Aborto, futebol, regionalização e religião. Por ordem alfabética, os quatro temas tabu da blogosfera indígena e, creio, por extensão, da sociedade autóctone. Em torno de qualquer um deles quando manifestamos uma opinião provocamos seguramente polémica, arriscamos zangas com os amigos, e habilitamo-nos aos mais variados enxovalhos e a processos de intenções ocultas (tão ocultas que nem nós próprios as conhecíamos...) de comentadores e interlocutores. Sobre o aborto já escrevi muito e disse quase tudo o que tinha para dizer (mais lá para diante voltarei, provavelmente, ao assunto), sobre religião escrevo com alguma regularidade e sobre futebol, de que gosto e sobre o qual tenho algumas opiniões e preferências, recuso-me a escrever, por amor à vida. Já quanto à regionalização posso considerar que praticamente me estreei hoje na blogosfera, com resultados engraçadíssimos. De todas as reacções há apenas duas com as quais não contava, vindas de comentadores: a acusação de que o que escrevi correspondia à defesa do Porto como pólo centralizador de poder, alternativo a Lisboa e a outras cidades, e a de que estaria a sugerir uma forma de «engenharia social» pouco ou nada condicente com o liberalismo. Procurarei, sumariamente, refutar estas duas impressões sobre o que escrevi.
Quanto à primeira, por razões quase genéticas, o Porto tem de me preocupar mais do que qualquer outra cidade ou sítio de Portugal. Se, como dizia Agostinho da Silva, o nosso domínio é, primeiro, o nosso território, a nossa casa, o nosso alpendre e o que dele a nossa vista pode alcançar, é natural que, como liberal, me preocupe mais com a cidade onde nasci e na qual vivo. Mas o que me preocupa não é tanto um eventual egoísmo, inteiramente natural e defensável, diga-se, de querer para a minha terra mais do que para as outras, mas o facto de a ver empobrecida ao longo das décadas que se têm sucedido no passado recente. Estranhamente, ou talvez não, ninguém parece cuidar de saber porque motivo é que o Porto tem fama de ser, ou de ter sido, um centro de poder e de influência (há inúmeros movimentos sociais e políticos, ao longo da nossa história recente, que partiram desta cidade) e não ter nos últimos trinta anos, qualquer peso político específico que corresponda a essa tradição. Explicações há muitas. Soluções, até agora, não vi nenhumas. Pelo contrário, por cada ano que passa se percebe que o Porto perde poder, influência, recursos e gente: seja pela leitura dos números do PIB, seja pelos números do desemprego, seja pela falta de protagonistas com dimensão, seja pela sensação de que os grandes investimentos nos passam ao lado, seja por percebermos que não dispomos - o Porto e a Região Norte em geral, de instrumentos que nos permitam dialogar directamente com terceiros - a Galiza e Bruxelas, por exemplo, sem necessariamente passar pela tutela do Estado central. Uma boa razão será a de que quem quer fazer política ou negócios vai, ou tem que ir, para Lisboa, na medida em que é lá que eles estão: é lá que está a Chefia do Estado, o Governo, o Parlamento, a maior parte das chefias da administração pública, das empresas do Estado ou controladas por ela. É lá, sobretudo, que está o poder de decisão. O efeito centrífugo disto é evidente, e aliado a essa nova e perigosíssima ideia de que com a moderna tecnologia se pode governar o mundo a partir de um só ponto, gera um caldo de cultura do qual dificilmente se pode sair. O que é facto, é que no Porto, e leia-se aqui «o Porto» em sentido latíssimo, como sinónimo de todos os centros urbanos de média e grande dimensão que (ainda) existem em Portugal, têm vindo a perder gente qualificada para Lisboa e, mais do que isso, não têm permitido que muitas pessoas se revelem, se afirmem localmente, pela elementar evidência de não existirem meios para isso. Creio, por último, que não apenas o Porto mas quase todo o país, ganharia com uma reforma estrutural do Estado português que o transformasse de unitário em regional ou mesmo (utopia inatingível) em federal. Quando se pensa neste assunto, não se pretende dividir o país em duas grandes regiões em torno de Lisboa e do Porto, mas em tantas quantas aquelas que o país (ainda) pode justificar. Os poderes e as competências a distribuir entre o Estado central e as regiões não discriminariam positiva ou negativamente nenhuma destas últimas, ficando todas em pé de igualdade, como é próprio de um Estado de direito. Diga-se, em abono desta posição, que é graças a isto que a Espanha tem crescido após a morte de Franco: permitindo a fixação dos seus melhores às várias autonomias, em posições e no desempenho de funções que, anteriormente, teriam que ir tentar desempenhar em Madrid. Pense-se no caso flagrante de Manuel Fraga Iribarne, para se perceber o que eventualmente temos vindo a perder nos últimos trinta anos de centralismo.
Quanto à segunda questão, a da engenharia social, não vejo como se poderá qualificar assim uma simples operação de redistribuição de competências dentro de uma entidade política, a saber, um Estado e várias entidades políticas de menor dimensão. Pretender transformar um Estado centralizado num Estado regionalizado ou mesmo federal, não é «engenharia social», mas, quando muito, política e administrativa. É uma técnica e não uma substância. Diga-se, de resto, que a favor dos cidadãos e do princípio, agora tanto na boca do mundo, da aproximação do poder de decisão (e, note-se, dos próprios decisores) aos cidadãos que dele são alvo. Ou seja, o famigerado princípio da subsidiariedade que todos apregoam mas que ninguém parece interessado em pôr, de facto, em prática.
