Silva Peneda, presidente do Conselho Económico e Social a quem o país deve uma parte não negligenciável do importante acordo alcançado em sede de concertação social, concedeu ao JN, na edição do passado domingo, uma desassombrada entrevista. Além de abordar as vantagens do acordo entre representantes dos patrões e representantes dos trabalhadores (CGTP excluída, pois claro!), Silva Peneda falou do Norte como uma fundamental tábua de salvação para o país, coisa em que há consenso na teoria mas grande distorção na prática.
"Desde que me conheço, as crises económicas que aconteceram em Portugal foram resolvidas sempre pelo Norte. Foi através das exportações e do Norte que se deu a volta a este tipo de situações. Muitas vezes em Lisboa não se percebe que, quando o Norte está bem, o país está melhor". Sucede que "a exigência que é feita ao Norte em termos de salvar o país hoje não é compatível com o poder que existe e com os meios que estão à disposição do Norte para decidir".
É difícil contrariar a tese de Silva Peneda. Desde logo porque ela cola com os factos, que, como o algodão, não enganam, e com as políticas e intenções governamentais, que, ao contrário do algodão, enganam bastante.
Olhemos para ambos: factos e políticas.
O porto de Leixões é, hoje, o mais lucrativo de todos os portos nacionais. No ano passado, teve o melhor ano de sempre, com um extraordinário crescimento de 12%, puxado pelas exportações, que cresceram 27,5%. O que está nas intenções do Governo? Em traço grosso, usar os lucros de Leixões para cobrir os prejuízos dos restantes portos.
Segundo e fresquinho exemplo. O crescimento do aeroporto do Porto (13,7%) foi, em 2011, o dobro dos restantes (Lisboa, Faro, Beja e Açores). É a partir do Sá Carneiro que as companhias "low cost" mais crescem em Portugal. O que está nas intenções do Governo? Juntar tudo num molhinho e permitir que um operador jogue como entender com as capacidades instaladas. Está bom de ver quem fica prejudicado na negociata.
Terceiro exemplo. Vivemos num país em que os decisores enchem a boca com a decisiva importância das exportações. É o mesmo país em que os mesmos decisores taxam mais alto a auto-estrada da exportação (A25) do que o troço Lisboa-Cascais.
Quarto exemplo. Vivemos num país em que, à pala de um burocrático conceito europeu chamado "efeito de dispersão", o Governo desvia das regiões para a capital larguíssimos milhões de euros.
Quinto exemplo. O país está cada vez mais inclinado, mas isso não chega para que a distribuição de indemnizações compensatórias seja usada para corrigir o declive. Bem pelo contrário.
Sexto exemplo. Se há sector que tem resistido à crise é o do calçado. Basta ouvir as empresas para perceber as migalhas que lhes cabem para promoção e para acesso a linhas de crédito.
Enfim, seria possível escrever mais uns largos milhares de caracteres com exemplos deste e de outro calibre. Para não maçar o leitor, recorro outra vez a Silva Peneda, que vê - e bem - no facto de termos "uma capital enorme e depois o resto do país desertificado" uma inexorável "característica dos países terceiro-mundistas".
Contra este estado de coisas, há quem se atreva, supostamente no seu perfeito prejuízo, a propor a internacionalização do pastel de nata. Não está mal...
Aqui, no Jornal de Notícias
(sublinhados e bolds meus)
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