Alemanha decidir sair da moeda única, nessa ocasião se verá como o tal "retrocesso civilizacional" de hoje é uma caricatura face ao que aí vem. Aí sim, será o fim de uma forma de civilização assente no Estado Social.
24 de Novembro de 2011. Uma greve num dia em que podíamos e devíamos ter feito alguma coisa positiva. Como já alguém disse, um optimista nos dias de hoje é alguém achar que as coisas ainda podem piorar... E luta contra uma maioria de pessimistas que não acreditam que estamos longe do fundo.
[in JN]
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