Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

“O Porto da minha infância” abriu-se ao Mundo e mudou a face urbana

Foto de Miguel Oliveira

O Porto tem uma atmosfera muito especial. Ainda não perdeu a sua identidade. Ainda vejo lojas tradicionais, bairros antigos e gente boa”, dizia-me, há dias, um amigo italiano, de Turim que, mal aterrou no Aeroporto Francisco Sá Carneiro deslumbrou-se pela cidade.

“Vim da neve para o sol”, sorriu feliz e contente, mais ainda por provar um saboroso “prato de tripas” e depois, ter dado um pulo a Serralves onde, coincidência feliz, está patente a notável exposição da artista italiana Marisa Mers (Turim, 1926).
O que tem o Porto de especial? Sim, eu sei que é a melhor cidade do mundo para viver (nasci por aqui há alguns anitos) mas quero crer que a cidade de Eugénio, Agustina e Garrett soube juntar património, modernidade, tradição e cultura, sem esquecer a hospitalidade e segurança para vencer outras capitais apostadas no reconhecimento e
igualmente cheias de monumentalidade como Paris, Roma, Londres.
A imprensa internacional (jornais e revistas) continua a dedicar ao Porto várias páginas e, em competição com outras urbes europeias, ganha-lhes a palma de ouro. A última vez aconteceu no ano passado ao arrebatar o prémio de Melhor Destino Europeu em 2017. A cidade está de parabéns e tal como o meu amigo italiano, milhares de turistas visitam, anualmente, a Casa da Música, Museu de Serralves, deslumbram-se com a igreja e a torre dos Clérigos, fazem “selfies” no Palácio da Bolsa e diante dos azulejos de Jorge Colaço na Estação de S. Bento, na Universidade do Porto e no Centro Português de Fotografia, ou as galerias Mira Fórum, em Campanhã (onde estão sempre a acontecer mil e uma coisas ligadas à fotografia e às artes performativas) mais as belezas do Douro e suas pontes, sem esquecer as delícias dos bons vinhos e gastronomia (em nenhum país da Europa ainda se consegue jantar tão bem e barato como na Invicta…) mais as artes e a cultura. A metamorfose acontece e só não vê quem não quer.
Regeneração urbana
Basta dar um pulo à Baixa para ver a regeneração urbana, a quantidade de guindastes no alto das fachadas dos prédios muitos deles até há alguns anos em ruínas ou abandonados, tropeçar nas ruas sempre cheias de turistas, descer a Rua das Flores, porventura a mais bonita da cidade ou subir Mouzinho da Silveira e perceber a revolução urbana levada a efeito nos últimos anos. E constatar uma certeza: o turismo já não é apenas sazonal, acontece todos os meses do ano e contribuiu para mudar radicalmente a face urbana da cidade.
Queira-se ou não o Porto do séc. XXI já não tem nada a ver com o Porto cinzentão e triste do século passado, onde era quase proibido circular à noite em Sampaio Bruno ou em Sá da Bandeira, ruas desertas após o fecho dos escritórios e comércio, passo apressado até à paragem do autocarro. A cidade adormecia. Até ao dia seguinte.
Quanto às artes pouco ou nada acontecia. Existiam muitos cinemas que, devido às modas e à contínua desertificação da cidade foram fechando portas; algumas peças de teatro de revista no Sá da Bandeira, meia dúzia de galerias de arte, com papel de destaque para a pioneira Alvarez do pintor Jaime Isidoro e a galeria 2, mais a “111” do colecionar de arte Manuel de Brito, em D. Manuel II, sem esquecer muitas outras que, tiveram vida efémera, como, por exemplo, a galeria Abel Salazar (do pintor João Martins) na Rua do Barão de Forrester, à Ramada Alta.
E depois, existiam algumas instituições culturais que, contra ventos e marés, souberam resistir à Censura e ao Fascismo: o TEP de António Pedro, cujo teatrinho de bolso nunca devia ter sido demolido; o Cineclube do Porto, à Rua do Rosário, mais Os Modestos (cujo edifício em ruínas dará lugar a um hotel); a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, mais o Clube dos Fenianos Portuenses, Ateneu Comercial do Porto, Teatro Universitário do Porto, o Círculo de Cultura dos Operários Católicos do Porto, o Orfeão do Porto, o Museu Nacional Soares dos Reis que, entre outras actividades expositivas acolheu, em meados da década de 70, o Centro de Arte Contemporânea
(CAC) orientado pelo crítico e historiador de arte Fernando Pernes cuja persistência e dinamismo o Porto muito devem no aparecimento do Museu de Arte Contemporânea de Serralves.
Brendel sem público no Rivoli
Sem agenda cultural digna de registo só restava aos portuenses uma opção para quem queria (e podia) admirar arte, pintura, escultura e fotografia ou assistir a concertos: viajar até Lisboa, apanhar o comboio “Foguete” (cujo bilhete à época custava 500 escudos, 2, 5 euros actuais) e rumar até à Fundação Calouste Gulbenkian cuja actividade cultural e filantrópica continua ontem como hoje a ser assinalável e merecedora de todos os elogios.
Na memória retenho um facto histórico e revelador da falta de investimento na educação pela arte, conhecimento e consequentemente, no afastamento do grande público para a fruição cultural. Em 1983, no âmbito do Festival de Música da Póvoa de Varzim, o Teatro Rivoli abriu portas para um recital com o grande pianista Alfred Brendel (n. 1931) já na altura laureado e afamado intérprete de Mozart, Beethoven e Brahms. A sala estava semi-deserta e soube depois, apenas foi composta graças à presença de algumas dezenas de espectadores vindos de Lisboa que, quando souberam da presença de Brendel no Porto, alugaram um autocarro e vieram à Invicta ver e ouvir o famoso pianista.
Passados alguns anos, em 2005, Brendel veio à Casa da Música para inaugurar a temporada de piano e a Sala Suggia encheu-se de público entusiasta. E em Outubro de 2018 o lendário pianista austríaco – que entretanto abandonou os palcos – voltará à Casa da Música para uma palestra recital intitulada “On Playing Mozart” e desta feita, desvendar alguns dos segredos da sua longa carreira artística e referência mundial do piano. Tenho a certeza que o concerto será bastante concorrido.
Volvidos alguns anos não foi só a urbe que mudou. O modo de encarar e fazer cultura entrou nos hábitos do espectadores. Tudo é diferente. As salas de teatro, os espectáculos de artes performativas e os concertos
estão quase sempre lotadas, as exposições têm um público fiel, o Centro Português de Fotografia, o Teatro Nacional S. João, Serralves e a Casa da Música são destinos frequentados por milhares de visitantes.
Como não podemos perder a memória, será da mais elementar justiça evocar Paulo Cunha e Silva, um visionário da Cultura, das Artes e das Ciências, um homem sábio que seguiu à risca um dos pensamentos do grande Mestre Abel Salazar (“um estudante de Medicina que só estudou Medicina nem Medicina sabe”) e que cruzou as artes, todas as artes e que colocou a Cultura como centro de toda a sua vida e pensamento.
Depois dos “anos de chumbo” levados a efeito por RR (um dos períodos mais negros na história do Porto…) a cidade elegeu,  pela primeira vez, um vereador da Cultura à altura dos seus pergaminhos, cujo modo de observar a “cidade líquida” marcou para sempre as artes, o modo de programar culturalmente uma grande metrópole.
Sim, o Mundo Mudou. O Porto também. Eu prefiro o Porto de hoje ao Porto de antigamente.  [ Manuel Vitorino, no Porto 24 ]

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