António Costa tinha razão há um ano: "Não é por haver vento que há incêndios nem é por haver calor que há incêndios."
Nisto parece divergir da sua parceira de geringonça, Catarina Martins, que agora apela à dança da chuva, já esquecida do tempo em que o Bloco de Esquerda proibia outro Governo de "encontrar justificação na meteorologia" para justificar a criminosa multiplicação dos fogos florestais.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
O PS parece esquecido da pedagogia da responsabilidade política assumida por uma das suas figuras de referência, Jorge Coelho, que em 2001 anunciou a imediata demissão do cargo de ministro do Equipamento Social, mal foi conhecida a derrocada da ponte de Entre-os-Rios, causando a morte de 59 pessoas. Agora a tendência por cá é precisamente a inversa: a ministra da Administração Interna, que pelo segundo Verão consecutivo despertou tarde para a tragédia dos fogos, só surgiu em Pedrógão após o Presidente da República já estar no terreno e mesmo então pareceu mais preocupada em aparecer na televisão, afastando do caminho o secretário de Estado Jorge Gomes. Há pequenos gestos que dizem tudo sobre quem os pratica.
Não duvido que Constança Urbano de Sousa esteja com "o coração destroçado", como o seu colega da Agricultura, Capoulas Santos, e outros responsáveis governamentais que têm acorrido às televisões em evidente estratégia de contenção de danos, já com 64 óbitos confirmados naquele concelho.
Nada disto apaga a memória da controversa extinção do Corpo Nacional da Guarda Florestal, ocorrida em 2005, quando o actual primeiro-ministro ocupava a tutela da Administração Interna. Extinção que o Executivo confirmou há um ano, contra todas as evidências de que a GNR está muito longe de ser uma entidade vocacionada para assegurar a vigilância das florestas, e quando já era sabido que Portugal tinha metade da área ardida na totalidade dos 28 Estados membros da União Europeia.
- Continuamos a andar de passo trocado neste país que gasta anualmente 80% dos recursos nesta área disponíveis no combate aos fogos e destina apenas 20% da verba à prevenção, enquanto vê arder 250 milhões de euros também por ano.
- Um país que possui um Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios cujo último relatório bienal conhecido é referente a 2009/2010: segundo noticia o Público, a avaliação de 2011/2012 só hoje será divulgada pelo Ministério da Agricultura, sob a pressão dos últimos acontecimentos.
- Um país que tem um pacote legislativo sobre florestas adormecido há meses numa comissão parlamentar.
- Um país que tem um órgão com um nome tão pomposo quanto inúteis parecem ser as suas funções: o Grupo de Trabalho para o Acompanhamento da Temática dos Incêndios Florestais foi criado em Outubro de 2016, após os fogos florestais do Verão passado, e desde então só reuniu cinco vezes sem nada ter anunciado.
Este país que arde torna-se cada vez mais desigual: dividido entre uma faixa litoral superpovoada e um interior cada vez mais deserto, cada vez mais pobre, cada vez mais esquecido.
Um interior que em certos casos começa a 30 quilómetros das praias da moda, cheias de restaurantes caros e turistas endinheirados, onde o sol não queima: apenas bronzeia.
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