Álvaro Malhagães no JN:
E agora algo verdadeiramente diferente: uma crónica que não ergue mais um louvor a Adriaanse, apesar de estarmos na semana da sua santificação.
É verdade que ele derrubou vários mitos nebulosos que o envolviam, principalmente esse de não ser um treinador deste nível, ou não perderia tão metodicamente todos os clássicos. Só ganhou um em seis, tal como já acontecera na fase da "Champions", mas fê-lo à custa de uma clara vantagem no duelo táctico com o seu rival e graças a uma inesperada ductilidade da sua variação táctica (chamam-lhe sistema).
Chegou então a altura de lhe erguer uma estátua (a ele e aos seu sistema)? "Não diria tanto", que foi o que respondeu Samuel Beckett quando lhe perguntaram se era feliz passeando sob um céu muito azul. O sistema de Adriaanse adequa-se na perfeição aos j ogos com os pequenos, que decidem os campeonatos (este, por exemplo), mas continua sob suspeita para as outras dimensões competitivas. Um jogo não faz a Primavera de um sistema, mesmo que valha um título. E esse título, aliás, corresponde ao serviço mínimo que se exigia a um plantel muito superior ao dos rivais e que não fazia mais nada desde Novembro. Aliás, este título anunciado será apenas um sopro sobre as duas feridas insanáveis da época: a péssima prestação na Champions e as duas imperdoáveis derrotas com o Benfica, sobretudo a do Dragão.
Porém, esta semana foi dura para os que têm vindo a criticar Adriaanse. Dir-se-ia mesmo que tinha chegado a hora da sua crucificação. Pelo menos para Pinto da Costa, que aproveitou a onda favorável para lhes devolver todo o fel que ao longo da época foi chegando ao Dragão. E, no entanto, ele tem tanta razão agora como tiveram os críticos do treinador nos momentos difíceis da época, quando ele se afundava em equívocos e tudo parecia perdido. É claro que o holandês nunca esteve maluco, como Pinto da Costa disse que alguém disse, mas também é verdade que foi ganhando juízo ao longo do tempo.
O futebol tem uma natureza instável e mutante. Pode ser-se inapto durante muito tempo que um fogacho chega para a gloriosa redenção (e vice-versa já se sabe). Logo, nada mais natural do que ver Adriaanse passar de maluco a génio. E outra vez de génio a maluco. A anterior condição está sempre à espera, já que a regra é a oscilação. Assim, até nos parece natural que alguns dos que agora o aplaudiram fossem os mesmos que o assobiaram pouco antes do final dos dois jogos recentes com o Sporting. De facto, não há nisso qualquer contradição. No futebol nada dura muito tempo e a mágoa ou a indignação depressa cedem lugar à alegria e à santificação, o que, na prática, corresponde à diferença entre haver insultos e very-lights ou sorrisos e pedidos de autógrafos junto aos portões do Olival. Como escreveu Javier Marias, "o futebol incita ao esquecimento, nunca ao rancor, coisa que só se aprende na idade adulta". Nem mais. E mesmo estes escusados laivos de rancor que Pinto da Costa dedicou aos críticos do seu treinador tendem a passar. É sempre assim no futebol, ao contrário do que acontece nas outras ordens da vida.
Afinal, também Pinto da Costa flutua e oscila, como toda a gente, ou não teria dado razão a esses mesmos críticos quando disse, há duas ou três semanas, antes do jogo de Alvalade, que "começava a haver razões para não se desancar no treinador". Ora, se então "começava a haver razões para não desancar " é porque as houvera antes. Ora, é justamente por isso que ainda é cedo para se glorificar Adriaanse, quando muito é tempp de olharmos para ele de um modo diferente, já que, como disse o presidente, começa a haver razões para isso. A história está cheia de treinadores campeões que permaneceram mal-amados e acabaram despedidos, mas ele não corre esse risco. O seu triunfo é justamente a licença para continuar na próxima época os trabalhos da reconstrução em curso. Era isso que os adeptos que o aplaudiram sexta-feira no Dragão, durante o jogo como o Leiria, queriam dizer: "Fica Adriaanse, estás perdoado!".
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