Os reis vão nus
"Portugal vive um último Verão de ilusão. A ilusão de que tem grandes bancos privados, industriais prósperos, grandes empresas nacionais. Mas são estrelas decadentes. Metade dos ricos está pobre.
O mundo não se divide hoje entre ricos e pobres, mas entre os que têm capital e dívidas. Portugal tem dívidas. Os seus banqueiros, empresários, cidadãos têm dívidas. E quando chegar a liquidação, liquidação será.
Compre a revista "Exame" deste mês, traz a lista anual dos mais ricos de Portugal. Guarde-a, é uma edição histórica. Daqui a cinco anos gostará de a reler, será como o "Conta-me como foi", da RTP: passado, longínquo, nostálgico, um anacronismo. O problema não é da revista, é dos ricos que o não são. Porque a história não está a ser bem contada. Há ricos com activos luxuriantes. E passivos monstruosos.
Esta lista dos mais ricos de Portugal é um monumento à decadência do capitalismo português. Ao listar apenas o património, mede-se a opulência. Ao ignorar as dívidas, ocultam-se os caídos. Metade dos magníficos empresários Dr. Jekyll transformam-se à noite em endividados Mr. Hyde. Só não estão executados porque em Portugal há muito respeitinho - e porque uma dívida grande não é um problema do devedor, é um problema do credor.
A semente da destruição está numa elite capitalista sem capital. Em parte porque foi expropriada em 1975 com fracas indemnizações depois. Noutra parte, porque foi recebendo dividendos na Suíça e distribuindo pelas famílias. Depois, porque nunca quis abdicar do controlo de 10 em vez de partilhar 100 (o medo de ter sócios..., sobretudo se forem - credo! - estrangeiros). E finalmente: porque há muitas empresas grandes mal geridas.
Esta estrutura empresarial está a ruir, 4% ao dia, na bolsa. A falta de capital, as cascatas de dívida, os dividendos não suportam um problema: a desvalorização dos colaterais. As acções são hoje casas decimais do que eram quando foram dadas como contrapartidas de dívidas. O caso mais famoso é o dos accionistas do BCP, num processo que foi aqui muitas vezes denunciado: o patrocínio da Caixa e do próprio BCP a uma guerra sem quartel, financiando guerreiros e guerrilheiros contra acções que não valiam o que cotavam. Os activos desvalorizam, os passivos ficaram. Agora, quem paga?
Joe Berardo, Teixeira Duarte, Manuel Fino... Os "donos" do BCP estão nas mãos dos bancos, que estão com as mãos na cabeça. Mas há mais. As dívidas da Impresa, da Ongoing, da Zon, da Brisa, das construtoras, das imobiliárias, tudo isto são dívidas também dos seus accionistas. Como o Estado: prepara-se para vender o controlo da EDP sem prémio de controlo.
Depois do Verão, a revisão das carteiras de crédito dos bancos vai precipitar a análise da sua nacionalização, como aqui tem sido avisado. Se isso acontecer, os balanços serão "limpos" e tudo será executado, o que levaria a uma nacionalização de grande parte da economia, através dos bancos. Para evitá-lo, restará vender essas empresas, acções e imóveis. E, claro, a estrangeiros. O problema não é serem estrangeiros, é ser ao melhor preço. Isto é: ao pior.
Não estão todos assim. Amorim está mais rico que nunca depois de ter encontrado petróleo. Soares dos Santos está mais rico que nunca depois de ter criado o seu próprio petróleo na Polónia. Queiroz Pereira, que não foi em loucuras e teve os apoios certos dos Governos, prepara-se para mobilizar centenas de milhões para comprar parte da Secil (ou para disputar parte da Cimpor?). São excepções.
Estamos a ouvir o cisne cantar. A maior parte da bazófia são casacas coçadas ou sapatos brancos em Janeiro. É como atirar a última bezerra das muralhas de Monsanto para iludir o cerco para uma falsa prosperidade.
O cerco é financeiro. A venda de activos será acelerada e o Governo já escolheu os predilectos: alemães e franceses, talvez brasileiros e angolanos. Que venham por bem, não para desmantelar, mas para investir e gerir bem. Se assim for, que venham eles. Viva o Verão, viva este Verão, este Verão de ilusão."
Pedro Santos Guerreiro, no Carvalhadas
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