Um olhar do norte: Das promiscuidades silenciadas
Ninguém se interrogou acerca das motivações dos administradores da Caixa. Ninguém rotulou e «promiscuidade» intolerável aquele casamento de interesses nada transparentes
Como o leitor muito bem sabe, a comunicação social, particularmente a televisão, é useira e vezeira em campanhas contra políticos e autarquias que se relacionem com clubes de futebol. As aproximações e colaborações são, por via de regra, vistas como perigosa e inaceitável «promiscuidade». A sanha persecutória é de tal ordem que até parece que o futebol é causador de uma lepra que mina irremediavelmente os fundamentos da democracia e do regular e sadio funcionamento da sociedade.
Claro que há algum exagero neste meu reparo; e não é bem assim. De facto os media não visam todas as autarquias, todos os políticos e todos os clubes por igual. A acusação de «promiscuidade» e de esbulho do erário público tem destinatários privilegiados. Se em causa estiver uma autarquia e um clube da «província» ou o governo e os clubes da Região Autónoma da Madeira, é certo e sabido que a acusação atinge o espírito de cruzada. Pelo contrário, ela nunca se aplica aos clubes da capital e à respectiva autarquia. Neste caso, não apenas fica de fora a acusação de «promiscuidade», como são escondidos da opinião pública os montantes dos apoios e benefícios concedidos. O que se passou, há tempos, com a construção dos estádios constitui prova irrefutável do que acabo de afirmar; a dualidade e a parcialidade de tratamento do assunto pelos media foram por de mais manifestas.
Não, não estou a mexer no passado. Estou a referir-me a coisas muito graves do presente e à demissão da comunicação social de exercer a função da crítica, denúncia e questionamento. Vou ser mais explícito. Imaginemos que a Caixa Geral de Depósitos apoiava a construção de instalações do Futebol Clube do Porto, para não falar noutro clube longe da capital. Certamente se levantaria no panorama mediático um coro inflamado de suspeitas, protestos e condenações que fariam cair a Torre dos Clérigos e os responsáveis pelo apoio concedido. Alguém tem dúvidas de que seria assim?
Todavia o caso ocorreu, só que com um clube da capital; e sobre ele não se levantou a mais pequena pergunta. Ninguém questionou os critérios que levaram a CGD a praticar tal colaboração. Ninguém se preocupou com a legitimidade da operação. Ninguém perguntou que tipo de negócio e investimento é esse. Ninguém se interrogou acerca das motivações dos administradores da Caixa. Ninguém quis saber se isso é benéfico ou lesivo dos contribuintes para a dita instituição. Ninguém rotulou de «promiscuidade» intolerável aquele casamento de interesses nada transparentes.
Não sei se o apoio da CGD é ou não plausível no plano jurídico e financeiro, tendo em vista a defesa dos sagrados direitos dos seus contribuintes. Mas gostava de saber; mais, todos temos o inalienável direito de conhecer a verdade, o alcance e a justificação da operação em causa. E a comunicação social tinha e tem o dever de questionar, de não se calar, de não se remeter a um silêncio envergonhado e de nos informar com rigor, responsabilidade e clareza. Porém até agora optou por colaborar no encobrimento de uma situação que se apresenta — ela sim! — com contornos de uma promiscuidade abusiva e perversa.
Não escapa a ninguém que no País, tal como no Mundo, imperam lobbies e organizações, pouco propensos a dar a cara à luz do dia. Igualmente é conhecida a existência de duas grandes organizações, uma de ordem religiosa e outra de matriz laica, que têm forte presença na cena nacional e nela exercem uma influência impossível de negar. Contudo pouca gente se apercebe de que há uma terceira força com evidente capacidade de manobra nos areópagos do poder. É ligada a um clube de futebol que tem gozado e goza de impunidade, proteccionismo e cobertura crescentes. Por este andar, é plausível supor que, dentro em breve, será vedado o desempenho de funções públicas de relevo a todo aquele que não se identifique com essa força e que denuncie os favores activos e passivos de que é beneficiária. Afinal, o sol quando nasce não é para todos.
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