Kosta de Alhabaite

Nortenho, do Condado Portucalense

Se em 1628 os Portuenses foram os primeiros a revoltar-se contra o domínio dos Filipes, está na hora de nos levantarmos de novo, agora contra a corrupçao, o centralismo e colonialismo lisboeta!

Porque continuo a não gostar de Scolari

[Este é um balanço que vai contra a opinião “mainstream” que só admite frases bonitas sobre os “heróis” Scolari, Pauleta ou Cristiano Ronaldo. Depois de uns dias sem Internet, voltei mesmo a tempo de um balanço sobre o Mundial e sobre estes três anos e meio de Scolari. O melhor é nem lerem, porque é a coisa maior que já por aqui escrevi e porque, depois de um 2º lugar no Euro e um 4º lugar no Mundial, quem se atrevesse a ler iria ficar chocado com as minhas desfavoráveis conclusões. É apenas uma tese que muitos, feridos no seu orgulho nacionalista, se lessem, considerariam estúpida e despropositada. Mas números são números. E, seja como for, ninguém se atreverá a ler um testamento deste tamanho, mas a verdade é que, para explicar o que explico não conseguiria fazê-lo usando menos palavras. Pronto, não leiam, que eu já me dou por satisfeito só com o facto de o ter publicado.]


É um facto que em dois anos Portugal conseguiu a melhor classificação de sempre num Europeu e a segunda melhor de sempre num Mundial. Quero apenas ressaltar que, após uma análise atenta dos resultados de Portugal nos últimos 14 anos (período em que houve jogadores da chamada “geração de ouro” de Portugal), estes recentes êxitos não são mais do que o corolário lógico de um trabalho de formação iniciado nas camadas jovens com Carlos Queiroz e seriam conseguidos com ou sem Scolari, desde que fosse dada a outro seleccionador qualquer a estabilidade que foi dada ao seleccionador brasileiro. Carlos Queiroz, António Oliveira e Humberto Coelho não ficaram a dever nada a Scolari em termos de resultados. A grande diferença é a sorte que Scolari tem e os outros não tiveram, uma vez que Scolari é o seleccionador que pega na selecção portuguesa numa fase conjuntural mais favorável. Primeiro, porque há uma estabilidade a nível federativo que nunca antes houve; segundo, porque Scolari tem a sorte de nunca encontrar pela frente os grandes “carrascos” de Portugal ou de só os encontrar na parte final das competições; terceiro (e este é o único real mérito de Scolari), porque há um apoio popular à selecção que nunca antes tinha havido.

Os portugueses, iludidos com Scolari, decidiram apagar da memória tudo o que de bom foi feito anteriormente e passaram a achar que só com Scolari é possível conseguir bons resultados. Mas o historial de resultados da selecção nos últimos 14 anos, se bem analisado, diz-me o contrário: não só Scolari não consegue ganhar a selecções contra as quais os outros também não conseguiam, como ainda piora nos resultados com selecções contra as quais as equipas de António Oliveira ou Humberto Coelho, por exemplo, conseguiam fazer excelentes resultados. Os números falam por si, basta analisá-los. Uma das grandes asneiras que por aí se diz à boca cheia é que com Scolari estamos sempre nas fases finais, quando, na verdade, Scolari só nos levou a este Mundial (lembro que no Europeu 2004 Portugal foi país organizador e não teve que disputar a qualificação). Desde 1996, só Artur Jorge falhou o Mundial de 98. De resto, tanto Humberto como Oliveira cumpriram sempre essa obrigação, levando Portugal aos Europeus de 96 e de 2000 e ao Mundial de 2002.

Poderia dizer o que digo sempre: não confio num seleccionador que acha que Vítor Baía não é um dos três melhores guarda-redes portugueses e que convoca um Paulo Santos que nem sonhava poder estar presente numa fase final; não confio num seleccionador que convoca sempre os amigos, independentemente da sua forma, o que o fez convocar perfeitas nulidades como Hugo Viana ou Boa Morte, deixando de fora o melhor jogador do último campeonato português; não confio num seleccionador que insiste em jogar só com dez mais o Pauleta, que é uma perfeita nulidade quando joga contra grandes selecções, tendo no banco, por exemplo, um Nuno Gomes, que as poucas vezes que entra em campo marca golo ou dá a marcar; finalmente, não confio num seleccionador que não aprende com os erros e que insiste sempre em cometê-los da mesma maneira.

