Cavaco tem sido acusado pelos outros de não falar, de não ter ideias, etecetera, etecetera. Mas os outros não se apercebem de que a única coisa de que falam é do Cavaco. Faz sentido: a única coisa relevante nesta campanha é Cavaco.
Temos então um padreca trotskista, um dinossauro estalinista, um poeta serôdio, um capitalista hipócrita e um economista profissional. As duas primeiras criaturas pertencem ao mundo da ficção científica, da banda desenhada da Marvel: são os mauzões inacreditaveis de quem ninguém já quer ouvir falar, não por receio mas por tédio. Ideologicamente ultrapassados, mil vezes mais ortodoxos e conservadores do que muitas das instituições que odeiam, dão-se ao luxo e ao ridículo de usar palavras como “modernidade”, “novo” e “novidade” ou, ainda pior, “luta” e “liberdade”. O dinossauro estalinista vem agora afirmar que não desistirá da campanha, que irá até ao fim, etecetera. Será que já se esqueceu do que fez nas presidenciais de há dez anos atrás? Será que já se esqueceu de ele mesmo ter desistido a favor do candidato socialista da altura?
O poeta serôdio lembrou-se de repente que para o prestígio e a aura que julga merecer falta-lhe uma coisa muito importante: fama. O poeta serôdio pode ser muita coisa, mas não é famoso, raro ou nunca esteve debaixo dos holofotes mais mediáticos, o português comum não lhe atribui nenhuma obra ou acção de relevo nacional. Até o chatarrão e verborreico Almeida Santos será mais conhecido que ele. Não digo que o poeta não tenha tido as suas acções relevantes e os seus méritos, mas isso para ele não chega: o que ambiciona agora é o reconhecimento, são as luzes da ribalta (e talvez uma ruazita, praça ou quem sabe avenida em Lisboa). O poeta serôdio armou-se finalmente em cavaleiro em defesa do “bom”, velho e verdadeiro socialismo, contra as “terceiras vias” e contra as “monarquias”. Podia ter-se lembrado disso tudo há muito mais tempo, nos “bons”, velhos e longos tempos do seu grande amigo o capitalista hipócrita.
O capitalista hipócrita é de todos o mais intragável. É a decepção que regressa sempre, o recalcitrante de sorriso nos lábios. É o detrito que tem vida própria e que volta sempre ao de cima. Ser jovem de direita no pós-25 de Abril é muito difícil em Portugal: ter de ouvir gente falar sempre com a boca cheia de “democracia” quando para eles mais de metade do espectro político é desprezado com o insulto de “fascista”; ouvir falar de liberdade quando o que se pretendia era a mesma liberdade da Polónia ou da Checoslováquia nos tempos anteriores a 89 e 91. Mas há especificamente um vexame que pelo seu carácter mais personificado e presente, é de todo insuportável: o de nos dizerem que devemos muito a esse “grande homem”, o capitalista hipócrita.
Campeão da instabilidade, dos derrubes de governos, da manipulação dos média, das infâmias insinuadas, do oportunismo político, da total ausência de aderência a convicções na prática, cá o temos mais uma vez, desde sempre, como sempre. É conhecido até à náusea. E é sempre o mesmo. A sua principal ideia para esta campanha, que é já uma monomania de longuíssima data, é exactamente igual à dos outros três: derrotar Cavaco.
O economista profissional, depois de deixar o governo, regressou com a sua modéstia natural às actividades profissionais do costume: lá esteve ele novamente como entertainer intelectual para pequenos públicos, lá continuou os seus estudos e previsões no grande banco. Nunca se reclamou de defensor de grandes ideologias. Porém, foi sempre coerente. Porém, as suas ideias têm sido publicadas pela sua própria mão. Falando pouco, é possível reconhecer-lhe facilmente linhas de orientação, que respeitou e cumpriu com coerência, integridade e também com força. Não se verga, não faz ziguezagues e não critica os outros como se vivesse num altar. Ao recusar o método da infâmia, da insinuação e do insulto, mesmo quando é a ele sujeito, ao recusar os moralismos e as apoteoses, mesmo quando é justo atribuir-lhe já grande autoridade – ele de facto nem parece um político.
Cavaco Silva já ganhou.
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