De todo em todo, há um paradoxo que me aflige em tudo isto, sobretudo para os adversários da regionalização, e peço desculpa se generalizo para além do devido: todos concordam que o Estado central funciona mal; todos acham que o país está desequilibrado; todos se queixam da desertificação do interior. Mas todos pensam que o único resultado de retirar poder ao centro para redistribuir pelo todo redundaria numa tragédia nacional de ainda maiores proporções que a actual. É muito pessimismo junto!
Quanto à primeira, por razões quase genéticas, o Porto tem de me preocupar mais do que qualquer outra cidade ou sítio de Portugal. Se, como dizia Agostinho da Silva, o nosso domínio é, primeiro, o nosso território, a nossa casa, o nosso alpendre e o que dele a nossa vista pode alcançar, é natural que, como liberal, me preocupe mais com a cidade onde nasci e na qual vivo. Mas o que me preocupa não é tanto um eventual egoísmo, inteiramente natural e defensável, diga-se, de querer para a minha terra mais do que para as outras, mas o facto de a ver empobrecida ao longo das décadas que se têm sucedido no passado recente. Estranhamente, ou talvez não, ninguém parece cuidar de saber porque motivo é que o Porto tem fama de ser, ou de ter sido, um centro de poder e de influência (há inúmeros movimentos sociais e políticos, ao longo da nossa história recente, que partiram desta cidade) e não ter nos últimos trinta anos, qualquer peso político específico que corresponda a essa tradição. Explicações há muitas. Soluções, até agora, não vi nenhumas. Pelo contrário, por cada ano que passa se percebe que o Porto perde poder, influência, recursos e gente: seja pela leitura dos números do PIB, seja pelos números do desemprego, seja pela falta de protagonistas com dimensão, seja pela sensação de que os grandes investimentos nos passam ao lado, seja por percebermos que não dispomos - o Porto e a Região Norte em geral, de instrumentos que nos permitam dialogar directamente com terceiros - a Galiza e Bruxelas, por exemplo, sem necessariamente passar pela tutela do Estado central. Uma boa razão será a de que quem quer fazer política ou negócios vai, ou tem que ir, para Lisboa, na medida em que é lá que eles estão: é lá que está a Chefia do Estado, o Governo, o Parlamento, a maior parte das chefias da administração pública, das empresas do Estado ou controladas por ela. É lá, sobretudo, que está o poder de decisão. O efeito centrífugo disto é evidente, e aliado a essa nova e perigosíssima ideia de que com a moderna tecnologia se pode governar o mundo a partir de um só ponto, gera um caldo de cultura do qual dificilmente se pode sair. O que é facto, é que no Porto, e leia-se aqui «o Porto» em sentido latíssimo, como sinónimo de todos os centros urbanos de média e grande dimensão que (ainda) existem em Portugal, têm vindo a perder gente qualificada para Lisboa e, mais do que isso, não têm permitido que muitas pessoas se revelem, se afirmem localmente, pela elementar evidência de não existirem meios para isso. Creio, por último, que não apenas o Porto mas quase todo o país, ganharia com uma reforma estrutural do Estado português que o transformasse de unitário em regional ou mesmo (utopia inatingível) em federal. Quando se pensa neste assunto, não se pretende dividir o país em duas grandes regiões em torno de Lisboa e do Porto, mas em tantas quantas aquelas que o país (ainda) pode justificar. Os poderes e as competências a distribuir entre o Estado central e as regiões não discriminariam positiva ou negativamente nenhuma destas últimas, ficando todas em pé de igualdade, como é próprio de um Estado de direito. Diga-se, em abono desta posição, que é graças a isto que a Espanha tem crescido após a morte de Franco: permitindo a fixação dos seus melhores às várias autonomias, em posições e no desempenho de funções que, anteriormente, teriam que ir tentar desempenhar em Madrid. Pense-se no caso flagrante de Manuel Fraga Iribarne, para se perceber o que eventualmente temos vindo a perder nos últimos trinta anos de centralismo.
Quanto à segunda questão, a da engenharia social, não vejo como se poderá qualificar assim uma simples operação de redistribuição de competências dentro de uma entidade política, a saber, um Estado e várias entidades políticas de menor dimensão. Pretender transformar um Estado centralizado num Estado regionalizado ou mesmo federal, não é «engenharia social», mas, quando muito, política e administrativa. É uma técnica e não uma substância. Diga-se, de resto, que a favor dos cidadãos e do princípio, agora tanto na boca do mundo, da aproximação do poder de decisão (e, note-se, dos próprios decisores) aos cidadãos que dele são alvo. Ou seja, o famigerado princípio da subsidiariedade que todos apregoam mas que ninguém parece interessado em pôr, de facto, em prática.
De todo em todo, há um paradoxo que me aflige em tudo isto, sobretudo para os adversários da regionalização, e peço desculpa se generalizo para além do devido: todos concordam que o Estado central funciona mal; todos acham que o país está desequilibrado; todos se queixam da desertificação do interior. Mas todos pensam que o único resultado de retirar poder ao centro para redistribuir pelo todo redundaria numa tragédia nacional de ainda maiores proporções que a actual. É muito pessimismo junto!
1 comentários:
amnon kapiliuk
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