Mas prefiro basear-me – mais cientificamente, digamos assim – nos resultados, fazendo as necessárias comparações que provam que Scolari não conseguiu fazer nenhum resultado que outros não tivessem conseguido nos últimos catorze anos, apenas teve mais sorte com os adversários. Comecemos pela qualificação para o Mundial 94, com Carlos Queiroz: num grupo em que estavam Itália, Suíça e Escócia, Portugal falhou a qualificação com apenas duas derrotas. Claro, duas derrotas contra Itália (!), como sempre. A selecção de Scolari nunca teve que jogar oficialmente contra a Itália. No único jogo particular que fez contra os italianos, claro que também perdeu! Escusado será dizer que, apesar de ter tido o dificílimo grupo de apuramento que teve, ninguém perdoou a Carlos Queiroz a não qualificação, e foi-se embora.

Seguiu-se o Euro 96, com António Oliveira. Mais um difícil grupo de qualificação, com as duas Irlandas e a Áustria. Mas Portugal só perdeu um jogo na República da Irlanda e qualificou-se naturalmente para o Europeu em Inglaterra, tendo goleado o Liechtenstein por 7-0 e 8-0 (coisa que deixou de acontecer com Scolari, como se verá adiante). Em Inglaterra, ganhou o grupo à Dinamarca, à Turquia e à Croácia (estes, também apurados para os quartos-de-final, perderiam, no entanto, por 3-0 frente a Portugal). A única derrota de Portugal aconteceu nos ¼ contra a República Checa, num jogo que recordo bem e no qual Portugal estava até a jogar melhor. Mas um golpe de génio de Poborsky deu a vitória aos checos. Já agora, ressalve-se que a poderosíssima Rep. Checa chegou à final e só perdeu contra a Alemanha. Depois desta boa participação portuguesa, Oliveira também se foi embora.

Chegou então, já com Artur Jorge, a qualificação para o Mundial 98. O azar voltou a bater à porta, já que nos saiu na rifa a Alemanha e a Ucrânia (bem mais forte do que a Rússia, como o provou neste Mundial de 2006, chegando aos quartos-de-final). Mesmo assim, Portugal não perderia nenhum dos jogos contra a Alemanha (Scolari perdeu), e uma única derrota (na Ucrânia) ditaria o afastamento da selecção portuguesa, o que deu o primeiro lugar do grupo à Alemanha. Claro que, mais uma vez, não houve segunda oportunidade, e Artur Jorge foi embora.

Depois veio o Europeu 2000, com Humberto Coelho. Mais um difícil grupo de qualificação, com Roménia e Hungria (apesar de tudo, desta vez não nos saiu nenhuma Alemanha nem nenhuma Itália). Mais uma vez, apenas uma derrota, em casa contra a Roménia, o que nos fez ficar em segundo lugar, a um ponto da Roménia. No entanto, Portugal qualificou-se, uma vez que foi o melhor de todos os segundos lugares da qualificação europeia. E na fase final (na Bélgica e Holanda) Humberto redimir-se-ia, deixando o Europeu sem nunca ter perdido. Três jogos e três vitórias na fase de grupos, contra a Inglaterra (vitória por 3-2 depois de ter estado a perder por 2-0), contra a Roménia (vingando-se assim da derrota na fase de qualificação) e contra a Alemanha (goleada por 3-0!). Nos ¼ foi a vez de eliminar a Turquia e nas ½ apareceu o carrasco do costume, a França. Mas Portugal, nos 90 minutos (ao contrário da selecção de Scolari, que perdeu mesmo), empatou. E o azar bateria de novo à porta: nas meias-finais de 84, Portugal até marcou primeiro no prolongamento, mas a França conseguiria dar a volta; agora, em 2000, foi a França que marcou primeiro, e Portugal, que estava a fazer um grande jogo, não teve oportunidade de tentar recuperar, uma vez que nesta altura a UEFA e a FIFA andavam a inventar, com a regra do golo de ouro. O jogo acabou, pois, por ali, e os portugueses, que nunca tinham tido tantas possibilidades de chegar a uma final, perderam a cabeça, e é isso que hoje os fanáticos de Scolari lembram, esquecendo-se da brilhante campanha da selecção que saiu do Europeu nas meias-finais sem ter perdido um único jogo. E Humberto, claro, para não variar, teve que se ir embora.

Segue-se o Mundial de 2002. A Federação lá se lembrou da boa campanha de António Oliveira em 1996 e foi recuperá-lo. Mais uma vez um grupo de qualificação complicadíssimo, com a Irlanda e a Holanda. Mas Portugal não perdeu um único jogo e qualificou-se para a fase final, deixando de fora a Holanda. Este Mundial na Coreia do Sul e no Japão foi um Mundial completamente atípico. Aqui, sim, foi o grande falhanço de Portugal nos últimos anos, ainda por cima depois de uma fase de qualificação sem mácula. Mas este Mundial foi cheio de surpresas, ao contrário do que vinha sendo habitual. Para além de Portugal, também a França e a Argentina se ficaram pela fase de grupos. Portugal perdeu contra os Estados Unidos (que chegariam aos ¼ de final, tendo tido a Alemanha grandes dificuldades para os derrotar por 1-0); mesmo assim, Portugal conseguiu a goleada do costume (4-0 sobre a Polónia); no último jogo, contra a anfitriã Coreia, o empate ter-nos-ia valido a passagem aos oitavos, mas Portugal, apesar de todos os esforços, estando a perder por 1-0, não conseguiu marcar, e mais difícil ficou quando João Vieira Pinto foi expulso por agredir o árbitro. Diga-se, no entanto, que a Coreia viria a eliminar a seguir a Itália e a Espanha, e só perdeu nas meias-finais contra a Alemanha (outra vez por 1-0) e no jogo para os 3º/4º lugares, surpreendentemente, com a Turquia. Seja como for, este foi o grande falhanço de Portugal, que deveria ter ido, no mínimo, aos oitavos-de-final. Se mesmo nas boas campanhas o seleccionador se foi sempre embora, é óbvio que, depois desta desilusão, Oliveira, mais uma vez, fez as malas.

E eis que chega a fase Scolari. Começou logo bem, já que foi o único que não teve que fazer nada para estar presente na fase final do Europeu. Quando chegou, já lá estava. E ainda ia ter a benesse que nenhum dos seleccionadores portugueses anteriores teve: jogar em casa. Antes disso, lá fez uns jogos de preparação, em que foi (obviamente, tal como os outros) derrotado pela Itália e goleado pela Espanha, em que empatou (tal como os outros fizeram, no mínimo) com a Holanda e em que se viu aflito para ganhar à Macedónia e ao Cazaquistão, ganhando ainda à Albânia, mas consentindo três golos (não sei se alguma vez a Albânia tinha marcado três golos a uma selecção decente). Mas isso foram jogos de preparação, que valem o que valem. O que vale, isso sim, é o Europeu. Começou logo mal o seu primeiro jogo a doer, com uma derrota contra a Grécia. A seguir lá ganhou à decrépita Rússia (que, depois da desagregação da URSS, nunca fez nada que se visse) e teve o seu grande golpe de sorte contra a Espanha: Scolari tem a particularidade de ser o único seleccionador de uma selecção decente que joga com um ponta-de-lança que é uma autêntica nulidade. Quer se goste ou não, a verdade é esta: Pauleta falha sistematicamente nas grandes competições. Mas Scolari insiste em jogar com um ponta-de-lança que não existe. Felizmente para Portugal, contra a Espanha Pauleta estava castigado. E então lá teve que jogar o Nuno Gomes e marcar o golo da vitória. Depois veio a Inglaterra. Portugal empatou e só conseguiria passar a eliminatória nos penáltis (ao contrário de Humberto, que tinha ganho aos ingleses). Seja como for, cumpriu-se a tradição de eliminar a Inglaterra. A seguir veio a Holanda e cumpriu-se também a tradição. Tal como os seleccionadores anteriores, também Scolari eliminou a Holanda. Finalmente, a Grécia. E mais uma derrota. É bom lembrar que a Grécia, apesar de se sagrar campeã e ter ganho dois jogos a Portugal, só conseguiu, nos 90 minutos, ganhar mais um jogo, à França. E chegou mesmo a perder contra a Rússia. Com os seleccionadores anteriores a coisa tinha ficado por ali. Mas Scolari renovou contrato. E passou a ser considerado um herói.

Com o Mundial 2006 chega a primeira vez em que Scolari tem que ultrapassar uma fase de qualificação. Depois de os seleccionadores anteriores terem apanhado logo na qualificação para o Mundial selecções como a Itália, a Alemanha e a Holanda, a selecção mais forte que calhou a Scolari foi… a Rússia. Ganhou o grupo sem derrotas, coisa que Oliveira já tinha feito. Empatou na Eslováquia a uma bola, enquanto que Humberto tinha ganho ambos os jogos e sem sofrer nenhum golo. Ganhou ambos os jogos à Estónia, tal como o tinham feito Queiroz e Oliveira. Ganhou também ambos os jogos à Letónia, tal como Oliveira. Com o Liechtenstein, ganhou 2-1 e empatou 2-2, enquanto Oliveira tinha ganho 7-0 e 8-0 e Humberto tinha ganho 5-0 e 8-0. No entanto, não fazendo mais do que os outros (nalguns pontos até fez menos), houve logo gente a dizer a grande mentira: com Scolari as coisas estão melhor do que nunca! Talvez se tenham baseado unicamente no 7-1 à Rússia (os outros não tiveram nunca a oportunidade de defrontar os russos).

Mas a sorte de Scolari continuaria. Na Alemanha, defrontou o grupo mais fácil que Portugal alguma vez já teve: Angola, Irão e México. Em 2002 Portugal falhou, é verdade, mas Estados Unidos e Coreia (esta a jogar em casa), apesar de tudo, são selecções mais fortes do que Angola e Irão. O palmarés destas selecções nos Mundiais assim o diz: os Estados Unidos e a Coreia já conseguiram chegar, nos mundiais, às meias-finais, enquanto que Angola (estreante) e o Irão nunca passaram da primeira fase de grupos. Pelo sim, pelo não, Scolari começou logo por dizer que o Irão e o México eram as selecções do mundo que estavam em melhor forma, não fosse o diabo tecê-las. O México, única selecção com condições para criar algumas dificuldades, nunca, em mundiais realizados fora do México passou dos oitavos-de-final (nos dois realizados em casa lá chegou aos quartos), muito pouco para um cabeça-de-série. Portanto, grupo mais fácil do que este era impossível. Nos oitavos e quartos-de-final, repetiu-se a história do Euro, tendo tido Scolari a sorte de jogar outra vez com as duas selecções que (vá-se lá saber porquê) são sempre eliminadas por Portugal: Holanda e Inglaterra. A grande hipótese de Scolari mostrar que era capaz de conseguir um resultado que os outros nunca conseguiram chegou nas meias-finais, onde nos calhou o carrasco do costume, a França. E não só não conseguiu aquilo que (aí sim!) o teria feito especial, como ainda conseguiu fazer pior do que Humberto em 2000, pois Humberto só perdeu no prolongamento, enquanto que, com Scolari, a França ganhou logo nos 90 minutos. Contra a Alemanha, finalmente, voltou a fazer pior do que os antecessores: Humberto tinha goleado a Alemanha por 3-0 e Artur Jorge, na qualificação, apesar de ter ficado de fora, empatou duas vezes.

Acresce mais um facto: em treze jogos em fases finais, nunca a selecção de Scolari conseguiu marcar a ninguém mais de dois golos. As selecções dos outros que conseguiram lá chegar deram sempre uma goleada de 3-0 ou 4-0, mesmo quando correu mal em 2002. O que também não admira, já que Scolari sempre insistiu em jogar com um ponta-de-lança que falha sempre nas fases finais, um ponta-de-lança que em 12 jogos conseguiu marcar um único golo contra Angola, enquanto manteve no banco Nuno Gomes que, tanto no Europeu como no Mundial, apesar de quase não ter jogado, marcou. No Europeu até tinha no banco, não um, mas dois pontas-de-lança melhores do que Pauleta, já que Hélder Postiga em 2004 também estava em boa forma e também marcou nos poucos minutos que esteve em campo. O que fica para a história, não há dúvida, é a posição final (2º no Europeu, 4º no Mundial). Mas ainda gostava de ver o que aconteceria se este Portugal apanhasse mais cedo a França ou a Alemanha, ou se Scolari ainda viesse a ter como adversário a Itália. E, depois de duas derrotas na mesma competição contra a sofrível Grécia, também gostava de ver como se comportaria esta selecção de Scolari contra os Estados Unidos ou contra a Coreia. Se calhar não era bem a mesma coisa que jogar contra Angola e Irão. É que uma das coisas que já por aí tenho ouvido é que os portugueses estavam fartos de “vitórias morais”. Mas o que tenho visto, com Scolari, tem sido… mais vitórias morais! Só que agora já não lhes dão esse nome.

Curioso ainda que os portugueses se venham queixar agora de perseguição por parte dos estrangeiros que dizem mal do tipo de jogo de Portugal. Acontece que são precisamente os estrangeiros que podem avaliar o jogo de outros países, pois aí fala mais forte a razão do que o coração. E eram esses mesmos estrangeiros que há pouco tempo chamavam aos jogadores portugueses os brasileiros da Europa, pois Portugal tinha, de facto, um futebol bonito. É curioso que tenha sido precisamente um brasileiro a descaracterizar a selecção portuguesa. E se, no passado, houve dois casos pontuais em que os jogadores portugueses tiveram problemas do ponto de vista disciplinar, neste momento somos conhecidos como os artistas que passam o tempo a tentar enganar o árbitro com “mergulhos para a piscina”. E isto todos viram neste Mundial, excepto, claro, os portugueses, que não percebem como é que Cristiano Ronaldo (o mestre do mergulho) foi tão assobiado pelo público e acham que isso é injusto. Mas se quiserem perceber o quão imparciais conseguem ser os espectadores estrangeiros, perguntem-se porque é que, contra a Alemanha, o mesmo público que se fartou de assobiar Cristiano Ronaldo, dispensou uma tremenda ovação a Figo quando este entrou em campo. O nacionalismo exacerbado leva-nos a fabricar heróis como Scolari, Pauleta ou Cristiano Ronaldo. Mas o reconhecimento dos estrangeiros vai apenas para os grandes. E os estrangeiros reconhecem Figo.
(recebido via email)

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